O debate da rede Globo não teve nenhum golpe baixo da emissora contra a candidata petista. Não assisti ao jornal Nacional, mas pelo que vejo nas redes sociais, nenhum revival de 1989 - convenhamos, trechos de Veja sobre a Petrobrás são coisa pouca diante de seqüestradores de burgueses vestindo camisetas do PT (direção de figurino: Romeu Tuma). Isso não impediu de Aécio Neves trajar a plumagem collorida de salvador da pátria e caçador não de marajás, mas de bandidos (dentro da mais pura lógica "aos amigos, tudo, aos inimigos, a lei"), traje usado com menos alarde por Marina Silva nas duas últimas eleições.
Provavelmente por um cálculo publicitário de tentar ganhar aquela parcela da população carente de um líder forte, Aécio buscou posar de homem-panacéia, determinado a sanar todos os problemas do país, pouco importa qual, se da alçada federal, estadual, municipal ou particular (parênteses: não deixa de ser curioso que os maiores defensores do estado mínimo estas eleições fossem justo os que mais pregam a interferência estatal máxima em assuntos de foro íntimo), se atribuições do executivo, legislativo, judiciário ou mercado. Dilma fez o contraponto dentro do seu estilo burocrático (afinal não era ela quem dizia, em eleição passada, que "o Brasil precisa de um gerente"? Ah, não, era o Alckmin), contestando as promessas tucanas com explicações sobre o desenho constitucional e as atribuições do executivo federal.
Espero que a candidata à reeleição tenha sido feliz em seu intento. O que não posso deixar de ressaltar, com grande preocupação, é o discurso de Aécio: homens firmes e salvadores da pátria, há uma razoável lista na história, sempre de amarga lembrança. Por exemplo: a face sombria do governo Vargas de 1930 a 1945: se criou a CLT e lançou as bases da industrialização do país, prendeu e matou uma série de opositores políticos. Ou os militares na ditadura civil-militar da segunda metade do século passado, instituição "forte" a curar as mazelas do país e pô-lo nos eixos.
Em uma eleição caracterizada não por uma mera polarização, mas por encarar o outro não como adversário a ser batido, e sim como inimigo a ser aniquilado, com direito a conflitos de rua, o discurso de Aécio Neves, reverberando uma imprensa adepta de Goebbels, abre um perigoso paradeiro - um fantasma que anda a rondar o globo, ainda que com diferenças da sua versão original, da primeira metade do século XX. Para piorar, é endossado por um dos maiores partidos do país. Torço, no meu humanismo ingênuo, para que, passadas as eleições, o PSDB faça uma autocrítica e chegue à conclusão de que o mais importante não é seu projeto de poder, mas o futuro do país: que haja como oposição dentro dos limites aceitáveis, nas casas legislativas e nas ruas, pedindo investigações, barrando projetos, sem, contudo, desqualificar ou atropelar nossa constituição.
São Paulo, 25 de outubro de 2014