sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Tikal, a altura do tempo [Viagem à Guatemala]

 Três vezes por semana costumo ir à pé para o trabalho - são quarenta minutos de caminhada. Todos os dias subo os sete andares até onde trabalhava (uma semana antes das férias fomos transferidos para o vigésimo quarto andar). Isso para dizer que não estou tão fora de forma e que o passeio a Tikal é mesmo exigente, como subir as escadas até o templo IV, de setenta e cinco metros (os vinte e quatro andares que pretendo começar a subir todos os dias), depois de já ter subido outros três templos e o observatório astronômico, de alturas consideráveis, sem falar nos templos mais baixos, mas com degraus grandes, que forçam ainda mais as pernas. Ademais, ao fim, meu relógio marcava  doze mil passos, o que dá entre oito e nove quilômetros.

Tikal é a maior ruína maia da Guatemala, com milhares de construções - muitas delas ainda por escavar.

À chegada, apenas o vislumbre dos fundos do templo do Jaguar já impressiona. Impressiona é pouco, não acho palavras para descrever a sensação de quando vejo o paredão de pedras com sua cúpula por entre árvores, enquanto o guia Carlos ainda dá explicações gerais sobre a organização da cidade. Eu preciso de silêncio para processar - e há um tipo de silêncio ali que não é feito de ausência de sons. E mesmo agora é difícil pôr em texto (minha capacidade como escritor é limitada, ainda mais por não ser poeta). Se eu fosse minimamente místico, eu poderia me referir à energia do local - porque, sim, há algo que impacta para além do racional: um local grandioso demais, com histórias demais, com detalhes demais, com mistérios demais para eu dar conta de entender minimamente a importância com minha vida estreita de classe média remediada.

Fundada ainda antes da era comum, vivendo seu apogeu no período clássico da cultura maia (200 a 900 dC), e abandonada logo em seguida, Tikal chegou a ter trinta mil habitantes internos, numa população total de duzentas e cinquenta mil pessoas. Conforme Carlos, a cada cinquenta e dois anos (quando o calendário solar e o lunar-religioso se encontram) se suplantava o tempo e o templo anterior, por um mais largo e mais alto. É de se imaginar quantas gerações não construíram seus templos sobre outros ali, e qual tamanho não teria se a cidade tivesse persistido.

Nas décadas de 1950 e 60 foi escavada por missões científicas estadunidenses da universidade de Pensilvânia que, claro, saquearam o que encontraram, de objetos quotidianos e rituais a frontões de templos. Restaram os templos - porque não deu para levar. Mas um deles, o de face sul na praça central, me conta Carlos, desmoronou por conta dos túneis das escavações científicas. O Ocidente agindo como Ocidente - Lia diria: branco fazendo branquice. 

Desse desmoronamento é possível ver outras camadas de construções, com suas máscaras grandiloquentes: os novos templos eram construídos sobre os antigos, sem destruí-los, apenas adicionando novas camadas. 

Ainda na praça central, subi no templo das Máscaras, com cerca de quarenta metros de altura. Tratava-se de um local que era exclusivo para sacerdotes e do seu alto dá para sentir o poder dessa posição: abaixo pessoas diminutas, à frente, fazendo vez ao seu tamanho, o templo do Jaguar. E no horizonte, a floresta e o peso de milhares de anos de história.












05 de dezembro de 2025

terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Entre ruínas [Viagem à Guatemala]

Reconheço uma grande atração por ruínas. Não sei explicar bem o porquê. Acho que é poder presenciar esse gládio entre o ser humano e o tempo, entre o esquecimento e a obra humana. Pois hoje descobri que ruínas também podem ser uma pugna entre a natureza e a nossa ambição de imortalidade.

A primeira parada do dia foi em Iximché, ruínas de uma cidade maia do pós-clássico, fundada em 1470 e abandonada menos de cem anos depois, após ser conquistada pelos espanhóis - foi a primeira capital da Guatemala, por breve tempo.

