terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Mercados do tempo

Dia 31 de dezembro acompanhei meus pais na ida ao mercado, no meio da tarde. Apesar de ser terça, por se tratar de véspera de feriado, tinha movimento de sábado. Esse passeio foi um pouco passear no tempo. No século passado, na ausência de shopping center na cidade (ausência que persiste), o que havia de opção aos pré-adolescentes que atendesse ao binômio diversão-compras era o supermercado. Ao adentrá-lo, o que primeiro me chamou a atenção foi como o estabelecimento encolheu - de espaço, de tamanho, de altura. Certo, na verdade fui eu que cresci, meus horizontes que se ampliaram, mas foi estranho. A lojinha na entrada não há mais, o café foi para o canto e não há torresmo para degustação (não devia ser para degustação, mas eu degustava, meio com medo de não poder fazer aquilo e acabar tomando uma bronca). Meus pais, claro (estamos numa cidade pequena), encontram conhecidos, trocam duas três frases, perguntam notícias de algum terceiro. Eu empurro o carrinho - como fazia vinte anos atrás. Não vejo ninguém que conheço, o que não me aborrece. Reparo que há vários pré-adolescentes: estariam eles, como eu fazia outrora, paquerando no mercado? Empurrava o carrinho, chopinava pros meus pais comprarem um cereal ou um iogurte, degustava um torresmo, e reparava disfarçadamente nas gurias. Algumas reparavam de volta, disfarçadamente também - os pais em cima, comentando animados sobre a nova embalagem do creme de amendoim. No fim, era isso. E eu devia ser ruim de fisionomia, porque não lembro de ter paquerado duas vezes a mesma guria. O caixa, óbvio, tem leitura ótica - bem diferente de quando valor por valor era batido na caixa registradora. Não é mais tempo de inflação, mas meus pais acabam "fazendo o rancho" nessa ida ao mercado, como se diz por estas terras.
Dias depois, aproveitando o primeiro dia de sol e de relativo calor do ano, fui com minha mãe resolver qualquer coisa no centro. Ela seguiu suas andanças, eu voltei para casa. Para escapar do sol quente, fui por um corredor que dá acesso ao mercado próximo de casa. Outra viagem no tempo. Ah, a época que o mercado fechava do meio dia às duas, as pessoas sentadas esperando ele abrir. A locadora que ocupava o outro lado do corredor já havia sido reduzida a um quinto do seu tamanho e agora funciona uma sapataria nesse quinto restante - apesar da placa anunciando a locadora. Locadora cujos atendentes sabiam decor o código do cliente dos meus pais - 24 -, e que atendiam aos pedidos de minha mãe de dizer ao meu irmão que a fita de desenho só podia ser assistida duas vezes, ou tinha que pagar um valor extra - deixasse e meu irmão desgrudava da televisão o tempo de rebobinar o vhs. Subo a rampa que dá acesso ao corredor, onde eu fazia manobras com minha bicicleta vermelha (eu devia julgá-las radicais). No corredor, finalmente, as vitrines outrora cheias de brinquedos, que eu observava babando, agora estão tomadas por caixas da loja de roupas que funciona no local. Eu achava aquela passagem algo mágica, que me levaria a qualquer lugar especial - ela própria um lugar especial. Lembro do medo de entrar nela e ela ser fechada antes de eu chegar no outro lado. Não consigo me desvencilhar dessa sensação: há algo de mágico nesse pequeno trajeto, e não se trata exatamente do corredor.

Pato Branco, 07 de janeiro de 2014

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Um rato?

Há cerca de um mês, mais ou menos, apareceu um rato na casa dos meus pais, na chamada "parte de baixo", (apesar da casa ser de um andar no nível da rua, há um andar que acompanha o desnível do terreno), que dá para o pátio dos fundos. E por uma semana o roedor deu um baile em meus estimados progenitores: não o encontravam, e não adiantava pôr ratoeira, isca, o que fosse, que o bicho não ia. Ponto alto, que até hoje deixa meu pai vermelho de indignação ao lembrar da historia, foi a vez que os dois desceram ver se o dito cujo tinha sido pego. Nada. Ao subirem de volta, qual não foi a surpresa ao verem rastros dele, que se aproveitara da porta aberta para subir ao andar de cima. No fim das contas, ele desceu, assustou minha mãe uma tarde, ao pular sobre ela, quando ela abriu uma gaveta, e desapareceu. Foi influenciado por essa história que meu irmão acordou hoje, pouco antes das seis da manhã. Ele dormia no quartinho que há no andar de baixo (período de visitas de parentes, sabe como é). Perto da referida hora, escutou barulhos vindos da sala de baixo, que fica ao  lado do quarto. "Putz, deve ser o rato". Pensou. Apurou um pouco os ouvidos, ainda muito sonado. Notou que o barulho devia ser na janela. "Deve estar tentando escalar a porta de vidro da sala pra sair da casa, e não esta conseguindo". Pôs os óculos, e foi ver o tal do rato. Por via das duvidas, saiu vagarosamente do quarto, parou na porta: viu que sua mochila, no sofá, próximo à porta, se mexia. "Credo! O rato esta arrastando minha mochila", raciocinou entre o perplexo, o alarmado e o sonado. Foi quando a mochila rolou e caiu. O que meu irmão viu, então, não foi um rato, mas o braço de um homem, que por um vidro quebrado mexia na bolsa. "Sai daqui agora", gritou a plenos pulmões, em impressionantes decibéis, que soaram bem mais altos pelo silêncio que fazia ao redor. Antes do segundo berro eu já tinha levantado da cama e me encaminhava para ajudar meu irmão, sei lá no que. As curucacas agitadas, a cachorra latindo ao longe (a mais que prudente distância da casa e do ladrão), meu pai tentando fazê-la calar, para não incomodar os vizinhos, e o berro do meu irmão foram o suficiente para eu saber que havia algo errado (meus pais levaram um tempo mais). Encontrei meu irmão na escada, "Chama a polícia", e explicou que um braço tentara roubar suas coisas, e que o homem - dono do tal braço - saíra correndo depois dos seus sonoros berros (inclusive instigando a covarde cachorra a pegá-lo). O ladrão fugiu, perseguido por um transeunte que passava e ouvira os chamados. Depois, esse homem - que lamentou não ter uma arma na hora -, me encontrou e contou sua versão dos fatos. A vizinha do lado também comentou que ouvira os gritos. Por todo o dia foi nosso grande assunto. Me lembrei de um conto do Mário de Andrade, e notei o quanto não há de evento social numa tentativa de roubo na madrugada. 

Pato Branco, 27 de dezembro de 2013.