Dia 31 de dezembro acompanhei
meus pais na ida ao mercado, no meio da tarde. Apesar de ser terça,
por se tratar de véspera de feriado, tinha movimento de sábado.
Esse passeio foi um pouco passear no tempo. No século passado, na
ausência de shopping center na cidade (ausência que persiste), o
que havia de opção aos pré-adolescentes que atendesse ao binômio
diversão-compras era o supermercado. Ao adentrá-lo, o que primeiro
me chamou a atenção foi como o estabelecimento encolheu - de
espaço, de tamanho, de altura. Certo, na verdade fui eu que cresci,
meus horizontes que se ampliaram, mas foi estranho. A lojinha na
entrada não há mais, o café foi para o canto e não há torresmo
para degustação (não devia ser para degustação, mas eu
degustava, meio com medo de não poder fazer aquilo e acabar tomando
uma bronca). Meus pais, claro (estamos numa cidade pequena),
encontram conhecidos, trocam duas três frases, perguntam notícias
de algum terceiro. Eu empurro o carrinho - como fazia vinte anos
atrás. Não vejo ninguém que conheço, o que não me aborrece.
Reparo que há vários pré-adolescentes: estariam eles, como eu
fazia outrora, paquerando no mercado? Empurrava o carrinho, chopinava
pros meus pais comprarem um cereal ou um iogurte, degustava um
torresmo, e reparava disfarçadamente nas gurias. Algumas reparavam
de volta, disfarçadamente também - os pais em cima, comentando
animados sobre a nova embalagem do creme de amendoim. No fim, era
isso. E eu devia ser ruim de fisionomia, porque não lembro de ter
paquerado duas vezes a mesma guria. O caixa, óbvio, tem leitura
ótica - bem diferente de quando valor por valor era batido na caixa
registradora. Não é mais tempo de inflação, mas meus pais acabam
"fazendo o rancho" nessa ida ao mercado, como se diz por
estas terras.
Dias depois, aproveitando o
primeiro dia de sol e de relativo calor do ano, fui com minha mãe
resolver qualquer coisa no centro. Ela seguiu suas andanças, eu
voltei para casa. Para escapar do sol quente, fui por um corredor que
dá acesso ao mercado próximo de casa. Outra viagem no tempo. Ah, a
época que o mercado fechava do meio dia às duas, as pessoas
sentadas esperando ele abrir. A locadora que ocupava o outro lado do
corredor já havia sido reduzida a um quinto do seu tamanho e agora
funciona uma sapataria nesse quinto restante - apesar da placa
anunciando a locadora. Locadora cujos atendentes sabiam decor o
código do cliente dos meus pais - 24 -, e que atendiam aos pedidos
de minha mãe de dizer ao meu irmão que a fita de desenho só podia
ser assistida duas vezes, ou tinha que pagar um valor extra -
deixasse e meu irmão desgrudava da televisão o tempo de rebobinar o
vhs. Subo a rampa que dá acesso ao corredor, onde eu fazia manobras
com minha bicicleta vermelha (eu devia julgá-las radicais). No
corredor, finalmente, as vitrines outrora cheias de brinquedos, que
eu observava babando, agora estão tomadas por caixas da loja de
roupas que funciona no local. Eu achava aquela passagem algo mágica,
que me levaria a qualquer lugar especial - ela própria um lugar
especial. Lembro do medo de entrar nela e ela ser fechada antes de eu
chegar no outro lado. Não consigo me desvencilhar dessa sensação:
há algo de mágico nesse pequeno trajeto, e não se trata exatamente
do corredor.
Pato Branco, 07 de janeiro de
2014
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