segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Câmara de Deputados 2016: a casa do clichê e da desilusão

Leio no portal da Câmara dos Deputados entrevistas com os líderes dos partidos na casa. Nossa legislação, ao não ter uma cláusula de barreira, permite a bizarrice de partidos sem expressividade e sem qualquer ideologia tenham direito a líder de bancada e toda as vantagens com apenas cinco deputados - parece até propaganda de aparelho de exercício mágico da década de 1990. As breves entrevistas das lideranças são feitas basicamente de clichês sobre tópicos postos pelo governo e ecoados pela Grande Imprensa, já na primeira pergunta, "Quais serão as prioridades da sua bancada em 2016?": ajuste fiscal, reforma da previdência, reforma (sic) tributária, recriação da CPMF, desvinculação das receitas da união (DRU), agenda positiva, crise, impeachment da presidenta da República ou do presidente do congresso. A principal variação é se o discurso fala em "direitos" ou "impostos", o que distinguiria um partido mais à esquerda de outro, mais à direita. No fim, pobreza de idéias e a subordinação extrema ao poder executivo e à Globo e afins impera - incluo aqui o necessário impeachment de Eduardo Cunha, ele próprio já rebaixa a Câmara.
O discurso do líder do PSC, André Moura, parece ser press release da Globo, da Veja ou da Folha. O PSD, fiel à sua filosofia de não ser nem de esquerda, nem de direita, nem de centro, nem a favor, nem contra, produz três parágrafos para não dizer nada. De diferente, apenas a fala de Sarney Filho, líder do PV, sobre a prioridade do partido à caça ao Aedes aegypti; e de Ivan Valente, do PSOL, que lembrou a necessidade de reverter a marcha para o obscurantismo posta em movimento acelerado desde a eleição de Eduardo Cunha. O PPS, partido satélite do PSDB e cada vez mais próximo da extrema direita reproduz o discurso das pessoas felizes comentada pelo historiador Leandro Karnal [http://j.mp/1KEN9hl], pessoas que substituíram cultos como do Papai Noel e do Coelhinho, pelo culto da corrupção isolada: "A crise brasileira, seja econômica, política, social, tem um nome: Dilma Rousseff".

Enfim, me centro na entrevista do deputado baiano Antonio Imbassahy, líder da principal força de oposição partidária ao governo federal, o PSDB. Sem reproduzir o Febeapá dos populares socialistas, ele diz logo a que veio o partido: "trabalhar o impeachment, o afastamento da presidente Dilma a partir de uma convicção de todo o PSDB, das oposições e da maioria esmagadora da população, que com Dilma no Palácio do Planalto o Brasil só vai piorar ainda mais (...). Ela cometeu crime de responsabilidade e, portanto, numa democracia, tem que ser afastada". Mais interessante contudo, é o que ele não diz: que o que anima o partido é unicamente o poder: não possui um projeto alternativo a ser contraposto - seja econômico, político ou para a Câmara dos Deputados, já que ele fala em corrupção -, não fala em transformar o Brasil no paraíso, como Rubens Bueno, nada: fala em disputar a chave do cofre. Inclusive, diz no fim da entrevista: "não dá para o governo federal ficar com essa montanha de dinheiro e essa corrupção exagerada", sem dúvida uma idéia bastante Veja (ou rasa, se preferir) do uso do dinheiro público: ficar com o governo federal, como se esse dinheiro não fosse gasto no custeio da máquina pública, pagando professores, médicos, agentes de controle de epidemias, reforma de estradas, etc. O dinheiro público, montanha ou montinho, não deve ficar em lugar nenhum: deve voltar à população. Teria sido um ato falho, que indica a visão de partido de butim estatal que o PSDB possui?

Não há como não lembrar das manifestações de junho de 2013: grande parte dos analistas atribuiu as manifestações a uma crise de representação política. Essa crise continua e os atuais partidos nada fazem para tentar alterar sua relação com a sociedade e com os poderes. Uma parte dos desiludidos foi facilmente cooptada pelos movimentos das pessoas felizes, encabeçada pela lastimável figura de Jair Bolsonado e logo seguida pelo PSDB de Aécio Neves, José Serra, Aloysio Nunes Ferreira e Geraldo Alckmin. Outra parte segue à deriva, em busca de um modus operandi político que fuja da burocratização, do ativismo binário, da briga pelo poder ser anterior à briga pelos ideais. Essa parte aderiu ao PT na última eleição por medo de retrocesso e não por acreditar no partido: ela segue em busca e, mais importante, começa a se articular na construção de alternativas - o partido RAiZ Movimento Cidadanista, da deputada Luiza Erundina, tem se mostrado como a principal aposta daqueles que crêem em um outro mundo possível, feito de uma outra forma de política, de uma outra forma de se pôr na sociedade; todos ganhamos se a aposta se mostrar frutífera.

