terça-feira, 25 de fevereiro de 2003

O Estado Paralelo

Aprendi logo na minha primeira aula de ética que, pela teoria política que predomina nos dias atuais, o Estado detém três monopólicos, monopólios inalienáveis e que o caracterizam: o da elaboração de leis, o da taxação e o da força.

Não é à toa que o crime organizado no Brasil é chamado de Estado paralelo: ele elabora suas leis, cobra suas taxas e faz uso da força para coagir aqueles que se encontram em "seu território" a obedecer o que lhes é imposto.

Não é o primeiro caso de Estado Paralelo no Brasil. Dos seus antecessores, dois são bem conhecidos: o quilombo de Palmares e a comunidade de Canudos. Algo comum liga esses dois ao atual: todo estado paralelo tem origem na desigualdade e na marginalização de parte da população.

Todavia, se os dois primeiros nasceram e morreram apenas com pessoas marginalizadas e tinham território bem delimitado, o estado paralelo atual é bem diferente: já não possui apenas marginalizados, faz parte do poder legal, contaminando – e muito – seus alicerces, e não possui um território bem definido: seu domínio se estende por todo o país, com alguns nichos, como as favelas.

E o poder desse Estado aumenta dia a dia. Os atentados do dia 24 no Rio de Janeiro são a prova. Talvez esses atentados sejam um ato de desespero, como dizem muitos, por estar havendo baixas importantes nos seus quadros – políticos, policiais, juízes, traficantes e figurões que tem ligação com o crime organizado estão sendo desmascarados –, mas é também mostra do poder de fogo que o crime organizado tem. Outra prova desse poder são as verdadeiras imagens de guerra civil toda vez que a polícia resolve entrar em um dos territórios controlados.

Aumentar a duração das penas, diminuir a maioridade penal, criar penas mais rigorosas – como perigosamente sugerem muitos políticos – não muda absolutamente nada no quadro. Apenas aumentar o efetivo da polícia e equipá-la, tampouco. É preciso que o Estado legal passe a fazer frente ao Estado Paralelo nos seus territórios: criando empregos, áreas de lazer, levando educação, creches, saneamento básico (diga-se de passagem, investir no saneamento básico é matar dois coelhos com uma cajadada só: evita doenças e diminui o desemprego, principalmente entre as pessoas "menos capacitadas"), segurança estatal para esses locais. Necessário também promover uma limpa dos podres do seu quadro burocrático, para que seus alicerces não se deteriorem, tal como hoje ocorre. Por fim, cabe também à sociedade civil sua parte: criar novos valores, que valorizem o ser humano e não os objetos, que valorize a cooperação e não a competição, que não trate o favelado, o marginalizado como um potencial bandido, e sim que busque inclui-lo na sociedade, não apenas como consumidor, mas como agente de transformações e criação de riquezas para país.

Até lá, continuaremos abrindo os jornais e nos deparando com as imagens da guerra civil. E não adianta blindar o carro nem desligar a tv, balas perdidas não escolhem suas vítimas.


Campinas, 25 de fevereiro de 2003

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