Trocaram o diretor geral da empresa, e ele chegou querendo mostrar serviço - e seu jeito de trabalhar.
Por muito tempo, café era uma briga aqui no setor, com uma cafeteira elétrica para quinze xícaras (e cinquenta pessoas) e o pó por nossa conta. A primeira disputa era qual café comprar: se extra-forte, que é mais barato, ou o tradicional mais barato, que é quase um extra-forte. A segunda disputa era quem faria: todo mundo queria, porém só quando o sono batia forte que alguém se habilitava a pegar o bule, ir até o banheiro encher de água, pôr o pó, derramar a água, ligar a cafeteira. Terceira disputa: com capacidade para quinze xícaras pequenas, quando muito o café dava para seis pessoas - e o clima pesava quando quem tinha feito o café acabava tendo que fazer algo e não voltava a tempo para encher sua caneca.
Isso foi resolvido com o antigo diretor, que soltou uma circular dizendo “Se é para o bem da empresa e felicidade geral dos funcionários, diga que teremos máquinas de café em cada setor”. Na verdade não foi bem assim, foi só um aviso de que haveria máquinas nos setores, dessas de expresso automático, que moem os grãos na hora. Comemoração, alegria: café expresso e em grãos, sem galhos, tocos, folhas e sabe-se lá o que mais; sem mais disputas de quem vai fazer, quem vai conseguir tomar. Café de melhor qualidade e de graça - e para todos.
Isso era o que imaginávamos, até chegarem as máquinas e os grãos. Que raios de grãos eram aqueles? Onde tinham conseguido aquilo? Era café mesmo? Esses foram alguns dos questionamentos que nos fizemos.
Houve quem, ainda assim, aprovou a mudança - ou ao menos bebia aquele café. Não foi meu caso - e de meus colegas de bancada. Mantivemos um mínimo de dignidade, temos ainda um resto de auto-estima, apesar do estômago calejado por anos de bandejão nos permita encarar pedras na carne moída sem sentir, caso não enrosque no dente. Achamos um restaurante aqui do lado com café razoável e barato e viramos clientes assíduos - apesar dos olhares feios do chefe. Houve quem preferisse trazer sua própria máquina (de cápsula), sendo um deles o próprio chefe do setor.
Uma das primeiras atitudes que o novo diretor geral tomou foi com relação ao café. Sob a desculpa de que no recesso o consumo diminui, porque trabalhamos com metade da equipe, resolveu interromper o contrato com a empresa das máquinas. Por esse período? Não! Por tempo indeterminado. Bom seria que o recesso também fosse por tempo indeterminado. O argumento é que “a medida visa otimizar os recursos e tornar a empresa mais eficiente”. Se o antigo diretor quis de início parecer simpático, esse foi pelo caminho oposto - a ver se vai se contradizer nessa primeira impressão, como o antigo; infelizmente, creio que será coerente.
Esqueci de comentar no início: uma das características do café na cafeteira é que muitos interrompiam seu trabalho para esperar o café ficar pronto, e conversavam enquanto isso - não raro muito tempo depois de já terem se servido -; enquanto a máquina automática fez com que quem a usava o fizesse no automático também: vai, clica no café, tira o copo com aquela gororoba preta e volta para sua baia.
Enquanto uma empresa de aplicativos consegue prender os funcionários nas suas cadeiras com robô que entrega o café na mesa, aqui a eficiência consiste em economizar em café ruim e dar desculpa para funcionários baterem papo sem culpa. Eu não reclamo, mas não pretendo deixar de beber o café do restaurante ao lado - Macedo diz que seguirá me acompanhando -, com cara feia do chefe e tudo o mais.
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