sábado, 24 de novembro de 2012

Fora ladrão que já está fora?

Num país em que considerável parte da população do Estado mais rico da federação, em arroubo de bairrismo antiquado e proto-fascista, se orgulha de ser a “locomotiva do Brasil”, a levar o país nos trilhos corretos da história rumo à verdadeira civilização – algo pouco além de uma maria-fumaça da inovação –; em que cargos burocráticos de alto escalão dão abrigo à vanguarda do nosso atraso, um mandarinato acadêmico que tem nojinho de povo e se ressente quando lhes revelam que as grandes novidades que o deslumbra foram questionados no século XIX – como o conceito de universidade, por exemplo –; não é de se espantar que a mentalidade política – tanto da chamada esquerda quanto da chamada direita – não seja lá o supra-sumo progressista.

Há muito critico a chamada esquerda tupiniquim de ter se perdido em algum ponto entre 1848 e 1917 (mesmo a não marxista), seja nas análises, nas quais que ainda espera (enxerga, às vezes) o crescimento do proletariado e ignora o aumento da classe média/pequena burguesia, seja no plano de ação, de apoiar a burguesia a fazer a revolução burguesa, para então preparar o terreno para a grande noite da mudança social.

A chamada direita, por seu turno, conseguiu passar os anos noventa sob um figurino mais modernex. Claro, havia as exceções, como Denis Lerrer Rosenfield, paranóico um tanto atrasado nas últimas notícias, que ainda teme Cuba, vê comunista nas esquinas e crê que, por conta do PT, logo terá que dividir seu carro com os pobres (porque o comunismo, sabe como é). Via de regra, contudo, a direita, graças ao papagaiar passivo de fórmulas da metrópole passava por up-to-date e, sem ter que se preocupar com o pensar, se dava ao luxo de criar frases jocosas com todo o tempo livre de que dispunha: chamou de jurássicos seus opositores, fracassomaníacos e neobobos os que insistiam em criticar as idéias que ela comprava nos USA, Petrossauro e Petrobrax à estatal de petróleo do país.

Quando a esquerda, via PT, assumiu o poder federal, além de roubar o grosso das políticas macro-econômicas da dita direita, ainda teve a audácia de diminuir a oferta de domésticas nas cidades, levar luz elétrica para desdentados dos sertões e pôr pobre em universidade da elite. Com isso a direita perdeu aquela sua aura tão bem envernizada: não podia atacar a esquerda por fazer o que ela fazia, nem tinha propostas para se contrapôr; na ânsia de conseguir fazer alguma crítica, evidenciou sua precariedade e seu atraso: não foi capaz de criticar a partir dos pressupostos que ela dizia se embasar, e tudo o que conseguiu foi manifestar preconceitos, que alguns até tentaram travestir de crítica séria: pobre em aeroporto, preto em universidade, nordestino em supermercado, favelado com casa e carro, e por aí vai (um bom show de stand-up comedy a la Marcelo Tas deve dar um panorama razoável desse pensamento, com os adendos nos costumes).

Ontem, ao sair de casa, noto que colaram um adesivo na lixeira em frente ao prédio – se não foi esta noite, foi esta semana. Nele o sinal de proibido sobre uma mão sem o dedo mínimo, em baixo a frase “Fora Ladrão”. Na hora penso, para além do seu mau-gosto preconceituoso evidente: a chamada direita é retrógrada não somente nas suas idéias, mas suas informações. Assim como alguém precisa informar o Rosenfield que a União Soviética acabou, que Mao morreu (McCarthy também), e que o “deixe a esquerda livre” nas escadas rolantes do metrô não são propaganda subliminar dos comunistas, precisam avisar os militantes da nossa direita que o governo Dilma já vai pra sua metade do seu governo como presidente da república – ou seja, o tal ladrão já está fora, e eles estão gastando dinheiro à toa.


São Paulo 24 de novembro de 2012.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

A violência “sob controle” do sr. Alckmin

Quando o governador Geraldo Alckmin diz que a violência em São Paulo está "sob controle", ou ele está por demais alienado da realidade do estado que comanda, ou é conivente com assassinatos e todo tipo de truculência que a PM sob suas ordens tem sido acusada.

É normal que ele veja a PM paulista como "bem preparada" e dotada de "alta tecnologia" – afinal, um governador que assume falhas, por mais evidentes que sejam, é visto como incompetente na nossa sociedade da hipocrisia –, entretanto, daí para tentar desqualificar a série de denúncias contra abusos cometidos pela polícia já vai contra o que seria de se esperar de um político sério e afim à democracia – o que não surpreende em Alckmin, portanto –, mas agrada a uma boa parcela da população de São Paulo, obscenamente conservadora.

Independente se ignorância ou má-fé do governador, o que de fato está sendo transmitido em seu discurso é um aval às ações truculentas, violadoras dos direitos humanos e do Estado democrático de direito, por parte da polícia. Entra no rol da assustadora “quem não reagiu está vivo”. Pois a impressão que se tem é de que o único controle da violência que o Estado possui – e bem duvidoso, para qualquer um minimante crítico – é de o número de mortos. Ou então a violência “sob controle” a que o governador alude é sinal de que a série de assassinatos que vêm acontecendo há tempos são ações sabidas, respaldadas e legitimadas pelo governo. 

Achar que policiais serem mortos nas horas de folga, ou vinte e cinco civis assassinatos em um fim de semana, ou um publicitário não parar em uma blitze ser autorização para assassiná-lo, é sinal de uma situação sob controle é temerário. Ofende qualquer cidadão que preze pelos direitos humanos – o pessoal de Veja e muitos de seus leitores, que babam ao lê-la pela manhã, não se encaixam neste grupo. Um homem que aparece morto depois de ter sido filmado sob os cuidados da PM não pode estar em conflito, como alegaram os policiais. Não se trata de um caso “lamentável”, como lamentaram as autoridades, é contra a lei, é crime, é inaceitável – ou deveria sê-lo, só não ao defensores da Ordem e do Progresso –, afinal, é a polícia fazendo aquilo que teoricamente ela devia evitar, é o Estado agindo igual ao PCC. E já comentei alhures: escolher entre quem mata menos é uma falsa escolha.

Num Estado em que um partido teoricamente progressista dá abrigo a um jagunço fardado, e que a população o elege para a câmara da capital, os seguidos endossos que o governador dá à violência apenas indicam a continuidade da guerra urbana há muito vivenciada – em especial pelos moradores da periferias pobres. Se trancar em casa, em shoppings super-vigiados, em condomínios fechados, em carros blindados pode parecer uma alternativa razoável – àqueles que podem pagar por esses paliativos, é claro – para fugir dessa guerra que tememos mas não fazemos nada para minimizar, porém apenas estreitam nossa rotina e nossos horizontes, e afirmam num grito mudo que não temos mais esperanças.

São Paulo, 14 de novembro de 2012.