Vida de trabalhador que pega transporte público não é fácil. Mesmo o metrô, que desde sua inauguração em São Paulo, tardiamente nos anos 1970, era tido como um modal de excelência, tem decaído acentuadamente.
De um lado, o problema social que reverbera dentro das estações e vagões: diante da crise financeira inaugurada em 2016, o Metrô vai adquirindo características do “Shopping Trem”: uma variedade de pessoas vendendo uma grande variedade de coisas, de fone de ouvido a chocolate, de tira manchas a doleira, de massageador a pomada milagrosa. Incomodam, mas é o que se tem para sobreviver (reconheço que diminuiu no último ano, apesar da fiscalização também ter diminuído). A essas pessoas, somam-se pedintes diversos e músicos de rua. Destes, admito que não gosto dos que fazem rima mexendo com os passageiros, entretanto, há alguns de ótima qualidade, artistas de verdade, como o @luiscantante.92, que executa música andina. Há, contudo, um cuja arroba no instagram me foge, que se finge de músico para fazer pregação pela manhã em alto e bom som - e não adianta passageiros pedirem para ele baixar o som, como bom fanático, a “palavra de deus” vale mais que o bem estar das pessoas. É uma sessão de tortura que dura duas ou três estações: você já desanimado de ter que ir para a labuta e lá está o infeliz com seu tecladinho enchendo o saco. Ele toca muito mal, mas quando começa a cantar, parece até um virtuoso, e quando você presta atenção no que ele canta, então...
Do outro lado, trabalhando pelo nosso mal-estar está o próprio Metrô sob a batuta do ogro do martelo, o senhor Tarcísionaro. Começa pela limpeza, que era uma das marcas mundiais do Metrô de São Paulo e tem deixado a desejar. Mas pior mesmo é nos horários. Nos de pico, ainda se manteve os habituais intervalos curtos entre cada trem; mas fora dessas horas insalubres por si, aumentaram os intervalos para os padrões do metrô privatizado, fazendo com que toda hora seja horário pico - não importa que seja nove horas da noite de um domingo: o trem vai estar lotado. Já cheguei a esperar sete minutos por um trem - até a gestão passada não chegava a cinco, nem mesmo nas horas mortas. Então, temos que o Metrô passou a ser um modal já não tão rápido assim, nem tão confortável e limpo.
Mas agora o Metrô inovou e quis juntar o pior dos dois mundos, trens lotados com música ruim, só faltou a parte da pregação (e felizmente eu só li a notícia, não presenciei in loco). Vi que no dia dos namorados ninguém mais, ninguém menos que o Jota Quest fez um show na estação da Sé!
A desocupada leitora, o desocupado leitor talvez se pergunte “Jotaoquê? Aquele desenho animado?”. Pois é, a você, preciso informar que se trata de uma banda que usava umas perucas gigantes e lançou um disco de pop razoável em 1996, e depois disso passou a vender até que bastante cedês sem fazer nada que preste, até entrar em decadência e dar por encerrada, salvo pelos seus integrantes, sua Kombi de fãs e - agora sabemos - pelo Metrô.
Imagine só que situação: você sai cedo de casa, encara uma pregação religiosa feita a alto som com um instrumental horrível, tem um dia cheio no trabalho, e na hora de voltar, metrô lotado, só pensando em encontrar seu brotinho - ou então lamentando que não tem um para passar a noite -, ainda ter que enfrentar uma estação lotada porque disseram que ia ter show de graça e vai ver é o Jota Quest. Jota Quest! Tenho até medo do dia dos namorados do ano que vem: capaz de desenterrarem o Leonardo para cantar - aí, sim, haja segurança segurando o povo que vai querer se jogar nos trilhos a ter que suportar isso.
Obrigado, governador, por ajudar a piorar a já precária saúde mental do trabalhador paulistano.
17 de junho de 2024.
PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.