Alguns
elementos ajudam a explicar a perplexidade da Grande Imprensa para
com os atos que agitam São Paulo há duas semanas e avançaram com
força Brasil adentro esta semana. Um deles, muito comentado, é a
falta de lideranças nos moldes típicos de sindicatos, partidos e
organizações afins: os tais líderes do Movimento Passe Livre têm
pouca ascendência sobre a massa que se reúnem ao seu chamado –
resultado do angariamento de pessoas ter origem na internet e não
fruto de um trabalho de longa data de “conscientização”. Um
segundo é a ausência de bandeiras claras – demorou para os
ideólogos da Grande Imprensa se darem conta de que vinte centavos
não eram o motivo de juntar tanta gente. Soma-se a isso que outro
fato incomum é seu caráter não-reativo. Nos últimos dez anos,
desde a chegada do PT ao executivo federal e conseqüente
desarticulação dos movimentos sociais organizados, o que se vê são
movimentos reagindo a pautas postas desde cima, pelos governos de
turno – as poucas exceções que lembro são alguns movimentos de
minorias e os movimentos por moradia, apesar d'estes só terem
conseguido visibilidade quando num momento de luta reativa, a
desocupação de Pinheirinho, em janeiro de 2012.
Os
tais vinte centavos foram tão-somente o estopim para uma
insatisfação generalizada, que não possui foco claro – é uma
insatisfação com a situação social do país. Os motivos (em um
primeiro momento) são muitos, variados e até mesmo contraditórios.
Isso não desmerece o movimento, pelo contrário. Pode prejudicá-lo,
é certo: a massa de pessoas, não estando sob o cabresto de uma ou
algumas lideranças, tão fácil se aglomerou, tão fácil pode se
dispersar. Ou pior: pode achar quem dê as rédeas da situação. Por
outro lado, a ausência de uma vocalização clara do que querem
atrapalha os movimentos dos donos do poder: o que atender, com quem
dialogar? (Com todos, como se vivêssemos literalmente em uma
democracia?). Na década de 1960, Herbert Marcuse já levantava que
uma das formas de enfraquecer movimentos reivindicatórios e a tomada
de consciência era identificar problemas pontuais e saná-los (a
genérica “insatisfação pelas condições de vida” viraria um
problema de baixo salário ou de transporte público).
Na
ausência de bandeiras definidas, a Grande Imprensa e os donos do
poder vão tentando impôr as suas – aquelas cheias de boas
intenções que servem para mudar absolutamente nada. É o que
comenta com propriedade Paulo Motoryn: “a grande imprensa já está
mobilizada para maquiar o movimento de acordo com um ideário
conservador” [http://j.mp/15kmj30]. Apesar do estopim ser o reajuste nos
transportes públicos, não é contra o aumento do custo de vida,
como foi dito no Jornal Nacional. Não é contra a corrupção, como
tentam definir e confinar os protestos, pois como Alex de Castro fala
em seu artigo “O problema com o movimento anti-corrupção”
[http://j.mp/11ZS6Zd]: existe alguém abertamente pró-corrupção? Se o motivo para
tantos irem às ruas fosse esse moralismo rasteiro apregoado por Veja
e seus novos (não tão novos) seguidores diários – Folha e
Estadão –, desde o início da república não sairíamos dela. As
reivindicações por migalhas, contra bodes expiatórios, até juntam
algumas pessoas, mas não duzentas mil.

A
questão não é tirar essas pessoas dos atos, antes como fazer com
que essa participação seja minimamente pensada e sentida como
protesto. Com ou sem partidos, os atos motivados pelo Movimento Passe
Livres são políticos, aberta e escancaradamente políticos. Retomar
métodos da esquerda tradicional, como vejo em análises pela
internet? Defendo antes a derrota do movimento do que seu retrocesso.
Chama
a atenção que dos movimentos que chamei de não-reativos, ou seja,
que conseguem impôr uma pauta de discussões e não seguir a ditada
pelo governo, dois deles, o movimento por moradia e o passe livre,
são movimentos urbanos – papel que durante a década de 1990 foi
do MST. E é do passe livre que sai o estopim para esse levante que
ainda deixa a todos perplexos.
