sexta-feira, 12 de junho de 2015

A transexual crucificada, os arautos do ódio e a disputa pela palavra cristã

Viviany Beleboni cutucou com vara curta os arautos do ódio - Viviany é a transexual que apareceu crucificada na décima nona parada GLBTS de São Paulo, no domingo, dia sete. A reação foi a esperada: “São pessoas que não tem respeito a ninguém; são pessoas que são preconceituosas, sim; são pessoas que são intolerantes, sim (...). Estou indignado aqui com o que aconteceu na Parada Gay de São Paulo. Estou indignado por terem pegado os símbolos da minha fé, que é a fé cristã, e exposto publicamente num ato de completa falta de respeito. Estou falando aqui de pessoas que acham que seu direito é maior do que o meu direito”, disse, em vídeo na internet, o pastor e deputado Marco Feliciano. Ele ainda pede a união dos arautos do ódio travestidos de pastores cristãos, sugere o boicote às empresas que patrocinam a Parada Gay - assim como um colega seu já havia pregado o boicote às marcas que tentam se associar a atos de amor e afeto entre pessoas -, e afirma que há um movimento de "cristofobia", e que deve ser combatido.
Os arautos do ódio não podem estar mais errados: o ato de Viviany foi de extremo reconhecimento de Cristo. Ninguém se põe em uma situação semelhante à de Cristo, humilhado na cruz, se não reconhece o poder dessa imagem, se não assume a profundidade da mensagem, se não compartilha dos princípios. Mesmo que não seja cristã - e tenho séria desconfiança de que seja -, Viviany assumiu que o cristianismo é importante, tem uma mensagem que não está sendo ouvida - muito menos seguida. Não há ali deboche nem provocação com os símbolos cristãos, Viviany encarna a si própria, e sua crucificação representa (e acusa) a violência que ela e as outras travestis e transexuais sofrem diariamente - muitas delas cristãs, tal qual Marco Feliciano se diz. Se Feliciano acha realmente um desrespeito o ato de Viviany, pode devolver na mesma moeda: se fantasiar de transex para desfilar na próxima Marcha pra Jesus. Por que ele não vai fazer isso? Porque seria reconhecer a importância dessa questão, desse discurso - e o que ele quer é a sua supressão total.
O que realmente perturba os arautos do ódio é que o grito-feito-imagem de Viviany desafia a palavra deles. Uma transexual crucificada é a afirmação de que a palavra de Cristo não se restringe ao que é dito por Malafaias, Felicianos, Hernandez (se é que Cristo em algum canto disse o que eles pregam): é um grito de intolerância e de despeito a toda palavra dogmática, a todos os que se pretendem donos da verdade. Um grito de não me calo diante de quem manda calar, de não baixo a cabeça diante de quem não me respeita, de não reconheço nesse seu Cristo o Cristo que é amor e morreu na cruz pela humanidade. Um grito de revolta contra as injustiças, como o de Cristo, na sua época, contra os romanos.
Nada mais ultrajante a um pastor que uma transexual - que ele recusaria como sujeito com direito à existência, se pudesse - dizer que a palavra dela tem tanto valor quanto a dele, que o direito dela é igual ao direito dele. Sim, Viviany-feita-à-imagem-e-semelhança-de-Cristo (como todos, conforme o princípio cristão) contesta a pretensa superioridade - civil, moral, intelectual, espiritual - que Feliciano e sua trupe se adjudicam, e essa igualdade soa como um desrespeito aos seus privilégios por serem brancos, cristãos, heterossexuais (sic).
Porém, melhor que um ateu falar é dar a palavra a um cristão que não pode ser posto em dúvida quanto à sua fé: “Na missão pastoral tenho conversado com vários LGBTs que estão pelas ruas da cidade, alguns doentes, feridos, abandonados. Muitos relatam histórias de violência, abusos, assédio, torturas e crueldades. Alguns contam como foram expulsos de igrejas e comunidades cristãs, rejeitados pelas famílias em nome da moral. Testemunhei lágrimas, feridas, sangue, fome. Impossível não reconhecer neles a presença do Senhor Crucificado” - eis o comentário do padre Julio Lancellotti sobre a polêmica da crucificação na Parada Gay.
O Cristo de Julio Lancellotti e Viviany Beleboni me representa!

