sábado, 16 de novembro de 2013

Corpo em movimento

[livre leitura de “Onde o oposto faz a curva, de Patrícia Árabe]

A dançarina caminha em círculos pelo palco cercado pelo público. É curioso notar o monótono girar de cabeças de meus pares, necessário para acompanhar o caminhar sem sentido e sem pausas de Patrícia Árabe. Não me exige muito para estabelecer uma relação com o transtorno obsessivo compulsivo (TOC). Mas essa primeira parte de “Onde o oposto faz a curva” me remete também a algumas teses de Paul Virilio e Ernst Jünger, sobre o imperativo de se estar em movimento: vivemos em uma sociedade que por mais que não esteja em guerra, é calcada nos princípios que a norteiam desde o século passado, principalmente após a segunda guerra: a guerra em permanente latência, toda a sociedade, todos os seus cidadãos preparados, armados “até a medula, até o mais fino nervo da vida”. Na guerra de movimentos, estar parado é ser um alvo fácil, daí que parar não é um opção aos viventes do século XXI. Esse corpo compulsivo, em movimentação sem fim, é substituído pelo corpo futilizado, banalizado: um corpo que aparentemente pára, aparentemente reflete: aparentemente. De fato é só um corpo subinvestido do pensar compulsivo, que anda em círculos sem sair do mesmo: um corpo que reflete idéias já postas, hegemônicas, e o faz como uma forma de aparecer – daí fazê-lo para o vídeo, gravar sua própria experiência de, parada, entregar seu peso ao chão, como dizem que é interessante.
Em movimento ou parado, o mesmo corpo capturado: há alternativas?
Patrícia Árabe indica que sim: o corpo em consciência. O corpo em movimento de auto-reflexão: corpo com marcas (não vistas num primeiro momento), que ao buscar a autoconsciência se move mas também pára, e consegue permanecer parado em e permanecer calado, enquanto observa – a si e ao seu entorno.

São Paulo, 16 de novembro de 2013.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Esperando o sinal abrir

São sete e quinze da noite. O sol se pôs no horizonte, tingindo de diversas cores as nuvens de um dia cálido. Ele não aparece mas sua claridade ainda está presente, forte o suficiente para que as luzes da cidade sigam apagadas. É aquela hora que, de alguma forma, por alguns instantes, compartilhamos o destino de Peter Schlemihl e estamos sem sombra – a diferença é que não a negociamos com o diabo. Por via das dúvidas, algumas pessoas se antecipam à noite iminente e desafiam deus e o diabo com os faróis de seus automóveis. Um deles está parado na esquina da Dona Antônia com a Consolação, esperando o sinal abrir. O motorista gesticula espaçosamente enquanto conversa com o passageiro. A conversa parece interessante, não sei se repara no pôr-do-sol ou no garoto moreno, mais baixo que o carro, que com o rosto tristonho faz malabarismo com três bolas sob a luz amarela que o carro emana. Ele se retira da frente do carro antes do sinal abrir, deixando o caminho livre para a cidade seguir seu fluxo rumo à noite.

São Paulo, 13 de novembro de 2013.

ps: foto de Julia Teles Baptista, 12 de novembro (dia da cena).