sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Bela Vista – Sé – República – Jardins

Meu programa ontem foi sair à cata de uma farmácia. E digo aqui farmácia mesmo, e não uma atendente exuberante, uma nova Ruth, que essa eu já encontrei (não em farmácia), só não tive tempo ainda de escrever sobre. É que Aílton, meu homeopata, havia achado caro o orçamento feito pela botica ao lado de casa e me sugeriu procurar em algum lugar menos esnobe. Atendendo ao sábio conselho de um dos caras que mora comigo, procurei no Gugou uma farmácia de manipulação, e achei uma próxima ao Masp. Vi no mapa como chegar lá e saí de casa apressado, pois ainda queria ir pra PUC estudar. A farmácia fica no bairro da Bela Vista, que é um labirinto. Desço as duas ruas indicadas pelo Gugou, nada de achar a rua da farmácia. Sigo em frente, e nada da maldita rua – por conseqüência óbvia, não achei a dita farmácia, tampouco. Tanto desci, que decido ir até a Brigadeiro Luís Antônio, onde vira na internet o anúncio de duas. Desço, desço, desço, nada de farmácia de manipulação e homeopatia. Desisto: melhor ir até a Sé, lá com certeza tem e chego fácil de metrô, para buscar, no outro dia.

No viaduto Pedroso, o albergue para moradores de rua, uma das mais grosseiras piadas de mau gosto que vi em São Paulo, não por mandar os moradores de rua literalmente para debaixo da ponte, mas pelo seu número: 111 – aos que não lembram, o número oficial de pessoas mortas no massacre estatal-policial do Carandiru, em outubro de 1992.

Na rua Galvão Bueno, passo por uma loira que me fez lembrar do jogo Noruega contra Coréia do Sul, que eu assistira uma parte, na academia – eu sei que Coréia e Japão não são a mesma coisa, nem há só loiras na Escandinávia. No meio da avenida Liberdade, entre as duas pistas, um mendigo faz uma fogueira.

Próximo à Sé, encontro a primeira farmácia – finalmente! Quando estou entrando, noto que a garota de programa com cara de bunda encostada na parede se ajeitava, provavelmente imaginando que me ia em sua direção. Peço o orçamento: dez reais mais caro do que na farmácia perto de casa – no creo! Em outra farmácia consigo um preço mais em conta. São quase cinco da tarde, ainda planejo assistir a uma dança na Olido, e acho que não vale a pena encarar a linha vermelha duas vezes em duas horas: melhor fazer alguns corres que precisava pelo centro.

No CCBB a fila faz curva – aí uma coisa que brasileiro parece adorar, filas! Páro nas lojas Americanas, comprar barras de cereais por metade do preço do Pão de Açúcar: almocei há três horas e preciso comer, por conta da hipoglicemia. Na loja, tenho a oportunidade de ouvir um sertanejo que parece ameaça de seqüestro (descobri que era sertanejo ao procurar a letra na internet): “O meu cartão foi bloqueado/ E o meu limite tá estourado/ Sou simples, mas eu te garanto/ Eu sei fazer o Lê Lê Lê/ Se eu te pegar você vai ver". Perco a fome. Na fila, tenho o imenso prazer de ouvir um pagode de um cara usando boné de aba reta com as letras NYC: "Deve ser o mel que a mamãe me passou/ Deve ser o céu que elas pedem, eu dou/ no amor eu tenho dom e a cada flecha um coração/ eu sou o Robin Hood da paixão". Uma das flechas ele deve ter errado e me furou o estômago: começo a ficar enjoado. Na segunda música (que tentei ao máximo não ouvir, sei que falava do céu, parecia quase um romântico gospel), tenho ânsia. A fila parece demorar décadas para andar – e nem a morena bonita pouco atrás de mim é capaz de aliviar a tortura daquelas músicas.

Fora, em frente ao shopping Light, o bailarino-cover de Michael Jackson que às vezes passo pela Paulista se apresenta a um bom público. Mulheres vendem chip de celular – com bônus! Um homem distribui panfletos de um inferninho – me traz à memória mi Buenos Aires querida! Vou até o Municipal, comprar o ingresso pro concerto de sábado. Na saída, ouço uma dupla cantar "tchê tchê tcherê tchê tchê". Lembro da última vez que fui ao Municipal, e na hora que entrava um homem gritava do outro lado da rua: "infiel! Está negando a palavra de Deus! Vai queimar no inferno! Infiel!" Provavelmente o infiel deve ter pedido para ele baixar o som, ou mesmo parar de cansar Deus e seus filhos com aquele monte de asneiras. Reparo, então, que não cruzei com nenhum chato de Bíblia na mão, berrando (ou com caixa de som), enchendo o saco dos infiéis. Não precisei arremedar Castro Alves: "Deus, ó Deus, onde estás que não responde, e manda um raio nesse chato?" Pelos meus planos, voltaria a passar por ali em menos de duas horas. Noto que estou cansado, e decido fazer o que ainda preciso – para o caso de decidir ficar em casa estudando, ao invés da dança.