A cidade é cercada por escarpa em três de seus lados, e era no baixio dessa montanha que viviam as pessoas “normais”, em casas simples das quais não resta nada. Me chama a atenção o poder da ideologia nesse caso: essas pessoas atendiam aos interesses do rei, dos sacerdotes e da nobreza, sem ganhar objetivamente nada em troca - diferentemente da Europa, onde se oferecia proteção física por servir ao senhor feudal, por exemplo.

De parte das construções, restam apenas as plataformas sobre as quais se erguiam templos, casas e palácios. Outra parte foi tomada pela natureza. Ainda assim, o ser humano insiste, e no final do sítio arqueológico, no último templo da última praça, presencio dois rituais maias em honra aos antepassados - o que já era previsível, visto o cheiro de fumaça que impregnava todo o sítio (havia um terceiro, que me pareceu para turista, visto que eera apenas uma indígena cercada de gente branca) .

A segunda parada foi em La Antigua, por muito tempo a capital da Capitania da Guatemala, e patrimônio histórico da humanidade pela Unesco. A cidade está engessada - segundo William, não se pode construir ou derrubar nada -, mas isso não significa que seja uma cidade morta, numa vida artificial para turistas (como foi minha sensação com a cidade velha de Cartagena de Índias, na Colômbia [http://bit.ly/cG230301]): pessoas moram ali, há uma vida que se desenrola para além do turismo.

Das trinta e seis igrejas que haviam na cidade, restam dezesseis - todas restauradas ou em processo de restauração. Contudo, se as ruínas de Iximché foram tomadas pela natureza depois do abandono, aqui a natureza primeiro transformou parte da cidade em ruínas, por conta dos terremotos, até ela ser abandonada por ordem real - em um processo que levou dez anos - , para voltar a ser ocupada anos depois: “se querem ver as obras que haviam nestas paredes, visitem as igrejas da capital”, no diz William.

Creio que as três construções de destaque da cidade são a igreja de La Merced, uma igreja do barroco antiguenho, de proporções estranhas, uma vez que é baixa e bastante larga; o Arco de Santa Catarina, uma ponte por onde religiosas podiam cruzar a rua sem serem vistas, e com isso sem descumprir seu voto de reclusão, e a catedral de San José.

Desta última, o nártex (o hall de entrada da igreja) foi reconstruído e transformado na nave igreja. É modesta, ainda mais diante do tamanho de suas ruínas, com quase cem metros de comprimento. Nela, me salta aos olhos um Cristo negro. Seria sua cor original?! Nos trabalhos de restauro, descobriu-se que era branco e foi enegrecendo com o tempo. Porém, por conta da fé viva que em torno dele, decidiram mantê-lo tal qual está hoje: uma vez por ano fiéis de várias localidades - inclusive Oaxaca, no México - vêm até aqui por conta dele: “o Deus que quis ser moreno como nós”. 

Na parte de ruínas da catedral, como em outras ruínas daqui que visitei, muitas colunas e paredes reconstruídas - segundo William, ainda é restauro se for menos de 50% do edifício reconstruído. Certamente deve haver questões estruturais que justificam muitas dessas intervenções, outras, como em paredes laterais, me parecem um desejo de retomar a antiga forma, de disfarçar a obra da natureza e do tempo - e acabam por mostrar nossa pequenez diante de nossos sonhos de grandiosidade.


02 de dezembro de 2025










segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

Miyazaki na Mesoamérica [Viagem à Guatemala]

O segundo dia amanhece claro e tomo meu café da manhã diante da imponência dos 1.500 metros dos vulcões Tolimán e Atitlán. O roteiro é tomar uma lancha e visitar duas localidades que beiram o lago Atitlán.

A primeira cidade foi San Juan La Laguna. Visitamos uma cafeteria que produz o próprio café, uma loja de chocolate que produz o próprio chocolate - mas não o próprio cacau, que ali não é região cacaueira -, e uma cooperativa de tecelãs que eventualmente produz os próprios fios de algodão - e o tingem artesanalmente, a partir de plantas.

