segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Sem perspectivas de teletrabalho, Goreti parte para a ação direta [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça]

Já contei alhures da mudança de diretor geral e o fatídico episódio da máquina de café - e esqueci de complementar: o liberal engomadinho que agora segura o “chicote da motivação” não deu conta da pressão dos funcionários e três dias depois estavam as máquinas funcionando normalmente. Nenhuma novidade efetiva desde então (parece que ele resolveu tirar férias neste fim/início de ano, apesar de estar recém começando na função), porém as fofocas já correm a mil. Elas vão de cortes no pessoal à contratação de novos funcionários, passando pelo diz-que-me-diz que a promessa de que o dia (um mísero dia na semana de cinco dias!) de teletrabalho não acontecerá tão cedo. 

Claro que ficamos indignados. Comentamos pelos cantos sobre nossa frustração com essa possibilidade, compartilhamos textos sobre o assunto, sendo o mais interessante o do Hamilton Carvalho, “O problema do home office” (https://www.poder360.com.br/opiniao/o-problema-com-o-home-office/); e xingamos muito no Bluesky (no Whatsapp estamos nos segurando um pouco, vai que Zuzu já esteja vendendo conversas em seus detalhes para quem estiver disposto a pagar?). Goreti, contudo, não é de ficar se queixando na cadeira e partiu para a ação direta.

Hoje ele estava com um comportamento estranho: chegou com uma grande mochila e de tempo em tempo verificava a hora e saía da sala. Nos olhamos curiosos, mas preferimos não falar nada num primeiro momento: estava agitado e parecia preocupado. Meia hora antes do horário de almoço começamos a sentir um apetitoso cheiro de tender - certamente saído do refeitório, que fica no meio do corredor. Foi então que Goreti tirou da mochila uma pequena panela de arroz e uma sacola de mercado e saiu novamente da sala. Dessa vez não me aguentei: fui atrás dele.

Fomos até o refeitório (que além de microondas é também servido de um forno elétrico), e eis que o nobre colega estava fazendo um tender, e agora iria preparar o arroz. Perguntei o que era aquilo, ao que me respondeu:

Já perco as manhãs de sábado fazendo faxina na casa, cansei de perder também as de domingo cozinhando pra semana. A partir de agora, vou economizar nas contas da casa usando a estrutura que a empresa nos oferece. Se não teremos teletrabalho, que lidem com isso. Já é muito que eu trouxe a lentilha pronta de casa.

Do bolso sacou um papel em que mostrava a economia que teria ao não usar sua cozinha. E da sacola tirou alface, tomate, cenoura, brócolis, uma tigela e vinagre. A alface e o tomate deixou de molho; o brócolis e a cenoura pôs na parte para fazer legumes no vapor da panela de arroz. E voltou ao trabalho.

Na hora da refeição, causou frenesi no refeitório seu banquete. Nós crescemos os olhos e perguntamos se ele não iria dividir com os colegas, ao menos os da bancada. Ao que o nobre colega, para além da humilhação que era seu cardápio, respondeu com sua habitual muquiranice argumentativa:

Não.

Foi só depois de insistirmos explicou que seria sua marmita dos dias seguintes. Mas nos deu a deixa:

Amanhã o forno estará liberado, é só trazer o frango ou a carne já temperada.

E ainda ofereceu a panela de arroz, desde que dividamos o custo do insumo e a lavemos.

Ninguém por enquanto decidiu entrar na ação direta iniciada por ele, mas tem gente pensando seriamente em aderir. Um pessoal, inclusive, tem conversado animadamente em usar o forno para fazer bolo ou pão, para o lanche da tarde. Se isso vai comover a diretoria a instaurar o teletrabalho, não sabemos, mas nosso expediente promete ser cheiroso.


13 de janeiro de 2025


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.


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