Na década de noventa, me lembro, o campeonato catarinense era um
campeonato menor – e não digo por ser do Paraná. Era visível
pelo pequeno número de participantes – mesmo atualmente o
campeonato só tem duas divisões, a primeira com dez, a segunda com
sete times – e pelo papel menor no cenário nacional do futebol
local. Até hoje, nunca um time catarinense ficou entre os quatro
primeiros do campeonato brasileiro, enquanto o Paraná tem dois
títulos, e oito vezes algum time do estado já ficou entre os quatro
– sendo que o primeiro a conseguir a façanha foi o Londrina, em
1977.
Em 1989, os dois principais clubes da capital paranaense – Atlético
e Coritiba, o Paraná seria criado apenas no final do ano – caem
pra série B do campeonato nacional. No ano seguinte, Atlético
consegue retornar à elite, e o Operário Ferroviário, de Ponta
Grossa, fica muito perto de conseguir a vaga – termina em quinto,
apesar de, no geral, a campanha ser melhor do que a do Atlético.
Vale lembrar que estamos nos anos dos regulamentos kafkianos do
futebol tupiniquim – ainda reproduzido por muitas federações
estaduais, não sei se precisava lembrar da Paranaense. A partir de
então, o estado sempre teve um time na primeira divisão nacional.
Em 1991, na série B, o Coritiba termina em terceiro, o Paraná, em
sexto, o Londrina é décimo primeiro. O Operário, apesar de
terminar à frente do Criciúma, foi despachado pra série C no ano
seguinte, ao contrário do time catarinense. Na série A, o Atlético
perigou cair, mas acabou ficando em décimo sétimo, de vinte clubes.
Em 1993, diante da virada de mesa da CBF, Coritiba consegue voltar à
elite, mesmo tendo sido décimo segundo na série B no ano anterior –
vencida pelo Paraná Clube –, e Santa Catarina consegue alçar um
clube à elite do futebol brasileiro pela primeira vez em cinco anos.
Depois de cinco anos, em 1998, o Criciúma cairia para a série B. Em
2001, quando o Atlético Paranaense levantou o caneco, não havia
nenhum representante barriga-verde, enquanto havia os três da
capital paranaense: o Figueirense subiria aquele ano, junto com o
Paysandu. Deixava para trás o Avaí, Joinvile e Criciúma, mas
também Londrina e Malutrom. Ou seja, nas duas principais divisões,
haviam cinco paranaenses contra quatro catarinenses.
Em 2003, o Brasileirão adota o sistema de pontos corridos – apesar
do forte lobby contra da Rede Globo. Desde lá, somando as
participações dos clubes, são vinte aparições paranaenses na
série A e nove na B, contra doze na A e quinze na B dos
catarinenses. Em 2012, cada estado terá apenas um representante na
elite do futebol nacional. Em compensação, na série B, serão três
catarinenses – Avaí, Criciúma, Joinvile – e dois paranaenses –
Paraná e Atlético. Santa Catarina ainda tem um representante na
série C, que chegou muito perto de subir pra B em 2011, o
Chapecoense. Isso se refletiu no campeonato estadual: o Coxa sobrou
no campeonato paranaense – conhecido como Ruralzão – em 2011,
enquanto o Figueira, que disputou com o Coxa vaga na Libertadores,
acabou em terceiro no catarinense.
A organização dos times, sem dúvida, é fundamental para bons
resultados. O Barcelona não é a referência que é hoje por um
acaso. O crescimento do Figueirense tampouco se dá sem planejamento.
Há um outro fator, contudo, que ajuda a entender a inversão de
papéis entre o futebol paranaense e catarinense: o apoio das
federações.
A novela do campeonato paranaense da divisão de acesso em 2012
mostra o porquê dessa inversão entre o futebol desses dois estados.
Depois de uma campanha merecedora do rebaixamento, em 2011, não
adiantou brigar na justiça desportiva, o Paraná Clube fez jus pelo
que jogou e foi enviado para série B do Ruralzão. Eu, ingenuamente,
imaginando que a FPF tinha o objetivo de fortalecer o futebol no
estado, já via o Paraná numa pré-temporada de luxo: sem a pressão
de disputar o título, com times muito inferiores, podendo fazer dos
jogos jogos-treinos, poupando os titulares de viagens, e aproveitando
pra observar reservas e jogadores da base (que um dia já foi
referência e revelou craques do nível daquele que hoje ocupa a
prancheta do time). Eu deveria ter me informado mais sobre FPF, Hélio
Cury e cupinchas.
Para “não prejudicar” times do porte do Júnior Team, a FPF
recusou o pedido de antecipar o campeonato – ela que deveria ter
tomado a iniciativa de fazê-lo, sem necessidade de pedido de clube
algum. Apenas a título de comparação: a Federação Paulista de
Futebol tem suas três divisões principais ocorrendo
simultaneamente. Primeiro porque sabe que acavalar o calendário da
A2 com a B do Brasileirão prejudicaria clubes como o Santo André.
Depois, porque sabe que eventualmente as divisões de acesso podem
apresentar jogadores aos clubes principais. Mais: faz acordo com a
Rede Vida para transmissão dos jogos da A3 em rede aberta.
Enquanto isso, nestes tristes sub-trópicos, em nome de “justiça”
e não prejudicar clube algum, a federação prejudica uma das três
forças do estado, e ainda pode fazer com que os demais clubes tenha
um enorme prejuízo. Conforme levantamento do blogueiro paranista
Luis Hansen, se o Paraná fizer respeitar as 66 horas entre duas
partidas, o campeonato da Divisão de Acesso, que deveria ir de maio
a julho se estenderá até outubro; ou seja, clubes sem receita tendo
que arcar com salários pelo dobro do tempo. O detalhe: o Paraná
Clube se mexia e praticamente havia conseguido transmissão pela TV,
negociando um patrocinador para a competição. A FPF, já em férias,
e em respeito à unanimidade, recusou o arranjo.
A conclusão desta breve comparação é óbvia: enquanto Santa
Catarina consegue elevar sua representatividade no futebol nacional,
com clubes de quatro das oito regiões do estado nas três principais
divisão do país; no Paraná, mal e mal restam os três grandes da
capital. No próprio estadual, apenas seis, das dez regiões em que o
estado é dividido, possuem representantes. O tradicional Londrina,
só em 2012 voltou à elite do futebol estadual, e faz uma campanha
mediana; o segundo time mais antigo do estado, o Operário
Ferroviário, de Ponta Grossa, só não está disputando o
rebaixamento no seu centenário porque Paranavaí e Irati assumiram
as últimas posições e parecem dispostas a não sair dali. A
federação o que faz? Para ajudar o futebol do estado,
absolutamente nada: seus diretores devem achar que há coisas mais
importantes pra federação cuidar. O que? Aí só eles poderiam
responder.
São Paulo, 11 de março de 2012.
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