rEflexões aleatórias sobre questões aleatórias. nÃo são exatamente opiniões, são antes tentativas de entender o mundo que me habita.
quarta-feira, 28 de março de 2012
sexta-feira, 23 de março de 2012
Um mar de rosas?
Andar na contra-mão, dançar conforme a música, buscar seu próprio
bailado, disputar pra ser o primeiro. “La vie en rose???”,
espetáculo da Companhia de Danças de Diadema, consegue apresentar
uma interessante resposta à pergunta que se põe – se a vida é um
mar de rosas.
Trata-se de uma apresentação alegre – otimista em alguma medida,
portanto –, mas que não compartilha da idéia de uma alegria
permanente e idílica. A trilha sonora é composta de várias músicas
que se sobrepõem, de Bizet a hip hop, passando por Chico Buarque e
Edith Piaf. Quem dá o tom, contudo, é Satié e suas Gnossiennes.
Não faz muito, uma amiga disse que achava tristes as Gnossiennes e
Gymnopedies. Eu as sinto de uma melancolia doce. Em “La vie em
rose???” elas preenchem parte da coreografia com a sensação de
falta, de ausência, e talvez seja essa uma das alternativas
propostas pelo grupo para encarar o mar da vida: o estar com o outro
– diferentemente de como começa a dança para uma das bailarinas.
A coreografia, contudo, não é linear, um caminhar para o encontro,
para a alegria, para o mar de rosas. Ela tem o oscilar do oceano –
esse que exige que navegar seja preciso, enquanto a vida dispensa
dessas precisões, mais ou menos como cantam Pessoa em uma das
músicas tocadas. Ora em harmonia, ora em disputa, ora em briga –
se o paraíso talvez esteja nos outros, o inferno, já comentava
Sartre, também está. A dificuldade em achar alguém que “dê uma
mãozinha”, e a hesitação de se oferecer essa ajuda – que chega
quando não mais necessária –, mostram os desencontros, as falhas
de comunicação, os medos, os egoísmos.
A frase O que vocês estão fazendo?, repetida por uma das bailarinas três vezes, dá um outro ponto da resposta que o grupo tenta construir: parece que ter um pouco de consciência do que se está fazendo leva a um refazê-lo em outros termos – e não se trata de parar para pensar, às vezes é agir para pensar. Não por acaso a parte que me pareceu mais bela da coreografia vem depois dessa frase, dita após os cinco bailarinos dançarem belicosamente – com uma imagem urbana ao fundo, o que me pareceu uma ligação direta infeliz entre cidade e violência. O que vocês estão fazendo? Não havia resposta, e a conseqüência foi um maravilhoso flutuar da dançarina, bailando como o vôo de um pássaro – livre mas ciente das alturas que consegue alcançar, por mais que supere suas limitações –, com a ajuda dos cinco homens.
No final, após novamente a pergunta O que vocês estão fazendo?,
cada dançarino em sua própria dança, gerando uma coreografia
harmoniosa e bonita. Seria um grand finalle,
a tão sonhada solução. Seria bonito, porém irreal, demais
Poliana. A dança díspar de todos vai se homogeneizando, até todos
estarem dançando igual – o que não é ruim por princípio, o
problema é quando vira imposição. A saída para essa uniformidade,
de todos juntos, mas isolados? Havia uma janela ao fundo,
entreaberta, que mostrava luz do outro lado – uma janela, não uma
solução.
São Paulo, 23 de março de 2012.
quinta-feira, 22 de março de 2012
Motoristas em uma quinta à noite
Saio
de casa apressado: queria jantar e ainda pegar algum mercado próximo
aberto – hoje tinha preguiça de passear pela av. Paulista,
como tivera de cozinhar algo decente no almoço.
Na
rua da Consolação, o sinal para pedestres pisca e resolvo esperar.
Um rapaz, seus vinte e cinco anos, atravessa a rua, vindo na minha
direção. Para atravessar, precisa contornar um carro que parara em
cima da faixa – dirigido por outro rapaz, também nos seus vinte e
cinco anos. Enquanto passa, gesticula. Que foi,
pergunta irritado o motorista, Porra, olha onde você pára,
em cima da faixa, Que
tem, não gostou, Não tem respeito, não, idiota, não tem educação.
