segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Na fila do mercado, numa madrugada de domingo

Oxe, nunca tinha visto, me respondeu a caixa quando perguntei se era comum aquele tipo de cena. Esses esqueitistas, resmungava um homem na fila, no alto de sua sabedoria preconceituosa e senso comum, ignorando que não havia ninguém com prancha ali. Foi a conversa de momento pelos cinco, talvez dez minutos que me demorei ali. Pouco antes havia saído um rapaz, puxado – finalmente – pela sua namorada, aos berros: covardes, dois contra um! Vem só um! Vem só um! Se fazia vítima agora, o macho alfa, que instantes atrás chamava os dois pra briga. Eu entrara na fila de pequenas compras – até vinte itens. Na minha frente um rapaz de uns vinte anos, um saco de pão e uma bandeja de frios. Aparentemente, tudo normal, cada um pensativo com sua compra e na semana por vir. Foi quando o rapaz na sua frente se vira e pergunta que ele está querendo arranjar confusão. Estou aqui na boa, quieto. O da frente insiste, mostrando toda sua testosterona, ignorando os apelos da namorada para que parasse: cadê teu amiguinho? Pouco depois chega o amigo, alargador na orelha, várias tatuagens (como o macho alfa): que foi, ainda enchendo o nosso saco? Nenhum bombado, todos com seus um metro e setenta. Algumas trocas de adjetivos e o de alargador manda calar a boca: vem fazer eu calar. Desafia o macho enquanto empurra o primeiro rapaz, que já havia avisado pra não ralar nele. O de alargador aceita o convite e os dois se abraçam aos gritos de pára da namorada. O primeiro rapaz vê uma garrafa de vodca, pensa rápido e não titubeia: logo voava pelo ar o líquido amarelado ao som de vidro quebrado. Algumas pessoas aparecem para separar: não tem segurança aqui? O segurança chega depois, quando o macho alfa já havia saído com a namorada, se fazendo de vítima. No chão, junto com a vodca, sangue. O primeiro rapaz comenta, indignado, com o segurança: eu tava de boa, ele veio encher, e olha o que ele fez eu fazer com meu brother: reparo no rosto do rapaz de alargador, o sangue jorra do supercílio aberto pela garrafada do amigo

Morais da história: se chamar dois pra briga não os acuse de covarde porque aceitaram o convite; e quando for brigar, só use armas se souber usá-las: você pode acertar seu amiguinho.

São Paulo, 14 de outubro de 2013.

sábado, 28 de setembro de 2013

De sonhos e coincidências (memórias feitas de saudades)

No dia em que se completava um mês da sua perda, estava tristonho e resolvi ir caminhando para a aula. Passava pelo Brás e vi um ambulante vendendo uma camiseta do Pica-Pau com o nome da sua irmã – você iria dar risada s'eu ta presenteasse (como me chamaria de acadêmico agora, por usar “ta”). À noite havia sonhado de novo com sua ausência. Diferentemente da outra vez que tive sonho assim, neste não havia pessoas ou locais familiares, não havia alguma alusão cinematográfica. Havia um quotidiano qualquer pelo qual eu circulava tentando segurar o choro (nem sempre conseguindo), por não ter mais a sua alegria, não ter mais você para compartilhar as pequenas banalidades, coisas que passariam batidas, muito provavelmente, não fosse você ter me ajudado a me aprimorar o olhar para esses tipos de miudezas. Foi um sonho também diferente do último que tive contigo, há dez dias, no qual você estava presente: subíamos a Augusta pelo seu lado preferido (o direito), nos aproximávamos da esquina com a Antônio Carlos – a qual seguidamente parávamos para bebericar uma cerveja (e você fumar) e olharmos o movimento –, eu te abraçava e dizia: “Puxa, Misson, como sinto sua falta”. Você não respondeu nada, porque antes meu celular tocou, com a mensagem de uma amiga, que perguntava de algo relacionado a você. Apenas outra de uma série de coincidências que nesse último mês abalaram minhas (des)crenças. Contra meu ceticismo, queria crer que há um além, que poderíamos ainda ter algum contato, e que essas coincidências fossem um sinal da sua presença. Mais certo, porém, que seja apenas minha dor tentando aliviar o vazio no meu dia-a-dia deixado pela sua partida. É tarefa diária reafirmar a mim mesmo a aceitação e o conformismo com sua perda (há algo mais para fazer?), ainda assim, no fim do dia, me custa a acreditar: você se foi mesmo? Se eu te mandar um sms contando da moça de gorro no Folias, você não vai responder? Ao abrir meus emails não terá um seu lá, com grandes questões existências em meios a pequenos eventos quotidianos na sua escrita gostosa de ler? No fim deste dia, no mercado, enquanto ensaiava esta crônica e me dava conta de que era capaz de lembrar em detalhes o dia vinte e oito de agosto, começa a tocar Ira!, “Vida Passageira” – outra coincidência. Queria contá-la para você, para que tirasse sarro da minha breguice.
Pouco antes, quando eu subia a Augusta, ao passar pela esquina do sonho, fiz como tenho feito sempre que passo por ali: cruzo os braços contra o corpo num abraço imaginário e digo em silêncio: “puxa, Misson, como você faz falta”.

São Paulo, 28 de setembro de 2013.