Como acontece muitas
vezes, não precisei pensar na crônica: ela quem surgiu
espontaneamente (era sobre a entrevista do secretário de educação
de São Paulo). Tendo identificado os pontos de ancoragem da
argumentação, abri o Open Office e, diante do branco da tela, meu
trabalho era conseguir que os pensamentos mantivessem a velocidade
dos dedos, que passeavam rápida e familiarmente pelo teclado. Findo
o primeiro parágrado, como se estivesse em uma encruzilhada,
precisei decidir a ordem da exposição, o impacto e os
desdobramentos de cada argumento. Foi então que estanquei: ao pensar
no meu interlocutor ideal, me veio a constatação de que eu já não
possuía meu principal leitor - ele, que seguidamente usava minhas
crônicas de gancho nas conversas, seja para complementar, para
acrescentar ou para contestar pontos específicos. Nosso espectro de
concordância era grande, e o respeito nos pontos dissonantes também:
ele devia me achar muito moderado, eu o achava muito radical, pouco
atento às forças envolvidas nos embates políticos. De qualquer
forma, estávamos numa esquerda bem longe do centro e a prudente
distância de extremismos apedeutas. Ali, diante do primeiro
parágrafo escrito e com o resto da análise apenas precisando de
meus dedos, me perguntei por que eu escrevia, para quem eu escrevia.
Dos porquês, dois deles eu tenho muito claro desde longa data:
porque gosto e porque me ajuda a organizar e entender o mundo que me
cerca - social como interno e afetivo. O para quem me soou uma
pergunta que eu nunca havia me posto. Não era para mim, que os
textos escritos para mim eu nunca publico. Me lembrei de uma conversa
com uma antiga terapeuta. Eu apanhava para conseguir escrever o texto
de qualificação do mestrado, basicamente por conta de preocupações
formais excessivas: eu fazia uma leitura quase estruturalista d'A
Sociedade do Espetáculo; e tinha como objetivo escrever a
dissertação o mais rigorosa possível, mas numa linguagem que meu
pai fosse capaz de ler e entender (e não se entediar). A terapeuta
não entendeu por quê meu pai, achou que era qualquer coisa
psicanalítica, de filho dependendo da aprovação do pai. Precisei
me explicar: meu pai não possuía curso superior, não tinha um
conhecimento especializado (academicamente falando), mas muita
leitura, vasto campo de interesse, e uma cultura geral bem acima da
média (academicamente falando também). Eu poderia escrever uma
dissertação hermética difícil árida que a banca (Peter Pal
Pélbart, Jeanne Marie Gagnebin e Vladimir Safatle) compreenderia sem
qualquer dificuldade; mas preferia alcançar um público mais amplo,
ainda que qualificado, que não necessitasse de simplificações dos
conceitos, apenas um texto minimamente aprazível à leitura, talvez
uma ou outra explicação mais detalhada de pontos mais complexos.
Meu pai foi o representante imaginário desse público - para minha
dissertação e para a grande maioria das minhas crônicas. Isso não
quer dizer que eu escrevia para ele, escrevia para o mundo - mas um
mundo ideal feito de Dejanirs. Não apenas isso: ele era de fato meu
leitor e interlocutor privilegiado - ou talvez eu fosse o escritor e
interlocutor privilegiado dele. E agora, o que fazer? Eu sabia como
seguir com a crônica, mas ao pé daquele primeiro parágrafo, a
ausência dele fez com que perdesse o sentido continuar a escrever.
Escrever para quem? Lembrei que todo meu interesse por política era
clara influência dele - assim como minha vontade de saber sobre tudo
(ou quase) e meu apetite por livros. Na ausência de quem, achei um
novo quê para justificar minha crônica - e as vindouras. Como
homenagem: não tenho mais sua interlocução, porém ainda posso
mostrar ao mundo parte da herança que ele me deixou.
29 de novembro de
2015.
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