O sinal abre, mas os ânimos
seguem exaltados. O carro parte, Eu devia descer e te dar
uma porrada, isso sim, palhaço.
O pedestre responde algo, mas eu já estou distraído com duas
mulheres que dobram a esquina correndo – Pega ladrão,
grita alguém do bar, em tom jocoso.
Na esquina seguinte, escuto barulhos estranhos vindos de um carro que
espera o sinal abrir: um "japonês" acompanha a bateria da
música que ouve batendo duas baquetas contra o volante – eu
chutaria que ele é antes jogador de Guitar Hero do que baterista.
Dobro em direção à rua Augusta. Um homem, fora da faixa, perna
enfaixada e muleta, atravessa lentamente a rua. Um carro se aproxima
e vai diminuindo a velocidade, até ter espaço para contornar pelo
lado – imaginei que fosse buzinar, mas não o fez. Bom que não
teve pressa, porque dez metros a frente precisou parar atrás de uma
fila de carros, num pequeno congestionamento – muito provavelmente
porque algum motorista mais lento tentava estacionar.
Já na Augusta, dois andinos, um na caixa, outro no charango e na
flauta de pan, tocavam uma música típica – como estava com pressa
não pude parar para ouvi-los, infelizmente. Quando voltei da
lanchonete, já haviam encerrado a apresentação, e uma esquina
acima contavam o que haviam recebido. Em frente ao Conjunto Nacional
um homem apresentava sua arte no saxofone. Nada traumático, do nível
de Kenny G, mas lamentei que não fosse música andina.
No
mercado, a caixa ganha da cliente um pão de mel. Obrigada,
eu nem gosto de doce... sou pior que formiga.
Apesar da caixa ter terminado sua frase, a cliente não havia ouvido
a resposta: Dá para alguém que goste, então. No
outro caixa uma mulher acena para seu "filho", um cachorro
que a espera com a filha (esta sem aspas) do lado de fora.
No caminho para casa, nenhuma Flávia parecida com Carla Bruni, mas
um grupo de japoneses (estes sem aspas) conversa animadamente – e
me vejo concordando com o Cássio: parece que estão brigando, pela
entonação própria do idioma.
Praticamente em frente ao prédio onde moro, espero os carros
passarem para atravessar a rua. Uma mulher vem lentamente,
conversando no celular enquanto dirige. De repente noto que avança
em minha direção. Dou um pulo para trás. Pela velocidade não
chegou a assustar – e eu, que de início achei que ela queria
estacionar, e não que simplesmente perdera a direção do carro,
concentrada que estava na conversa, acabo não tendo uma segunda
reação de indignação.
Antes de chegar em casa, dou licença à Mercedes do vizinho do
prédio ao lado, apressado que está em entrar na garagem. Pela
pressa, devia estar com dor de barriga, os odores do organismo a
pestilentar o carro caro, até então com cheiro de novo. E eu devia
estar mesmo cansado, pois acabo não me irritando com mais isso –
sequer para sarcasticamente cumprimentá-lo.
Sem sarcasmo, cumprimento Luís, o porteiro do turno, e subo para
estudar mais um pouco – que troco por esta crônica.
São Paulo, 22 de março de 2012.
segunda-feira, 19 de março de 2012
Elevador exclusivo
Hoje
fui com meu irmão dar uma volta, apresentá-lo a São Paulo – ao
mesmo tempo que ele aproveitava para me apresentá-la um pouco mais.
Até sábado, quando chegou, o que meu irmão conhecia da cidade se
resumia a ir de metrô do terminal rodoviário do Tietê até o da
Barra Funda.
Chegou na hora que eu recebia a visita de alguns grandes amigos. Quando se foram, levei-o pra dar uma olhada no que é a Rua Augusta num sábado à noite – sem podermos nos demorar muito, pois ele tinha compromisso no dia seguinte, mas o suficiente para que o impressionasse o a fauna, a balbúrdia, o tanto de gente na rua.
