segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

Miyazaki na Mesoamérica [Viagem à Guatemala]

O segundo dia amanhece claro e tomo meu café da manhã diante da imponência dos 1.500 metros dos vulcões Tolimán e Atitlán. O roteiro é tomar uma lancha e visitar duas localidades que beiram o lago Atitlán.

A primeira cidade foi San Juan La Laguna. Visitamos uma cafeteria que produz o próprio café, uma loja de chocolate que produz o próprio chocolate - mas não o próprio cacau, que ali não é região cacaueira -, e uma cooperativa de tecelãs que eventualmente produz os próprios fios de algodão - e o tingem artesanalmente, a partir de plantas.

Em Santiago Atitlán (e sempre que ouço esse santo me lembro do curioso caso que é Tiago e Jacob terem a mesma origem), visitamos uma igreja de 1547, com o teto destruído por algum dos terremotos que atingiram a região (substituído por telhas galvanizadas) e cujo átrio defronte, amplo e desocupado, me remeteu às paisagens de De Chirico (e quem me conhece sabe o quanto sou fã desse pintor), porém com o horizonte terminando não no infinito, mas no vulcão Tolimán.

As ruas de Santiago são ruas perfumadas por diversos cheiros - tortillas sendo assadas, temperos, frutas, churrasco -, e as mulheres, como em Chichicastenango, via de regra, estão com trajes típicos - e, novamente, não me parece que seja para performar para o turismo, pois não me parece que milho, sapoti ou produtos de limpeza tenham muito apelo junto aos turistas. 

A outra parada que fizemos na cidade fomos de tuc tuc - uma espécie de moto táxi de três rodas - a uma favela, onde adentramos por uma viela até chegar a uma casa particular. Nessa casa estava a imagem do Gran Abuelo, Rilaj Mam, um santo popular, de origem maia, protetor local, que a cada ano ganha uma máscara nova e fica na casa de um dos membros da confraria. É um dos poucos aspectos em que notei homens tomando a dianteira na manutenção da tradição - e isso dentro de uma aura de grande mistério e círculo fechado. Em geral, o que percebo é que na insistência de aspectos culturais maias no quotidiano são as mulheres que surgem como as principais guardiãs.

Na volta, na lancha, a tarde já caindo, e a mesma neblina solar vai tomando conta do lago. Me sinto numa animação de Miyazaki adaptada para a mesoamérica: os vulcões Tolimán, Atitlán e San Pedro no lugar do monte Fuji, santos populares ocultos em máscaras misteriosas no lugar de grous e mulheres com Huipil e Faja, no lugar de quimono. E uma mesma poesia realisticamente irreal no ar.


01 de dezembro de 2025

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