12 de junho de 2015.
Verônica Bolina, outra vítima da intolerância dos cristofóbicos?
ps: sobre a "cristofobia", concordo que existe e acho que deve, sim, ser combatida: já é mais que a hora da Igreja Universal mandar sua milícia paramilitar lutar contra o Estado Islâmico, que já matou vários cristãos pelo simples fato de serem cristãos. Que levem seus líderes juntos - afinal, um verdadeiro líder deve estar à frente do seu exército.

ps2: ainda sobre "cristofobia", achei outra colocação do padre Julio Lancellotti: "A meu ver, sujeito a erro, Cristofobia é medo de amar os irmãos e irmãs, amar os inimigos como pediu Jesus Cristo, defender os pequenos, proscritos e evitados, amar os o que ninguém quer. Jesus caminhou no meio dos pobres e pecadores, os defendeu e nunca os condenou. Em Mt 25,31-46 Jesus identifica-se com os que sofrem. Amá-LO é ser semelhante a ele, o resto é fobia!"

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Copa, bancarrota e papagaios hidrófobos

Enquanto espero pelo meu horário, a secretária do médico reclama da Dilma. O argumento é razoável, e ela seria razoável se tivesse chegado a ele por sua própria conta - se não fosse um raciocínio heterônomo, de ocasião, apenas uma envólucro para justificar uma raiva sem sentido do PT. Reclama dos cortes da Dilma, que ela diminuiu o orçamento da educação. Sem querer entrar em polêmica, mas sem querer ficar quieto e sorrindo, digo que educação, saúde e bolsa-família foram três áreas poupadas da sanha do Joaquim Levy e seus porta-vozes na Grande Imprensa. "Que nada, ela cortou o Fies pela metade, agora aluno não pode mais estudar". É... essa questão do financiamento é complicada, porque é dinheiro que poderia ir para universidade pública, uma questão de escolha bastante controversa - tento contornar. "Pois é, o governo deveria investir em educação pública, mas se não tem universidade pública pra todos, se pobre não consegue entrar nela, se o governo preferiu pagar universidade particular - esse monte de universidade de segunda linha -, agora não dê para trás", retruca. Como disse, ainda que não seja o despertar de uma profunda consciência política, reivindicar que não se dê passo atrás não deixaria de ser um avanço - se fosse realmente esse o motivo pelo qual ela critica o governo. Lembro que o festival de faculdades de fundo de quintal foi obra do FHC, que se furtou de investir em universidade pública. Ela nega, eu reitero. Ela, então, revela que educação, saúde, inflação ou gol da Alemanha são desculpas quaisquer que ela papagueia dos nossos formadores (sic) de opinião: "não sou politizada pra discutir isso, o que eu sei é que ela está levando o país à bancarrota". Se ela sabe, quem sou eu para contestá-la? Desconfio que para ela qualquer pessoa minimamente informada saiba disso - assim como para mim qualquer pessoa informada além do mínimo sabe que as coisas não são exatamente como o JN diz. Penso em responder indiretamente: "imagina na copa", mas desconfio que ela antes vai me chamar de petista - o que, definitivamente, não é o caso - do que entender minha mensagem. Opto por apenas sorrir, na esperança de encerrarmos por ali nossa conversa. Por sorte, logo o médico me salva, digo, me chama. E eu fico a me questionar: não aprendemos nada com a copa? Nenhuma auto-crítica?


11 de junho de 2015.

ps: reconheço que o título não é muito convidativo a encetar um debate