Richard
Dawkins questiona algures o que não seria da física e da ciência
se Newton tivesse se dedicado integralmente a ela, ao invés de ter
perdido tempo com discussões estéreis, como as sobre religião. Não
lembro se ele faz a mesma pergunta sobre Einstein, Heisenberg e
outros físicos e cientistas da primeira metade do século XX. De
qualquer forma, chuto uma resposta à sua pergunta: se Newton tivesse
se abstido das atividades extra-científicas, assim como os grandes
cientistas da primeira metade do século XX, em geral bastante
engajados politicamente, teria sido tão medíocre quanto a grande
maioria dos pesquisadores da atualidade.
A
intelligentsia acadêmica brasileira (para ficar na parte tida por
pensante da sociedade) não é nenhum Richard Dawkins, mas bem
gostaria de sê-lo: ter panca de inteligente e intelectual, morar na
Inglaterra, dando aula para ou tendo como colegas pessoas com boa
formação, convivendo com gente “civilizada”, enfim (salvo
eventuais hordas bárbaras, como a de agosto). Claro, não precisa
ser ateu – apenas pró-ciência e anti-comunista.
Novo
protesto na USP, e lá vemos novamente as mesmas manifestações dos
bons cientistas da universidade e dos homens de bem de nação, criticando
os baderneiros que não querem estudar e atrapalham o bom andamento
da ciência tupiniquim.
Afinal,
conforme ranqueamentos internacionais, da TopUniversities,
para ser mais exato, a USP é a melhor universidade latino-americana,
e a 169º do mundo. Não que eu ache que esses rankings sirvam para
muita coisa, mas nossa intelligentsia certamente se guia por ela –
publicações, prazos, congressos, papérs,
bolsas, tudo é feito em função do que os gringos dizem que é bom.
É
de se questionar, portanto, onde não estaria a USP, não tivesse
todos os incômodos causados por esses alunos que fazem protestos,
greves, ocupam prédios.
Bem... talvez estivesse fora do ranking das 200 melhores: dos nove
cursos que aparecem entre os 200 melhores, nas diversas áreas, seis
– filosofia, sociologia, história, lingüística, ciência
política e geografia – são da FFLCH. E se esses alunos estavam
fumando maconha e fazendo greve, é de se questionar, então, o que
estavam fazendo os demais dos 198 programas de pós da USP.
Assistindo tevê, lendo Folha e Veja?
Surpresa?
Não deveria ser. A ciência pura pode até existir (não vou entrar
nesta questão), mas o cientista puro, certamente não. Não por
acaso, quando a Science publicou reportagem sobre a ciência no
Brasil, quem ganhou destaque não foi a Fapesp e seus quase 800
milhões de reais – que não mereceu uma mísera linha –, e sim
um cientista que faz bastante alarde político – ainda que questão
de política científica, mas com uma visão bem menos tacanha de
ciência que Brito Cruz, ou demais coronéis da ciência paulista –,
Miguel Nicolelis.
Esta ocupação de prédios na USP poderia ser uma ótima
oportunidade para esses pesquisadores fazerem uma auto-crítica
(proposta ingênua, eu sei): ao invés de desqualificarem o outro,
entrarem realmente no debate – não é obrigado a concordar com a
atitude, contudo, é radicalmente diferente negar a política, exigindo logo a ordem e a autoridade –, e admitirem: pessoas, mesmo as
diferentes, as chatas, as que usam vermelho, as que fedem,
eventualmente podem ter mais assuntos e ser mais interessantes do que
ratos e átomos.
Pato Branco, 06 de novembro de 2011.
9 comentários:
Absurdo é achar que as leis existentes no país não valem dentro dos campus das universidades. Concordo que autoritarismo não leva a nada, dialogar é importante, mas sempre é assim, os alunos lutam pelo direito de fumar seu baseado livremente dentro do campus. Seu comentário também é bastante simplório quando resume todos "cientistas brasileiros" a meros hipócritas medíocres. Creio sim, que enquanto esses baderneiros (sim!) faziam todo o movimento, havia (sim!) muita gente trabalhando nos laboratórios, em suas casas em cima de ciência pura, como cientistas puros (conheço gente sim, que dedica suas vidas quase que exclusivamente à ciência). E sinceramente, alguns devaneios sem pé nem cabeça sob a névoa de um baseado não são os responsáveis por fazer uma USP ou Unicamp o que são, isso é utopia.
Reducionismo e ignorância achar que os protestos na USP se resume a baderna e baseado. Francamente!
A ebulição é parte sim da vida acadêmica. Polícia MILITAR no campus e ainda por cima truculenta mal treinada e brucutu é que não faz.
E por que será que esse rapaz ou moça que apoia tanto a "ciência pura" entrou como Anônimo. Mostra a cara, ô. Tá com medo de assumir a sua posição?
Achei o texto bastante interessante,sim. Afinal, aqui é um blog e não uma plataforma de pesquisa ou um laboratório de ratos. Valeu por ajudar a refletir sobre essas coisas.
Hoje os alunos que são contra a PM no campus estão ERRADOS pq não podem reivindicar o direito de uso de maconha. E quando a maconha for liberada? Só então eles terão sido CORRETOS?
Obrigado pelo elogio, Rejane!
Gostei do texto Daniel. Disse tudo. E comprovou. Sou professor. Por medo de represálias dentro da USP, não me identificarei. A coisa estava ruim e pode ficar pior.
Parabéns.
P.
O fato de que a organização e o controle de populações inteiras, tanto na paz quanto na guerra, tornou-se, em sentido estrito, um controle e organização científicos (dos aparelhos domésticos técnicos mais comuns até os mais sofisticados métodos de formação da opinião pública, da publicidade e da propaganda) une inexoravelmente a pesquisa e os experimentos científicos com os poderes e planos do establishment econômico, político e militar. Consequentemente, não existem dois mundos: o mundo da ciência e o mundo da política (e sua ética), o reino da teoria pura e o reino da prática impura - existe apenas um mundo no qual a ciência, a política e a ética, a teoria e a prática estão inerentemente ligadas. (Marcuse - A responsabilidade da ciência)
Seu texto é sensacional! Parabéns pela Lucidez das suas palavras!
será que tem muita gente como esse "anónimo" aí, que não entende que, nem sempre trabalhar no laboratório é legal? quero dizer, o trabalho no laboratório pode estar associada ao desenvolvimento da mais alta tecnologia, mas isso não tem nada a ver com algum valor. porque estamos discutindo valor político, ético e mesmo teórico de um trabalho, não seu valor em $. assim, não adianta elogiar o trabalho no laboratório, ou seja onde for, é preciso desenvolver...para formarmos alguma ideia de valor num trabalho; por exemplo, por que alguém que trabalho num laboratório seria melhor do que aquele que trabalha nas relações sociais (na sociedade)? ao ler o comentário desse "anónimo", pensei que não seria tão óbvio assim que é preciso desenvolver mais perguntas como essa. enfim, qual é o problema de alguém conseguir exercer mais de uma atividade, como supostamente fez newton?
de resto, daniel, esse texto saiu mais inspirado do que alguns outros! valeu, abraço, rafael.
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