Meu
programa ontem foi sair à cata de uma farmácia. E digo aqui
farmácia mesmo, e não uma atendente exuberante, uma nova Ruth, que
essa eu já encontrei (não em farmácia), só não tive tempo ainda
de escrever sobre. É que Aílton, meu homeopata, havia achado caro o
orçamento feito pela botica ao lado de casa e me sugeriu procurar em
algum lugar menos esnobe. Atendendo ao sábio conselho de um dos
caras que mora comigo, procurei no Gugou uma farmácia de
manipulação, e achei uma próxima ao Masp. Vi no mapa como chegar
lá e saí de casa apressado, pois ainda queria ir pra PUC estudar. A
farmácia fica no bairro da Bela Vista, que é um labirinto. Desço
as duas ruas indicadas pelo Gugou, nada de achar a rua da farmácia.
Sigo em frente, e nada da maldita rua – por conseqüência óbvia,
não achei a dita farmácia, tampouco. Tanto desci, que decido ir até
a Brigadeiro Luís Antônio, onde vira na internet o anúncio de
duas. Desço, desço, desço, nada de farmácia de manipulação e
homeopatia. Desisto: melhor ir até a Sé, lá com certeza tem e
chego fácil de metrô, para buscar, no outro dia.
No
viaduto Pedroso, o albergue para moradores de rua, uma das mais
grosseiras piadas de mau gosto que vi em São Paulo, não por mandar
os moradores de rua literalmente para debaixo da ponte, mas pelo seu
número: 111 – aos que não lembram, o número oficial de pessoas
mortas no massacre estatal-policial do Carandiru, em outubro de 1992.
Na
rua Galvão Bueno, passo por uma loira que me fez lembrar do jogo
Noruega contra Coréia do Sul, que eu assistira uma parte, na
academia – eu sei que Coréia e Japão não são a mesma coisa, nem
há só loiras na Escandinávia. No meio da avenida Liberdade, entre as duas pistas, um mendigo faz uma fogueira.
Próximo
à Sé, encontro a primeira farmácia – finalmente! Quando estou
entrando, noto que a garota de programa com cara de bunda encostada
na parede se ajeitava, provavelmente imaginando que me ia em sua
direção. Peço o orçamento: dez reais mais caro do que na farmácia
perto de casa – no creo! Em outra farmácia consigo um preço
mais em conta. São quase cinco da tarde, ainda planejo assistir a
uma dança na Olido, e acho que não vale a pena encarar a linha
vermelha duas vezes em duas horas: melhor fazer alguns corres que
precisava pelo centro.
No
CCBB a fila faz curva – aí uma coisa que brasileiro parece adorar,
filas! Páro nas lojas Americanas, comprar barras de cereais por
metade do preço do Pão de Açúcar: almocei há três horas e
preciso comer, por conta da hipoglicemia. Na loja, tenho a
oportunidade de ouvir um sertanejo que parece ameaça de seqüestro
(descobri que era sertanejo ao procurar a letra na internet): “O
meu cartão foi bloqueado/ E o meu limite tá estourado/ Sou simples,
mas eu te garanto/ Eu sei fazer o Lê Lê Lê/ Se eu te pegar você
vai ver". Perco a fome. Na fila, tenho o imenso prazer de ouvir
um pagode de um cara usando boné de aba reta com as letras NYC:
"Deve ser o mel que a mamãe me passou/ Deve ser o céu que elas
pedem, eu dou/ no amor eu tenho dom e a cada flecha um coração/ eu
sou o Robin Hood da paixão". Uma das flechas ele deve ter
errado e me furou o estômago: começo a ficar enjoado. Na segunda
música (que tentei ao máximo não ouvir, sei que falava do céu,
parecia quase um romântico gospel), tenho ânsia. A fila parece
demorar décadas para andar – e nem a morena bonita pouco atrás de
mim é capaz de aliviar a tortura daquelas músicas.
Fora,
em frente ao shopping Light, o bailarino-cover de Michael Jackson que
às vezes passo pela Paulista se apresenta a um bom público.
Mulheres vendem chip de celular – com bônus! Um homem distribui
panfletos de um inferninho – me traz à memória mi Buenos Aires querida! Vou até o Municipal, comprar o ingresso
pro concerto de sábado. Na saída, ouço uma dupla cantar "tchê
tchê tcherê tchê tchê". Lembro da última vez que fui ao
Municipal, e na hora que entrava um homem gritava do outro lado da
rua: "infiel! Está negando a palavra de Deus! Vai queimar no
inferno! Infiel!" Provavelmente o infiel deve ter pedido para
ele baixar o som, ou mesmo parar de cansar Deus e seus filhos com
aquele monte de asneiras. Reparo, então, que não cruzei com nenhum
chato de Bíblia na mão, berrando (ou com caixa de som), enchendo o
saco dos infiéis. Não precisei arremedar Castro Alves: "Deus,
ó Deus, onde estás que não responde, e manda um raio nesse chato?"
Pelos meus planos, voltaria a passar por ali em menos de duas horas.
Noto que estou cansado, e decido fazer o que ainda preciso – para o
caso de decidir ficar em casa estudando, ao invés da dança.
Passo
pela galeria do Rock. Vejo bonés com o mapa de São Paulo sendo vendidos – tenho medo do fascismo paulista. Pela primeira vez me oferecem tatuagem e
piercing. Lembro da japonesa de tatuagem na testa, que encontrei duas
vezes quando tinha pouco tempo de São Paulo – depois, nunca mais a
vi. Lembro também da japonesa com quem trombei esta semana: se a da
tatuagem da testa se vestia toda de preto, essa estava de branco,
saia e uma camiseta larga, de gola aberta, que insinuava uma tatuagem
que devia cobrir todas suas costas: mais do que desenhada, parecia
esculpida. Cruzo com um homem de meia idade vestindo blazer que
parece repórter da BBC dos anos 70. Atravesso a São João. Na
lanchonete, não vejo o que busco, peço ao atendente. Ele vai para o
fundos da loja e me traz dois pacotes de erva. Repete o que já
dissera das outras vezes: "só a gente e a loja aqui do lado tem
destas ervas, pode procurar por aí". É um pacote de Amanda e
outro de Rosa Monte – um pra consumir em Sampa, outro pra levar pra
Pato.
Já
no caminho de retorno ao lar, entro em vão num sebo em busca de
algum livro do Murakami. No viaduto Nove de Julho quando percebo um
homem está tombando na calçada. Um senhor vai ajudá-lo a se
levantar, repõe seu boné. Pelo caminhar, o homem que caiu parece
bêbado, pelo falar, não. Eu sigo, e reparo que aquele é um caminho
que faço seguidamente, dificilmente de dia. Páro no Conjunto
Nacional para escrever os tópicos desta crônica: sei que ao chegar
em casa vou ligar o pc e esquecer o que tinha que fazer. Decido
também não ir na dança: vou aproveitar pra tomar un bueno mate
argentino (lamentando a derrota do Brasil no basquete, é certo).
Ao chegar em casa me dou conta: esqueci de comprar guioza pro jantar.
E nem preciso dizer que não estudei.
São
Paulo, 10 de agosto de 2012.
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