Na esquina da avenida Paulista com a rua Augusta, um grupo de pessoas
munidas de poderosas máquinas fotográficas. Conversam animados,
mostram suas capturas, buscam um novo alvo. Deve ser mais um desses
grupos de aula de fotografia que se tropeçam pela Paulista. Quando
minha câmera quebrou (era uma simples, ainda da época do filme) e
pensei em comprar uma nova, me dei conta de que se a máquina fosse
determinante pra qualidade da foto, teríamos Sebastiões Salgados em
série. Não me parece o caso. Desisti de gastar muito numa máquina
– na verdade, ainda não comprei uma substituta à minha velha
Nikkon sugadora de baterias.
Palhaçada. Parecem múmias do Egito. Encheção de saco. É um
protesto. Mas estão protestando contra o que? É um bando de viados,
isso sim. Parecem aqueles soldados chineses.
Pouco depois da rua Padre João Manuel, vem caminhando lentamente na
direção contrária à minha uma horda de executivos de argila.
Argila da cabeça aos pés – digo, sapatos –, em suas pastas,
celulares, óculos. Nos olhos, venda. Reações diversas. A primeira
e mais comum é sacar o celular para fotografias e pequenos filmes –
depois pensa-se sobre o que é aquilo. Há os que param para
assistir, tentam entender – pra que isso? Estão protestando contra
o que? –, outros xingam por atrapalhar seu caminhar apressado – e
não deixa de me chocar terem usado o argumento de que eram “viados”
para menosprezar a performance, isso um dia depois de outro
homossexual ter sido agredido por cometer o crime de ofender as
pupilas puras de pessoas de bem com sua existência –, outros
olham, tiram uma foto e seguem, abrindo espaço por entre a argila
dos corpos (com cuidado, para não se sujarem); há os que vêem, se
surpreendem e seguem; alguns acompanham o cortejo por alguns metros.
Admito, ser pego de surpresa por uma performance é mais interessante
do que ir pra Paulista em busca dela – a relação com o ato é
muito diferente. Mas não há sorte que garanta sempre se deparar com
performances sem querer, às vezes é preciso ir atrás.
Na avenida Paulista, árvores de metal e vidro foram plantadas no
canteiro central. Podia ser uma performance, mas é a decoração de
natal. No cruzamento com a Padre João Manuel, forma-se uma pequena
fila de carros, obrigados a parar pelo grupo que segue seu lento
caminhar. Ao liberarem uma das pistas, um motorista faz o motor
roncar mais forte, para mostrar sua viril indignação por terem
feito perder tempo. É vaiado. Ignora (ou se faz de cego às vaias),
e segue com a cara fechada, pondo medo e impondo respeito a ninguém.
Em frente à entrada principal do Conjunto Nacional, uma mulher
trabalha como estátua viva, faz pose por moedinhas em sua brancura
clássica. Algumas pessoas a observam (e tiram fotos) quando vêem os
executivos de argila se aproximarem. Fotos para registrar o encontro.
O branco neoclássico com o barro anti-pós-moderno. A pureza de um
passado idealizado e a sujeira de um presente ignorado. Os homens de
argila não querem moedinhas, nem podem parar para contemplar a
estátua viva em seu modelito greco-romano. Passam – lentamente.
O grupo munido de poderosas máquinas segue na esquina com a Augusta
e se anima com a aproximação da performance: tiraram a sorte
grande, algo inusitado para treinarem suas técnicas de
fotojornalismo artístico! Menos dois que, cegos para os Cegos, quase
de gatinhas, quase enfiando suas objetivas na bunda da mulher,
perseguem uma senhora de bengala que atravessa a rua.
São Paulo, 05 de dezembro de 2012.
ps: mais informações sobre a performance Os Cegos podem ser
encontradas em j.mp/QL0MhZ
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