Segunda-feira, com praticamente todos os museus fechados, restringimos nossa visita a um rolê pelo centrão de São Paulo: Mosteiro São Bento, Sé, Edifício Banespa, Largo São Francisco. A catedral da Sé, eu havia entrado pela última vez há uns sete anos. Lamentei que o quiosque que vende souvenir não vendesse café expresso, achei o lugar aconchegante, agradável – bem diferente do escuro, pesado e sádico Mosteiro São Bento, que eu ainda não conhecia. Tampouco conhecia o edifício Banespa e seu mirante – e as duas horas por cinco minutos de vista, tanto eu quanto meu irmão ficamos em dúvida se valeram a pena. O Largo São Francisco eu conhecia, mas nunca havia entrado na Faculdade de Direito.
O prédio, da década de 1930, projetado pelo sucessor de Ramos de Azevedo (responsável pelo Teatro Municipal, por exemplo), Ricardo Severo, é imponente e seu interior transmite muito bem essa imponência, como se anunciasse já em sua arquitetura: daqui sai a elite da elite tupiniquim, desde os tempos do Rei – louvada seja a Faculdade de Direito.
Os tempos eram outros, de um Brasil antigo, quase uma mera continuação do Brasil Colônia, e essa afirmação de superioridade de classe era natural e bem-vista. Diz o texto da faculdade, sobre o edifício: “representou a própria criação do estilo neocolonial, que agregava à moderna arquitetura, elementos do barroco luso-brasileiro, evocando a tradição cultural do país e do velho convento” – ocultou que a tal tradição cultural evocada passa também pelos seus aspectos sociológicos. E é essa tradição que segue presente para além da arquitetura, já neste Brasil Moderno, de modernização sempre conservadora, meio a la Lenin, com um passo para trás – mas não necessariamente para dar dois adiante.
Nossa visita à faculdade começou com a ingenuidade do meu irmão: foi entrando na biblioteca, para conhecê-la, como se público para a USP fosse sinônimo de algo destinado ao público e não a um certo, bem delimitado e selecionado público. O guarda, muito gentil, nos informou que precisávamos pegar uma autorização no prédio principal. No tal prédio, foi meu irmão quem chamou a atenção para os elevadores de uso exclusivo dos “senhores professores”. Pior: não bastasse essa distinção, os elevadores exclusivos para os senhores professores possuem ascensoristas. Sim, um funcionário que passa o dia sentado, esperando por esse ser superior – o Professor Doutor – entrar e dizer: segundo, e após um minuto, se tanto, anunciar, cabeça baixa, segundo andar. Ao mesmo tempo, toda essa pompa é incapaz de atentar para a manutenção do prédio, que tinha o teto e paredes descascando – mas era no terceiro andar, talvez por isso pudesse deixar passar: importante é o hall de entrada, a sala de visitas ser chique.

Com isso, fiquei na dúvida: melhor o escárnio pós-moderno – bem humorado (?) –, ou se prender às velhas formas de distinção. A segunda parece saber conciliar nossa tradição cultural com a modernidade que aspiramos e fingimos ter alcançado – e isso seria o Brasil democrático: toda doméstica tem direito a usar o elevador de serviço (não precisa subir pelas escadas). A primeira, ilustrada, não apenas acredita, como comprova cientificamente que alcançamos tal modernidade – nosso atraso se deve exclusivamente a uma elite (não ela, claro) perversa, e às domésticas, que insistem em preferir o elevador de serviço.
São Paulo, 19 de março de 2012.
domingo, 11 de março de 2012
Para que serve uma federação estadual de futebol?
Na década de noventa, me lembro, o campeonato catarinense era um
campeonato menor – e não digo por ser do Paraná. Era visível
pelo pequeno número de participantes – mesmo atualmente o
campeonato só tem duas divisões, a primeira com dez, a segunda com
sete times – e pelo papel menor no cenário nacional do futebol
local. Até hoje, nunca um time catarinense ficou entre os quatro
primeiros do campeonato brasileiro, enquanto o Paraná tem dois
títulos, e oito vezes algum time do estado já ficou entre os quatro
– sendo que o primeiro a conseguir a façanha foi o Londrina, em
1977.