Não
acho que os manifestantes sejam incapazes de compreenderem a ligação
dos problemas locais com questões globais – talvez preguiçosos,
admito. Entretanto, grandes temas não conseguem mais mobilizar como
faziam até meados do século passado. São problemas pontuais, ainda
que longe de serem problemas menores, que abrem para uma questão
mais ampla: a da cidade. Penso que talvez esteja aí uma das chaves
para compreender esse movimento e possíveis desdobramentos na
política institucional. Não chega a ser plausível, por ora, mas dá
pra sonhar em ver políticos no cargo de prefeito não abandonando a
prefeitura por cargos mais “nobres”, nas esferas estadual e
federal: a política (em qualquer nível) como vocação e não como
carreira e profissão.
*
Sobre
os acontecimentos não-pacíficos das manifestações desta
terça-feira. Eu comentava antes do ato de segunda que a briga era
pela opinião pública. A pecha de vândalos e violentos migrou dos
manifestantes para a polícia militar e o governador Geraldo Alckmin.
Eu chutava que a tentativa seria taxar novamente os manifestantes de
arruaceiros. Eu arriscava: “é bem provável que a ordem do
governador Alckmin e seu secretário de segurança pública (sic),
Fernando Grella Vieira, seja infiltrar mais homens do que geralmente
ocorre. A solitária pedra que citei em outra crônica terá a
companhia de outras, e pode ser o estopim para a polícia militar
reprimir com 'rigor' manifestantes que nada tem a ver com policiais à
paisana. Ou pode ser que a polícia não use de toda a violência do
dia 13, apenas o suficiente para inflamar os ânimos amainados de
alguns, e deixe o 'vandalismo' correr solto. Diga-se de passagem, os
tais atos de 'vandalismo', supondo terem sido cometidos pelos
manifestantes, são bem leves e ordeiros: barricadas com lixo são
necessárias para atrapalhar o avanço da polícia, e a quebra de
vidros é coisa pouca, perto do que uma multidão pode fazer. Mostra
disso é o respeito às vacas sagradas brasileiras – os carros –,
que seriam barricadas bem mais eficientes”.
Respeitaram
o ato de segunda: talvez porque seria dar muito na cara infiltrar
homens logo no primeiro ato após aquele que descortinou quem eram os
violentos na história. Para a sexta manifestação, usaram um pouco
de cada tática que levantei: alguns infiltrados para agitar alguns
mais exaltados – sempre há – e a omissão da polícia militar
para dar conta dessa meia dúzia. A completa ausência da polícia
militar só pode ser ter sido deliberada – ou então é de uma
incompetência que justificaria sua extinção até por aqueles que a
defendem. De qualquer forma, a inação dos fardados não foi menos
incompetente (mesmo para seus objetivos), e o recado que fica é que
parece que a polícia militar só sabe agir com violência – do
contrário, não age.
Os
atos de vandalismos desta feita foram muito diferentes de todas as
outras: nas demais aconteceram quando a manifestação estava em
estágio mais avançado e, salvo na quinta, em reação à
truculência da polícia militar. Os atos contra a prefeitura
aconteceram logo no início, puxados por uma meia dúzia que se movia
com desenvoltura e poderiam ter sido impedidos muito facilmente –
se as forças de segurança não tivessem se omitido.
Os
demais atos que se seguiram, nada mais que conseqüência do
primeiro. Achar que a partir dali a polícia militar, o Estado, ou
qual outro órgão da “ordem” que possa estar interessado em
causar tumulto não esteve presente soa certa ingenuidade: conforme o
portal Ig, no “minuto a minuto” das manifestações: “o prédio
onde fica a agência bancária incendiada foi um antigo hotel. Nele
há uma ocupação de sem-tetos. Aproximadamente 300 pessoas moram no
local, mas não há informação de feridos”. Com centenas de
agências bancárias pelo centro da cidade, os “vândalos”
acertam de incendiar justo a de um prédio ocupado pelo movimento de
luta por moradia? É um senso de coincidência muito grande por parte
dessas pessoas!
PBco,
19 de junho de 2013.