sábado, 11 de fevereiro de 2006

Relato de viagem 9

Chegamos a El Chaltén, pequena cidade aos pés dos Andes. Nossa intenção era daqui seguir pelos Andes, via Ruta 40, até Esquel, passando pelas pinturas rupestres das Cuevas de las Manos; mas havíamos planejado que nossa viagem iria até o fim de fevereiro ou até o fim do dinheiro. Acho que não estou sendo muito original em dizer que o dinheiro acabou antes do mês. Ao menos não temos muito do que reclamar: isso apenas "compromete" nossa viagem e não contas a pagar. Visitaremos, portanto, as duas últimas cidades, e retornaremos pela mesma estrada que nos trouxe.
Passamos a viagem toda penando para tirar a tônica da última sílaba, como em Madryn, e eis que chegamos a Chaltén e não "Chálten". O Phah ainda não conseguiu proferir corretamente o nome da cidade.
O caminho a El Chaltén, com os Andes alaranjados pelo sol poente, já foi algo hipnotizador: pensar que a vegetação semi-desértica que vemos há quase duas semanas é "responsabilidade" desse "ser vivo" de pedra. É curioso, pois para mim pedra sempre foi algo velho, que cai, que se desgasta, que diminui...
Pois bem, a El Chaltén. A cidade se intitula a capital nacional do trekking (talvez por não ter mais nada para fazer). Assim sendo, fomos fazer uma caminhada pela montanha. São duas as trilhas "pop". Optamos começar pela mais fácil. Chovia, ventava e fazia frio. Já tínhamos feito mais de dois terços da trilha quando a chuva engrossou. Pensamos em voltar e deixar para outro dia, mas como já estávamos molhados e quase no final, resolvemos continuar. Ao chegarmos ao ponto final, a laguna torre, ainda havia nuvens cobrindo os picos mais altos, mas o céu começava a limpar. Resolvemos preparar um mate e esperar o céu abrir, mas meia hora depois o mate tinha acabado e as nuvens se adensavam. Resolvemos voltar logo para não tomar chuva outra vez. Já quase na cidade olhamos para trás e... o céu limpo, sem uma nuvem. Para não perder aquela bela vista - mesmo que de longe - saímos da trilha consagrada e ficamos a observar o pôr-do-sol (antes tínhamos voltado para o albergue, esquentar mais água para o mate), tendo como barulho apenas o rio lá em baixo.
No outro dia pegamos a trilha mais difícil. Segundo o mapa da cidade, eram quatro horas de subida empinada. Depois de 3h caminhando em uma trilha mais difícil que a anterior, mas nada tão difícil, nos deparamos com uma placa que avisava que os últimos 500m deviam ser feitos por pessoas experientes, com calçados apropriados (o meu não tem quase nenhuma ranhura na sola). Ótima hora para se dar um aviso como esse, não iríamos voltar faltando 500m! Não imaginávamos que esses 500m não eram a distância, mas a altura. Levamos 40 minutos, muitas vezes engatinhando na vertical, para superá-los (impressionante como alguns septagenários, ou quase, encaravam o trajeto!). Mas valeu a pena: a vista do pico Fitz Roy (desta vez não havia nuvens) na nossa cara, separado somente pela laguna de los tres, assim como a da laguna sucia (que não sei porque tem esse nome), com suas cascatas de água de degelo, lááááá em baixo, são impressionantes. Contudo as paisagens de ambos os trajetos me pareceram mais bonitos do que a vista final. Voltamos quebrados e famintos (o que nos fez voltar numa velocidade considerável), e minha febre (ah, eu estava com febre desde que chegamos a El Chaltén) estava ainda pior.
A idéia era no terceiro dia fazer outra trilha ou refazer a primeira, mas preferimos dormir até as 15h e ver o pôr-do-sol novamente do "cantinho" do outro dia.
Nossa estadia em El Chaltén, graças, novamente, à cara de bom amigo do Phah, rendeu algumas conversas interessantes. E continuo não entendendo como alguém consegue ficar viajando por seis meses, um ano (como o belga maluco, que tinha nome francês mas era da parte holandesa da bélgica, morava na Finlândia e não tinha celular, entre outras esquisitisses, que trabalhava três anos, e viajava um, às custas do que economizara e do seguro desemprego), deixando nesse período emprego, mulher, filhos, amigos... Eu já não vejo a hora de voltar para casa, para o meu canto... O único até agora que me fez sentido porque faz isso foi o francês colega de quarto, que largou o emprego que odiava e saiu de mochila pelo mundo - por sinal, ele fugia do padrão extrovertido desses mochileiros de longos períodos.
E se em Deseado nossas refeições foram a base de sanduíche de miga, aqui nossa base alimentar foi glutamato monossódico - estamos transpirando sabor salgadinho!
E descobri que é hora de reler A Caverna, do Saramago. Achava o livro mais fraco dele (até O Homem Duplicado), mas acho que me faltava um pouco mais de vivencia para aproveitá-lo melhor.
Agora é hora de conhecer os glaciares...
2.
El Calafate, 11 de fevereiro de 2006
PS: Desconsiderem, ou dêem um desconto, aos erros de português dos dois últimos relatos. Não tive tempo de revisá-los mas mandei assim mesmo, pois não sei se teremos internet novamente antes de buenos aires.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2006

