segunda-feira, 9 de junho de 2025

Usos alternativos da escada de emergência [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça]

 O clima não anda muito bom na empresa. Não que isso seja novidade - e nem é culpa especificamente da empresa (mas é também). “Não há trabalho ruim, o ruim é ter que trabalhar”, já dizia o Seu Madruga. Mas sempre dá para piorar. Dunker e Safatle apresentam o neoliberalismo, no nível micropolítico, como forma de gestão do sofrimento psíquico - a tal qualidade de vida que o modelo de gestão de pessoas 4.0 apregoa é coisa do passado, se é que algum dia existiu de verdade tal preocupação por parte das empresas (eu acho que sempre foi uma mentira). Atualmente, devem seguir uma versão corrompida dos dois fatores de Herzberg, as melhores, quando não é a lógica do chicote no lombo, mesmo.

Mas por que toda essa introdução? Hoje Goreti chegou com uma garrafinha nova. Um emoji feliz e os dizeres: “Uma garrafinha feliz, porque o resto aqui é só tristeza”. Ousado. Temero. Eu receio a hora que o chefe a veja. Talvez abra um sorriso sarcástico e pense “vamos apertar a coisa, para ele ver o que é tristeza de verdade”, e use seus conhecimentos de coach para assediá-lo. Ou seja mais direto e ofereça a porta da rua, caso ele esteja descontente - com certeza não vai demiti-lo, porque vai ser difícil achar alguém para substituí-lo. Mas pode ser que nada disso aconteça: ele não veja a garrafinha e vida que segue, em doses homeopáticas de assédio e ranço. Goreti já distribuiu exemplares do Manifesto Proletário, do Capirotinho, e até agora nada aconteceu - a não ser formas difusas de boicote, apesar que eu preferiria uma revolta, com coquetéis molotov, fascistas e militares pendurados de ponta cabeça e tudo o mais. Como isso não está no horizonte, nos resta as recusas silenciosas.

Está ruim para nós, mas está ainda pior para Shôri, colega do setor ao lado, apresentada a mim e a Macedo pelo Fernandez, Colega do Topo (que anda meio sumido). Fora os assédios no trabalho, ainda tem que dividir o fumódromo com a chefe - que faz questão de ir pouco depois de ela sair -, que aproveita o momento de relaxamento para cobrá-la mais por mais resultados (não foi engano o duplo mais). Cansada disso, Shôri passou a fumar escondida na escada de emergência - onde não há câmeras nem detectores de fumaça -, ao menos algumas vezes.

Pois estava ela, semana passada, terminando seu cigarro quando escutou um barulho estranho, alguns andares abaixo. Foi até a fonte de ruído e encontrou a funcionária de algum outro setor sentada, chorando.

Aconteceu alguma coisa? Está tudo bem?

Está tudo bem - foi a resposta em meio ao choro e soluços, e Shôri decidiu não insistir: se ela disse, está dito.

Voltou para o trabalho e refletiu: eis um bom uso para as escadas de emergência, sempre vazias (ou quase): melhor que chorar no banheiro, onde tem que segurar para não fazê-lo alto. Mal terminou seu raciocínio e resolveu aceitar a realidade, não a resposta: era óbvio que a moça não estava bem. Pegou um copo d’água, algumas folhas de papel toalha, uma barra de chocolates que guarda para emergências e foi ao encontro da mulher, que seguia chorando.

Olha, não sei o que aconteceu, mas te trouxe isto.

Foi aí que a mulher desandou a chorar de vez e contou do último episódio de assédio recebido. Nada de novo sob o sol, nem sob o teto da empresa; só uma gota a mais no co(r)po cheio.

Pois hoje estávamos conversando na escada de emergência quando escutamos uma voz:

Achei mesmo que fosse te encontrar por aqui! 

Pronto, a chefe encontrou Shôri, e vai tomar um sabão por estar fugindo do trabalho - além da advertência por estar fumando em local proibido. E eu vou de carona, mesmo sendo apenas fumante passivo. Nos viramos e demos com duas mãos segurando uma caixa de bombons.

Obrigada pelos chocolates.

Shôri mal teve tempo de agradecer, a mulher saiu, quase uma assombração, assim como chegou.

Pois é... um texto sem graça, mas achei gracioso o gesto de ambas.


09 de junho de 2025

segunda-feira, 2 de junho de 2025

Imprensa: a quinta-coluna do projeto autoritário da direita

De um lado, os grandes veículos de imprensa dizem defender a democracia. De outro, abrem espaço para os Bolsonaro darem sua distorção dos fatos - mesmo quando é inconteste a participação na tentativa de golpe de estado de 8 de janeiro - e fazerem política, mantendo sua relevância no cenário político nacional. Por outro lado, ainda, dia sim, outro também, apresentam Tarcísio como alguém de uma direita moderada, mesmo sabendo quem ele é - assim como sabiam quem era Bolsonaro, sendo a conversa de “uma escolha muito difícil” apenas um subterfúgio para não assumirem logo que a democracia é um detalhe irrelevante para os donos dos poderes.


O paradoxo da tolerância, de Karl Popper, é conhecido dessa imprensa, e não tem como dar a ela o benefício da dúvida, de que não saberia que tolerar (e dar voz) aos intolerantes põe em risco a própria tolerância que é um dos pilares de uma sociedade democrática e liberal.

O que essa imprensa também sabe é o modus operandi da nova extrema-direita, seja pelo que vivenciou durante a presidência de Bolsonaro, seja com o que acompanha nos EUA, com Trump: sem nenhum princípio republicano, persegue quem não se submete a seus desígnios e os adula: a única imprensa que eles aceitam é a que dá a versão oficial dos fatos. Investigação? Só se for dos adversários do governante, convertidos em inimigos.

O que a grande imprensa tem feito, portanto, é investimento futuro, sem riscos de perdas: sabendo do republicanismo de Lula e do PT (republicanismo de almanaque, de tão distante das lutas políticas que atravessam o país, diga-se de passagem), fustiga o governo sem dó nem ética, distorcendo dados e notícias favoráveis e criando factóides para desgastar o governo. Fazem-no porque tem a tranquilidade de que publicidade oficial continuará caindo na conta, apesar de fazerem mau jornalismo (se é que o que fazem é jornalismo). 

Se Lula ganhar em 2026, não tem problema, a vida segue normal, sem reação do Planalto. Se a extrema-direita ganhar, tem o cartão de visitas a apresentar ao próximo presidente: foram uma quinta-coluna no enfraquecimento da democracia e podem continuar sendo agraciados com verbas publicitárias governamentais. Isso para não falar no agrado que fazem aos donos do capital que vandaliza o país, visto que a plataforma da nova direita para países periféricos é o capitalismo de butim - vide as privatizações da era Temer/Bolsonaro, como da Petrobrás, e agora a privatização da Sabesp por Tarcísio -, sem nenhuma preocupação com desenvolvimento econômico ou social.

Há quem questione se apoiar um projeto autoritário, ainda que com verniz democrático, não seria um tiro no pé da imprensa. De modo algum! Quem sucumbiria não seria a imprensa e sim o jornalismo. As empresas seguiriam lucrando - e colaborando com a repressão -, como foi durante a ditadura militar-empresarial de 64-85.

Quem precisa estudar um pouco mais sobre o paradoxo da intolerância é o PT e o governo.


02 de junho de 2025