quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

Robervals, o ladrão de bombons [por Sérgio S. ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

Fim do merecido - ainda que curto - recesso de Natal, volto também a escrever, agora que retomei o ritmo de trabalho - ou quase. Felizmente não quis enfrentar praia lotada de paulistas e me poupei de uma virose (para comemorar o novo padrão de qualidade da Sabesp), de modo que posso falar das agruras desse período sem escatologias ou sofrimentos fisiológicos - apenas psicológicos e emocionais.

Pois bem, estava eu na calma de meu lar com o Brotinho, no domingo anterior ao Natal, quando recebo em meu whatsapp a mensagem de alguém que eu não fazia ideia de quem era. Essa pessoa, pelo visto, sabia disso e tratou de se apresentar logo na segunda frase: era Robervals, o novo funcionário do setor - chegado com as melhores indicações, há dois meses. Eu já havia distribuído meus votos de felizes festas a todos meus chegados - basicamente a bancada onde está minha baia -, de modo a não precisar receber mensagem dos mesmos e com isso não ter que rememorar que trabalho - mesmo que sejam meus amigos, eles me fazem lembrar das oito horas (e, como cantam os uruguaios do El Cuarteto de Nos: “Papito quiere una vida más relajada/Papá quiere quedarse en casa y no hacer nada”).

Robervals, portanto, começou estragando, mesmo que de leve, meu descanso - eu que ainda havia guardado duas folgas a que tinha direito ano passado para aumentar esse breve recesso. Contudo, mesmo que ela me lembrasse que tenho colegas de trabalho e que, dessarte, eu trabalho para garantir os lucros do patrão, houve algo de jocoso em tal mensagem. Ao menos para mim, porque o Robervals estava sofrendo.

Num dos dias de minha folga, a estagiária fez sua despedida - estava se formando e agora de esperança passava a ser o problema do país. Nisso, conforme me contou Robervals, deixou bombons para algumas pessoas. Eu fui uma das escolhidas - provavelmente porque lhe dava bons dias e sabia seu nome desde o início, ainda que não tenha conversado com ela, fora raras e sumaríssimas interlocuções acerca de questões laborais menores. 

Desconfio que ele não tenha sido uma dessas pessoas, pois se martirizava por ter pego aquilo que era meu de direito e eu nem sabia - nem ficaria sabendo, não fosse seu pedido de desculpas, dizendo que nunca tinha feito isso e estava arrependido. Me senti praticamente um padre em seu confessionário. Ao menos o pedido de desculpas foi em particular, se tivesse sido no grupo do trabalho faria eu me sentir como um pastor que humilha o fiel pecador na frente de todos (de preferência com transmissão pela tevê). Penso agora: talvez ele tenha recebido o seu, mas não era um bombom desses simples (sim, estagiário ganha pouco do trabalho, mas desconfio que a mesada dela seja boa), de modo que ficou com vontade de comer mais um e pegou os meus.

Enfim, eu estava indignado de ser perturbado do meu descanso por dois bombons que eu nem sabia que tinha quando Brotinho me deu uma explicação bastante plausível para o ato de meu colega:

Pensa: é vinte e dois de dezembro, daqui três dias é Natal. Papai Noel vai perguntar se ele foi um bom menino e ele, tendo cometido tão grave ato tão em cima da data, não teria tempo hábil para se redimir. Melhor foi se declarar culpado, esperar seu perdão e garantir o presente.

Achei que ela tinha razão e, por conta disso, decidi ignorar solenemente sua mensagem - como já era meu intuito inicial, mas agora com um quê de sadismo junto: que se entenda com Papai Noel e me deixe de fora da treta. Afinal, as duas vezes que usou meu computador, fez questão de alterar os ajustes da cadeira e do brilho da tela, me deixando bastante deslocado.

Ao voltar ao trabalho, contei o caso aos colegas - como diz irmã Makioka, “a fofoca é edificante, ela forja o caráter do coletivo”. Meirelles sugeriu que o apelidássemos de TV Colosso, e após rápida deliberação, aceitamos por unanimidade a proposta da nobre colega - por mais que entre nós haja pessoas que eram ainda muito impúberes na época em que o programa era transmitido.