Em 1989, os dois principais clubes da capital paranaense – Atlético
e Coritiba, o Paraná seria criado apenas no final do ano – caem
pra série B do campeonato nacional. No ano seguinte, Atlético
consegue retornar à elite, e o Operário Ferroviário, de Ponta
Grossa, fica muito perto de conseguir a vaga – termina em quinto,
apesar de, no geral, a campanha ser melhor do que a do Atlético.
Vale lembrar que estamos nos anos dos regulamentos kafkianos do
futebol tupiniquim – ainda reproduzido por muitas federações
estaduais, não sei se precisava lembrar da Paranaense. A partir de
então, o estado sempre teve um time na primeira divisão nacional.
Em 1991, na série B, o Coritiba termina em terceiro, o Paraná, em
sexto, o Londrina é décimo primeiro. O Operário, apesar de
terminar à frente do Criciúma, foi despachado pra série C no ano
seguinte, ao contrário do time catarinense. Na série A, o Atlético
perigou cair, mas acabou ficando em décimo sétimo, de vinte clubes.
Em 1993, diante da virada de mesa da CBF, Coritiba consegue voltar à
elite, mesmo tendo sido décimo segundo na série B no ano anterior –
vencida pelo Paraná Clube –, e Santa Catarina consegue alçar um
clube à elite do futebol brasileiro pela primeira vez em cinco anos.
Depois de cinco anos, em 1998, o Criciúma cairia para a série B. Em
2001, quando o Atlético Paranaense levantou o caneco, não havia
nenhum representante barriga-verde, enquanto havia os três da
capital paranaense: o Figueirense subiria aquele ano, junto com o
Paysandu. Deixava para trás o Avaí, Joinvile e Criciúma, mas
também Londrina e Malutrom. Ou seja, nas duas principais divisões,
haviam cinco paranaenses contra quatro catarinenses.
Em 2003, o Brasileirão adota o sistema de pontos corridos – apesar
do forte lobby contra da Rede Globo. Desde lá, somando as
participações dos clubes, são vinte aparições paranaenses na
série A e nove na B, contra doze na A e quinze na B dos
catarinenses. Em 2012, cada estado terá apenas um representante na
elite do futebol nacional. Em compensação, na série B, serão três
catarinenses – Avaí, Criciúma, Joinvile – e dois paranaenses –
Paraná e Atlético. Santa Catarina ainda tem um representante na
série C, que chegou muito perto de subir pra B em 2011, o
Chapecoense. Isso se refletiu no campeonato estadual: o Coxa sobrou
no campeonato paranaense – conhecido como Ruralzão – em 2011,
enquanto o Figueira, que disputou com o Coxa vaga na Libertadores,
acabou em terceiro no catarinense.
A organização dos times, sem dúvida, é fundamental para bons
resultados. O Barcelona não é a referência que é hoje por um
acaso. O crescimento do Figueirense tampouco se dá sem planejamento.
Há um outro fator, contudo, que ajuda a entender a inversão de
papéis entre o futebol paranaense e catarinense: o apoio das
federações.
A novela do campeonato paranaense da divisão de acesso em 2012
mostra o porquê dessa inversão entre o futebol desses dois estados.
Depois de uma campanha merecedora do rebaixamento, em 2011, não
adiantou brigar na justiça desportiva, o Paraná Clube fez jus pelo
que jogou e foi enviado para série B do Ruralzão. Eu, ingenuamente,
imaginando que a FPF tinha o objetivo de fortalecer o futebol no
estado, já via o Paraná numa pré-temporada de luxo: sem a pressão
de disputar o título, com times muito inferiores, podendo fazer dos
jogos jogos-treinos, poupando os titulares de viagens, e aproveitando
pra observar reservas e jogadores da base (que um dia já foi
referência e revelou craques do nível daquele que hoje ocupa a
prancheta do time). Eu deveria ter me informado mais sobre FPF, Hélio
Cury e cupinchas.
Para “não prejudicar” times do porte do Júnior Team, a FPF
recusou o pedido de antecipar o campeonato – ela que deveria ter
tomado a iniciativa de fazê-lo, sem necessidade de pedido de clube
algum. Apenas a título de comparação: a Federação Paulista de
Futebol tem suas três divisões principais ocorrendo
simultaneamente. Primeiro porque sabe que acavalar o calendário da
A2 com a B do Brasileirão prejudicaria clubes como o Santo André.
