terça-feira, 12 de novembro de 2013

O frescor do verão [memórias feitas de saudades]

Levo uma amiga para conhecer o restaurante árabe da Cracolândia que tanto gosto. Apesar de ser quase oito da noite, faz calor. Pedimos um sugog e um shawarma. A cerveja é preciso comprar no bar ao lado. Minha amiga se levanta e vai. Está com um vestido leve, que a cada passo deixa a expectativa de que suba, mostrando um pouco mais suas pernas (depois me explicaria que se trata, na verdade, de um shorts). “Ah, o frescor do verão”. Lembro da frase tantas vezes trocadas com você, pessoalmente ou por sms. Algumas lágrimas me sobrem aos olhos, são poucas, mas vêm com tamanha força que não consigo segurá-las. Foi algo parecido, só que mais intenso, quando você me abraçou por conta de um desentendimento com essa mesma amiga – havia vários motivos, fazia tempo que eu precisava chorar e não conseguia, até sentir seu toque. As lágrimas me fazem lembrar de trecho de sonho que tive no final de semana, em que eu tentava segurar o choro – por sua ausência – até não conseguir mais. Essa cena tem sido recorrente em minhas noites. Minha amiga volta com a bebida e dois copos. “Que foi? Por que está chorando?”. Conto da memória que me aflorou. Vocês invertem papéis, agora ela quem me consola. “Ela deve estar num lugar melhor, rindo de você – bobo – estar chorando assim”. Poderia ser, eu adoraria que você estivesse em qualquer esquina ali perto, invisível, apoiada em uma mesa, segurando um cigarro, uma Coca-Cola, um suco, uma copo de cerveja, uma água, comentando das garotas que se aproveitam do calor para o trazer às nossas vistas o frescor de seus vestidos sobre a pele convidativa. Você olharia para mim, um sorriso nos lábios, suspiraria e diria “ah, o frescor do verão”, antes de cairmos na gargalhada.

São Paulo, 12 de novembro de 2013.

[para Patrícia Misson e nossos comentários sobre o frescor do verão]

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Olivia V. (retratos feitos de memórias)

Fora assessora de juiz por cinco anos. Concursada em cargo de terceiro grau, comissionada – o desejo de tantos nos dias de hoje. Não consegui saber se tinha sido o desejo dela também, ou apenas estava lá por desejo e pressão do pai, e para seguir o “fluxo normal da vida” pelo melhor caminho – presume-se. Diz que se sentia mal naquele cargo, se dando conta a cada dia mais de que o sistema judiciário servia principalmente para ferrar quem já estava ferrado – ela atuava como homologadora do nosso absurdo status quo. Aproveitou a transferência do companheiro (e seu apoio) para largar tudo e estudar atuação – estava perto dos trinta anos quando fez isso. “Tinha dias que chegava, via aquela pilha de processos e chorava. Eu me perguntava o que estava fazendo da minha vida”. Olhando para ela era difícil acreditar ela em tal situação: hoje parecia uma pessoa tão alegre, tão leve. Quando falava sério, ora tinha um olhar penetrante sem ser duro, ora olhava como se mirasse no tempo, e não no espaço. Quando sorria, seus olhos eram tão expressivos quanto seu sorriso – ela toda encantadora nessas horas. Sua beleza era feita também desse transpirar leveza. Imaginei ela em roupa social, trancada num escritório, uma peça na burocracia judiciária, a comparei encenando a gata da cena que montamos. Mesmo que não consiga ser atriz de sucesso, não consiga chegar perto do salário que teria se seguisse como funcionária do judiciário, sinto que fazia mesmo sentido ela chorar aquela época.

São Paulo, 28 de outubro de 2013.