Passo pela galeria do Rock. Vejo bonés com o mapa de São Paulo sendo vendidos – tenho medo do fascismo paulista. Pela primeira vez me oferecem tatuagem e piercing. Lembro da japonesa de tatuagem na testa, que encontrei duas vezes quando tinha pouco tempo de São Paulo – depois, nunca mais a vi. Lembro também da japonesa com quem trombei esta semana: se a da tatuagem da testa se vestia toda de preto, essa estava de branco, saia e uma camiseta larga, de gola aberta, que insinuava uma tatuagem que devia cobrir todas suas costas: mais do que desenhada, parecia esculpida. Cruzo com um homem de meia idade vestindo blazer que parece repórter da BBC dos anos 70. Atravesso a São João. Na lanchonete, não vejo o que busco, peço ao atendente. Ele vai para o fundos da loja e me traz dois pacotes de erva. Repete o que já dissera das outras vezes: "só a gente e a loja aqui do lado tem destas ervas, pode procurar por aí". É um pacote de Amanda e outro de Rosa Monte – um pra consumir em Sampa, outro pra levar pra Pato.

Já no caminho de retorno ao lar, entro em vão num sebo em busca de algum livro do Murakami. No viaduto Nove de Julho quando percebo um homem está tombando na calçada. Um senhor vai ajudá-lo a se levantar, repõe seu boné. Pelo caminhar, o homem que caiu parece bêbado, pelo falar, não. Eu sigo, e reparo que aquele é um caminho que faço seguidamente, dificilmente de dia. Páro no Conjunto Nacional para escrever os tópicos desta crônica: sei que ao chegar em casa vou ligar o pc e esquecer o que tinha que fazer. Decido também não ir na dança: vou aproveitar pra tomar un bueno mate argentino (lamentando a derrota do Brasil no basquete, é certo). Ao chegar em casa me dou conta: esqueci de comprar guioza pro jantar. E nem preciso dizer que não estudei.


São Paulo, 10 de agosto de 2012.


quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Cronista crônico

A primeira vez que ouvi algo do gênero foi da minha mãe, no aniversário de noventa anos do meu avô. Em meio à festa, mais pro final, comentou, olhando para mim: “já vejo que isto vai virar uma crônica”. Não virou. Porém notei que minha estimada progenitora tinha encasquetado que eu transformava qualquer acontecimento em crônica. “Coisa de mãe”, pensei eu, sabendo ser ela uma das minhas poucas leitoras cativas, junto com meu pai – pelos motivos óbvios.

Dia desses estava numa despedida de um amigo, que iria para um curso na Bauhaus, e depois de um dos seus amigos ter seu isqueiro roubado (!), meu amigo viajante falou: “aposto que o Dalmoro vai escrever uma crônica sobre isto”. Não escrevi. Creio que mais por falta de tempo do que vontade, é certo. Mas comecei a me dar conta que ando com certa fama de cronista crônico, quase um big-brother do quotidiano – ao menos não tenho mais uma opinião formada sobre tudo, como quando comecei a escrever por hobby e não para redação da escola ou cursinho.

Fama essa reafirmada pelos meus amigos de república. Como somos jovens-não-mais-tão-jovens, sem pré-combinarmos acabamos tendo quase quotidianamente uma “hora do chá”, que não é às cinco da tarde, com chá preto, à moda britânica, e sim às onze da noite, com chá de cidreira, camomila, e ervas do gênero. Na hora do chá de ontem eles cismaram que eu preciso parar de escrever: “quando você sair à noite, ao invés de pensar na crônica, viva!”, sugeriu um deles, como se eu tivesse trocado qualquer programa mais interessante por uma crônica – e não o contrário, que já tivesse aceitado programas aparentemente desinteressantes pensando numa possível crônica.

Tentei justificar minha escrita em larga escala deste ano como uma tentativa de enganar a mim mesmo, que estou produzindo algo quando na verdade precisava era produzir minha dissertação. “Cara, você olha uma garota e já pensa numa crônica”, me acusaram injusta e erroneamente: olho uma guria, penso em puxar papo, mas como não sei o que falar – minhas abordagens estão mais para harakiris do que para cantadas –, acabo sendo levado naturalmente à crônica – muito eventualmente ela é interrompida bruscamente no meio, como no evento de Camila, a moreninha da balada, que só virou crônica quando não virava mais nada com a referida guria.

No fim, eis-me aqui, a escrever uma crônica para dizer que não sou desses que transformam tudo em crônica: tenho me aventurado por alguns contos e novelas também!


São Paulo, 08 de agosto de 2012.

ps: e Ruth existe de verdade!