Isso me fez lembrar dele e de um outro autor que considero os maiores fraseadores que conheço (o que não quer dizer muito), e a forma como parecem soltar essas frases em meio às suas narrativas. Imagino esses autores em barulhentos almoços de domingo, todo mundo falando ao mesmo tempo com todo mundo. De repente Borges dá uma breve e baixa pigarreada. A mesa não chega a fazer silêncio, mas as conversas amainam e os ouvidos atentam ao que o escritor tem a dizer. Ele então solta uma das suas frases magistrais, para deleite de todos - mesmo os que não concordam com ela - e a conversa volta a se avolumar, mais rica e animada. Diferentemente vejo Saramago nessa situação. Em meio a toda balbúrdia, o português leva o guardanapo à boca e meio sem graça, como se se tratasse de um arroto, vem uma frase maravilhosa, que muitos correm o risco de não notar, tamanha a discrição.
A conversa com a Paula (a motorista) me fez lembrar de outro bom fraseador, que há tempos pretendia reler - e que o faço agora, empolgado pela carona -, o moçambicano Mia Couto e seu livro Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra. Não sei como ele se portaria num almoço de domingo, mas para não ficar feio tanto falar de frases e não citar nenhuma, duas dele: "Os lugares não se encontram, constroem-se" e "O velho Mariano falou, argumentando tudo por extenso. Que o mundo não mudaria por disparo. A mudança requeria outras pólvoras, dessas que explodem tão manso dentro de nós que se revelam apenas por um imperceptível pestanejar do pensamento".
Campinas, 19 de agosto de 2009
Publicado em www.institutohypnos.org.br