Depois, porque sabe que eventualmente as divisões de acesso podem
apresentar jogadores aos clubes principais. Mais: faz acordo com a
Rede Vida para transmissão dos jogos da A3 em rede aberta.
Enquanto isso, nestes tristes sub-trópicos, em nome de “justiça”
e não prejudicar clube algum, a federação prejudica uma das três
forças do estado, e ainda pode fazer com que os demais clubes tenha
um enorme prejuízo. Conforme levantamento do blogueiro paranista
Luis Hansen, se o Paraná fizer respeitar as 66 horas entre duas
partidas, o campeonato da Divisão de Acesso, que deveria ir de maio
a julho se estenderá até outubro; ou seja, clubes sem receita tendo
que arcar com salários pelo dobro do tempo. O detalhe: o Paraná
Clube se mexia e praticamente havia conseguido transmissão pela TV,
negociando um patrocinador para a competição. A FPF, já em férias,
e em respeito à unanimidade, recusou o arranjo.
A conclusão desta breve comparação é óbvia: enquanto Santa
Catarina consegue elevar sua representatividade no futebol nacional,
com clubes de quatro das oito regiões do estado nas três principais
divisão do país; no Paraná, mal e mal restam os três grandes da
capital. No próprio estadual, apenas seis, das dez regiões em que o
estado é dividido, possuem representantes. O tradicional Londrina,
só em 2012 voltou à elite do futebol estadual, e faz uma campanha
mediana; o segundo time mais antigo do estado, o Operário
Ferroviário, de Ponta Grossa, só não está disputando o
rebaixamento no seu centenário porque Paranavaí e Irati assumiram
as últimas posições e parecem dispostas a não sair dali. A
federação o que faz? Para ajudar o futebol do estado,
absolutamente nada: seus diretores devem achar que há coisas mais
importantes pra federação cuidar. O que? Aí só eles poderiam
responder.
São Paulo, 11 de março de 2012.
quarta-feira, 7 de março de 2012
Viva os noivos!
O Facebook, como outrora o Orkut, tem como grande utilidade não
deixar esvair-se o reino da fofoca. Nos põe numa grande aldeia
global (não faço referências aqui a McLuhan), em que bisbilhotamos
a vida de todos, apesar de não conhecermos verdadeiramente ninguém.
Pato Branco, claro, já está conectada à internet, tem Coca-Cola, e
essas coisas básicas – outras novidades, um pouco menos
alardeadas, ainda não chegaram: procurei em quatro super-mercados.
Aqui, porém, além da aldeia global, resta a aldeia local. O
centro da cidade contribui para o encontro. Organizado de forma que
lembra – em partes – shopping centers, com calçadas muito bem
iluminadas, lojas bem cuidadas, bancos para se sentar – que fazem
com que a rua seja mais do que um lugar de passagem, como também de
encontro –, e uma certa assepsia social. Por aqui as listas de
casamento ainda estão nas vitrinas das lojas.
Meus pais têm por
hábito parar em uma dessas lojas e atentar para quem são os
casamenteiros, para ver se tem algum conhecido, ou mesmo para
conhecer nomes novos – esses nomes que os pais, em arrombos da
criatividade, cravam em bebês indefesos para o resto da vida.
Caminhava com eles pela cidade, paramos na referida loja, e nenhum
nome esdrúxulo. Em compensação, um casal trazia nomes conhecidos.
Nomes que me levaram a quinze anos atrás, quando eu tinha meus
quatorze anos, por aí, e costumava ir à casa de um amigo – morava
no décimo andar –, comer esfirra, jogar lixo para janela, só para
ver cair, e assistir ao programa X-Tudo (que na minha casa não
pegava TV Cultura).
O noivo, havíamos estudado junto – os três – em algum cursinho
de inglês. A noiva – cuja irmã, junto com uma amiga, foi das
primeiras a mexer com minha imaginação pré-adolescente – era a
primeira paixão desse meu amigo.