22 de fevereiro de 2016

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Das pequenas esperanças

Se há um lugar de onde não espero notícia boa é da região da Palestina (e falo aqui em toda a conflituosa área do chamado Oriente Médio, e não apenas às partes que cabem ou caberiam aos árabes). Tem momentos que me parece que a única solução possível para o conflito entre judeus e muçulmanos que disputam o espaço seja esvaziar a área e usá-la para acabar com o armamento atômico do mundo, inutilizando aquelas históricas e sagradas areias por uns cinco milênios. Por exemplo: quando leio a notícia de que Isaac Herzog, líder do Partido Trabalhista israelense, em tese menos de direita que o fascista Likud, do atual premiê Benjamin Netanyahu, defende políticas dignas da África do Sul do apartheid, sacramentando muçulmanos como sub-cidadãos (e mesmo sub-humanos), estimulando a segregação e o ódio, com propostas em pé de igualdade com os vergonhosos bantustões sul-africanos. Isso para não falar nas notícias quotidianas - que resisto a considerá-las banais - de assassinatos de pessoas muçulmanos pelo exército de Israel.
Mas leio no Al Jazeera do dia 12 de fevereiro uma notícia que dá um pequeno sopro de esperança. Não chega sequer a ser uma boa notícia, mas mostra que, apesar de minoria, há judeus que acreditam que a convivência com muçulmanos não só é possível como necessária, e vice-versa. Em tempo: sou da opinião que a paz, lá ou onde for, só pode ser alcançada a partir da igualdade de direitos e oportunidades (o que pode implicar, sem problemas, em tratamento desigual para os desiguais) e da convivência entre os diferentes.
Em Israel há quatro tipos de escolas: uma para judeus ortodoxos, uma para judeus não-ortodoxos, uma para cristãos e outra para muçulmanos. Não é preciso ser muito esperto para saber que o nível de cada tipo de escola decai, conforme vai das para ortodoxos até as para muçulmanos. Pior: seguem a lógica que aqui no Brasil pensadores tem denominado de "lógica do condomínio", em que a segregação entre os diferentes permite que o Outro, desconhecido, possa ser pintado como monstro pelos líderes políticos, sem que haja possibilidade de contrapôr essa visão com a realidade. A convivência gera atritos e busca de entendimentos, a segregação, ódio e a violência.
A reportagem toma como exemplo uma escola pré-escolar de Jaffa, com 140 alunos. Ao todo são doze escolas do tipo em todo o território israelense, administradas pela organização Hand in Hand. Nela não há segregação entre judeus, católicos e islâmicos: Isaac e Mohamed podem até brigar - afinal, crianças brigam -, mas logo a seguir voltam a ser amigas, A expectativa é que no futuro, já adultos, por mais que Isaac e Mohamed não concordem, isso não tenha como conseqüência o ódio e o desejo de aniquilação do outro, mas sim a discordância dentro de limites aceitáveis e saudáveis
Na entrevista, uma das fundadoras da Hand in Hand, Nadia Kinani, reclama que os pais precisam enfrentar o aparto estatal para poderem educar seus filhos fora dos padrões impostos pelo governo - isso porque a escola segue o calendário de festas judaicas e não foi autorizada a liberar seus alunos muçulmanos para o feriado do Dia do Sacrifício (Eid al-Adha). Illan Grosman, cujo filho estuda na escola, reclama: "queremos uma escola igualitária, com direitos iguais para todos - judeus e árabes -, não uma escola judaica em que palestino não se sentem confortáveis".
Como disse, é o exemplo de uma escola de jardim-da-infância, com 140 alunos, que deve ter influência direta sobre 500 pessoas, entre pais, irmãos, tios, professores - em uma população de 55 mil almas. Uma visão mais fria e realista vai dizer que uma iniciativa como essa - ainda mais com toda a resistência por parte da maioria da população e do poder estatal - não permite ter esperança. Mas tantas vezes a história viu a realidade sucumbir a idealismos postos em prática, que prefiro acreditar que num futuro - não tão distante, espero -, os cidadãos saídos de escolas como as da Hand in Hand consigam construir um país e não um território em guerra total.

17 de fevereiro de 2016

Reportagem: http://j.mp/1OgtsHm