Não sei se Robervals ficou sabendo de seu apelido. Voltamos há duas semanas e ele ainda não me devolveu os bombons, nem tocou no assunto. Nem eu. Na verdade, tenho evitado encontrá-lo: ainda me sinto constrangido com sua mensagem e prefiro, até segunda ordem, fingir que sequer a li (porque agora não posso mais dizer que não o conheço).


07 de janeiro de 2025

terça-feira, 17 de dezembro de 2024

Os imbróglios do café na empresa [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça]

 Trocaram o diretor geral da empresa, e ele chegou querendo mostrar serviço - e seu jeito de trabalhar.

Por muito tempo, café era uma briga aqui no setor, com uma cafeteira elétrica para quinze xícaras (e cinquenta pessoas) e o pó por nossa conta. A primeira disputa era qual café comprar: se extra-forte, que é mais barato, ou o tradicional mais barato, que é quase um extra-forte. A segunda disputa era quem faria: todo mundo queria, porém só quando o sono batia forte que alguém se habilitava a pegar o bule, ir até o banheiro encher de água, pôr o pó, derramar a água, ligar a cafeteira. Terceira disputa: com capacidade para quinze xícaras pequenas, quando muito o café dava para seis pessoas - e o clima pesava quando quem tinha feito o café acabava tendo que fazer algo e não voltava a tempo para encher sua caneca.

Isso foi resolvido com o antigo diretor, que soltou uma circular dizendo “Se é para o bem da empresa e felicidade geral dos funcionários, diga que teremos máquinas de café em cada setor”. Na verdade não foi bem assim, foi só um aviso de que haveria máquinas nos setores, dessas de expresso automático, que moem os grãos na hora. Comemoração, alegria: café expresso e em grãos, sem galhos, tocos, folhas e sabe-se lá o que mais; sem mais disputas de quem vai fazer, quem vai conseguir tomar. Café de melhor qualidade e de graça - e para todos.

Isso era o que imaginávamos, até chegarem as máquinas e os grãos. Que raios de grãos eram aqueles? Onde tinham conseguido aquilo? Era café mesmo? Esses foram alguns dos questionamentos que nos fizemos.

Houve quem, ainda assim, aprovou a mudança - ou ao menos bebia aquele café. Não foi meu caso - e de meus colegas de bancada. Mantivemos um mínimo de dignidade, temos ainda um resto de auto-estima, apesar do estômago calejado por anos de bandejão nos permita encarar pedras na carne moída sem sentir, caso não enrosque no dente. Achamos um restaurante aqui do lado com café razoável e barato e viramos clientes assíduos - apesar dos olhares feios do chefe. Houve quem preferisse trazer sua própria máquina (de cápsula), sendo um deles o próprio chefe do setor.

Uma das primeiras atitudes que o novo diretor geral tomou foi com relação ao café. Sob a desculpa de que no recesso o consumo diminui, porque trabalhamos com metade da equipe, resolveu interromper o contrato com a empresa das máquinas. Por esse período? Não! Por tempo indeterminado. Bom seria que o recesso também fosse por tempo indeterminado. O argumento é que “a medida visa otimizar os recursos e tornar a empresa mais eficiente”. Se o antigo diretor quis de início parecer simpático, esse foi pelo caminho oposto - a ver se vai se contradizer nessa primeira impressão, como o antigo; infelizmente, creio que será coerente.

Esqueci de comentar no início: uma das características do café na cafeteira é que muitos interrompiam seu trabalho para esperar o café ficar pronto, e conversavam enquanto isso - não raro muito tempo depois de já terem se servido -; enquanto a máquina automática fez com que quem a usava o fizesse no automático também: vai, clica no café, tira o copo com aquela gororoba preta e volta para sua baia.

Enquanto uma empresa de aplicativos consegue prender os funcionários nas suas cadeiras com robô que entrega o café na mesa, aqui a eficiência consiste em economizar em café ruim e dar desculpa para funcionários baterem papo sem culpa. Eu não reclamo, mas não pretendo deixar de beber o café do restaurante ao lado - Macedo diz que seguirá me acompanhando -, com cara feia do chefe e tudo o mais.