sábado, 20 de fevereiro de 2010

Pequenas crenças

Sei que não é novidade alguma, de qualquer forma me espanto toda vez que me dou conta do quanto nossas crenças nos dão chão. Não falo aqui das grandes crenças – em Deus, na ciência, na razão, na humanidade, na arte, na literatura, na dúvida –, mas das miúdas, bem pequenas e rasteiras, como a de que conhecemos a pessoa que está na nossa frente e com quem conversamos.

Conversava eu com uma velha amiga, a Paula, que está de partida para estudar na França. Eu estava hospedado na casa dela e tomávamos café da manhã – ela depois de mais uma noite de insônia, por conta da expectativa da viagem. Tratávamos de um assunto qualquer, acho que dos seus seis cachorros. Em dado momento ela falou: “Minha irmã não é assim, eu até digo para ela: Paula, pára”. Nessa hora, me veio um certo assombro, que me fez perguntar de imediato, quase instintivamente: “tua irmã se chama Paula?”. Eu estava pronto a arremedar que desde sempre havia chamado ela pelo nome errado, quando me dei conta de que se a irmã da minha amiga se chamasse Paula, o nome dela só podia então ser… qual era o nome dela? Por um breve instante me senti sem chão e meu cérebro partiu em disparada em busca de qualquer referência, qualquer ponto de apoio para que conseguisse me localizar onde estava e com quem estava.

Durou pouco essa diferente e angustiante sensação. Logo a Paula, também surpresa, consertou: “eu chamei minha irmã pelo meu nome? Nossa, que coisa!”, e reclamou uma vez mais das noites mal dormidas, antes de retomar o que contava, chamando sua irmã pelo nome certo.


Campinas, 20 de fevereiro de 2009

publicado em www.institutohypnos.org.br

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