Teve um dia que, cansado dos seus reiterados suspiros apaixonados,
resolvi aconselhá-lo. Propus uma tomada de atitude sumária, do
estilo chega junto e manda ver, sem blábláblá, direto ao ponto. Um
ano mais velho, o aconselhei fazendo uso da autoridade do meu maior
tempo no mundo – o que não queria dizer, em absoluto, que fosse
mais escolado nas coisas do mundo. Seguiu meu conselho, tão crente
nele como no amor e em Jesus Cristo. No dia seguinte voltou me
amaldiçoando solteirisse eterna e com apenas uma das crenças das
que tinha no dia anterior. Ao menos resolveu o meu problema com seus
suspiros.
Ao chegar em casa depois do passeio com meus pais fui, é claro,
bisbilhotar o Facebook. O noivo, filho de uma das famílias-coronéis
da cidade, parece bem mais velho do que é. Seu emprego, não sei
qual é, mas deve ser tocar os negócios da família sem afundá-los
– e creio que tenha competência para isso. Ela, no que trabalha
nem chega a ser importante, já que será esposa de um dos donos da
cidade. Aproveitei e vi o “perfil” desse amigo da infância.
Talvez se meu conselho tivesse dado certo, ou então, mais sensato, se ele não tivesse seguido
meu conselho e tivesse outra sorte, atualmente fosse uma pessoa
diferente, com mais leveza e menos culpa. Entretanto, a contar por
hoje, nem o meu, nem o conselho de quem fosse, teria alterado suas
chances com a guria.
Em tempo: o noivo nunca me pediu conselhos para nada.
Em tempo: o noivo nunca me pediu conselhos para nada.
Pato Braco, 07 de março de 2012.
sábado, 3 de março de 2012
Serra candidato: sepultura tucana e nova disputa moralista?
Sem
acompanhar com muita atenção os jornais durante a semana, fui pego
de surpresa com a nomeação do Bispo Crivella – que prefere não
ser chamado de bispo – para o ministério da Pesca. A primeira
pergunta: Bispo Crivella na pesca?? Logo a seguir respiro aliviado:
ainda bem que não no da Educação ou no Ministério de
Desenvolvimento Social. Vem, então, uma segunda questão – já
respondida –, mas que mesmo assim faço, e julgo até mais
importante: por que uma secretaria com estatuto de ministério, com
todo o dispêndio que acarreta? Pra quê, está claro: moeda de troca
política. E o timming da
substituição dos ministros – justo quando Serra anuncia sua
pré-candidatura à prefeitura de São Paulo – não deixa dúvidas
para isso.
A prefeitura valendo um ministério para a bancada evangélica, outra coisa para não se admirar: um dos pré-candidatos de São Paulo, Chalita, vem como representante da Paróquia de Aparecida; com Serra na disputa, o PT se arma para uma nova disputa a la 2010: família, aborto, religião, casamento gay, divórcio, valores, Deus – logo voltaremos a discutir o biquini e a mini-saia.

Se essa questão dos quadros – cuja modelo de renovação, no Brasil, ficou marcada como sendo típica do PFL/DEM – é um dos aspectos que apontam para a sepultura tucana, a outra, mais imediata, é do próprio ideal de um partido moderno – naquelas modernização-conservadora típica tupiniquim, da qual nem o PT escapa. O PSDB já possui Alckmin como governador do principal estado da nação – dispensando comentários sobre seu conservadorismo truculento –; com Serra novamente em destaque, vai assumindo e se firmando como um partido conservador não apenas na economia – que isso o PT também é –, mas principalmente nos costumes (comentei isso em crônica anterior [j.mp/cG24112]).
Não há como não lembrar de Chico de Oliveira, quando este falou da irrelevância da política pós reformas estruturais da era FHC: com o principal partido de oposição sem um projeto alternativo para o país, sem uma discussão sobre a urbe, resta a rinha em cima de migalhas moralistas, num momento de recrudescimento das posições conservadoras – de esquerda e de direita, é bom salientar.
Pior: o PT sabe disso, não nega, e se adapta: ele sabe da irrelevância da política e não tem interesse em alterar esse panorama, pois se beneficia dele.
Pato Branco, 03 de março de 2012.
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