Relato de viagem 8

Enquanto desviamos a rota ao oeste e desistimos de chegar ao fim do mundo, algumas curiosidades sobre a Argentina e a nossa viagem:
· Na Argentina não se tem muito senso de limpeza: é comum jogar lixo na rua, difícil achar lixeira...
· Caramba como os argentinos gostam de coisa doce! Até a media-luna salgada é levemente doce...
· Nossas refeições dos últimos dias: quinta: bolacha de almoço e sanduíche de janta; sexta: o que sobrou dos sanduíches de quinta de almoço e empanadas de frango de janta; sábado: o que sobrou das empanadas de almoço e sanduíche de miga sabor primavera de janta; domingo: sanduíche de miga no almoço e na janta; segunda: sanduíche de miga de almoço, "conosquinhos" de confeitaria e sanduíche de miga de janta; terça: refeição de verdade no almoço!, e não conseguimos encarar os últimos dois sanduíches de miga sabor privamera (comemos 16 no total), preferindo uma massa para rocambole que compramos sem querer.
· Estamos com saudade de comida - até mesmo do arroz com feijao do bandejao!
· Já conseguimos estabelecer algum contato consistente (sempre graças á cara de bom amigo do Phah) com um suíço, um alemão, um casal de italianos, um de argentinos, uma inglesa e uma israelense (exclusividade do Phah esta).
· Temos dois votos de que somos alemães e um para holandês.
· Aqui no sul o sol torra impiedosamente, e o nosso protetor solar também arde...
· Boa parte dos produtos vendidos aqui são chineses (até o gorro do San Lorenzo que comprei para não perder as orelhas), outra boa parte é brasileira, mas a erva-mate (ainda) é de indústria argentina.
· Onde há um (possível) espaço em branco, há publicidade, seja no vagão superpoluído do metro, seja na passagem de ônibus.
· A Argentina é um ótimo lugar para se treinar alemão quando não se tem dinheiro para ir à Alemanha.
· Argentinos não conhecem conceitos básicos de organização - os mercados são uma bagunça -, não sabem fazer fila, nem respeitar a vez.
· Buenos Aires não tem flautas peruanas.
· Na Argentina há um estranho hábito de se repetir nomes (e nao falo de todas as cidades terem as mesmas ruas): Perito Moreno, por exemplo, tem o parque nacional, um pouco longe, tem a cidade, e bem longe tem o glaciar; Fitz Roy, tem o rio, a montanha (pelo menos esses dois são próximos) e a cidade, que fica no litoral de outra província...
· Besteira proferidas pelos últimos dias: as estalactites de merda dos comorales, os lobos-marinhos magaivers (é difícil imaginar o bicho andar na terra, quanto mais subir os morros que sobem!), os aquedutos argentinos não seguem o padrão romano, qual lugar sagrado dos judeus está em El Calafate?
Hasta la vista!
2.
El Calafate, 08 de fevereiro de 2006.