Em Santiago Atitlán (e sempre que ouço esse santo me lembro do curioso caso que é Tiago e Jacob terem a mesma origem), visitamos uma igreja de 1547, com o teto destruído por algum dos terremotos que atingiram a região (substituído por telhas galvanizadas) e cujo átrio defronte, amplo e desocupado, me remeteu às paisagens de De Chirico (e quem me conhece sabe o quanto sou fã desse pintor), porém com o horizonte terminando não no infinito, mas no vulcão Tolimán.

As ruas de Santiago são ruas perfumadas por diversos cheiros - tortillas sendo assadas, temperos, frutas, churrasco -, e as mulheres, como em Chichicastenango, via de regra, estão com trajes típicos - e, novamente, não me parece que seja para performar para o turismo, pois não me parece que milho, sapoti ou produtos de limpeza tenham muito apelo junto aos turistas. 

A outra parada que fizemos na cidade fomos de tuc tuc - uma espécie de moto táxi de três rodas - a uma favela, onde adentramos por uma viela até chegar a uma casa particular. Nessa casa estava a imagem do Gran Abuelo, Rilaj Mam, um santo popular, de origem maia, protetor local, que a cada ano ganha uma máscara nova e fica na casa de um dos membros da confraria. É um dos poucos aspectos em que notei homens tomando a dianteira na manutenção da tradição - e isso dentro de uma aura de grande mistério e círculo fechado. Em geral, o que percebo é que na insistência de aspectos culturais maias no quotidiano são as mulheres que surgem como as principais guardiãs.

Na volta, na lancha, a tarde já caindo, e a mesma neblina solar vai tomando conta do lago. Me sinto numa animação de Miyazaki adaptada para a mesoamérica: os vulcões Tolimán, Atitlán e San Pedro no lugar do monte Fuji, santos populares ocultos em máscaras misteriosas no lugar de grous e mulheres com Huipil e Faja, no lugar de quimono. E uma mesma poesia realisticamente irreal no ar.


01 de dezembro de 2025

domingo, 30 de novembro de 2025

Neblina feita de sol [Viagem à Guatemala]

Hoje, sim, começa minha viagem! O itinerário do pacote, digo. Ontem foi apenas chegada, uma sucessão de pequenos infortúnios (que ganharam outra dimensão por conta do cansaço e da expectativa) e uma visita ao interessante Museo Nacional de Arqueología y Etnografía - e o que ali vi acho que vai se tornar mais interessante conforme o avançar da viagem.

William, o guia, chega ao hotel com a pontualidade do carteiro de De volta para o futuro (não lembro se o 2 ou o 3). No carro, meus companheiros de viagem: um geólogo chileno e dois casais espanhóis. Aparentemente, somente eu, William e Wilson, o motorista, ainda trabalhamos - mas eu estou de férias.

No trajeto, William mostra grandes dotes para manter uma conversação: pulando de assunto aleatório em assunto aleatório, de origem do café à produção industrial brasileira, sem deixar de saber sobre a guerra civil guatemalteca e detalhes aprofudados sobre os maias, e passar pela problematização do termo “povos originários”.

Noto que fala com propriedade ou com dose de cuidado, não parecem dados simplesmente decorados ou erudição oca. Descubro, depois que é historiador, já participou de escavações arqueológicas e sabe um básico de hieróglifos maias. Além de ser guia turístico. Mas ele conta que queria mesmo era ser engenheiro agrônomo.

A primeira parada é em Chichicastenango, em El Quiché, cidade média, conforme William. Quarenta mil habitantes, sendo uns cinco mil na cidade. Isso, 40 mil. Meia Pato Branco. Um cidade média para os padrões guatemaltecos, portanto. Sigamos. A grande atração que fomos ver, a feira de domingo (e quintas) é um tanto cheia e caótica: numa quadra de esportes ocorre a feira de frutas e legumes, ao redor, em corredores estreitos, se organiza uma feira de itens diversos - para turistas e para locais -, quase uma Liberdade de domingo - o que muito me angustia.

Uma primeira coisa que chama a atenção e o guia reforça: as mulheres usam vestes parecidas (mas não iguais!), o mesmo traje típico, de origens maia, vermelho escuro - e, não, não é performance para turista tirar foto. Noto que uma ou outra usa traje azul. William explica: são de outra localidade, por isso a mudança de cores.

A feira ocorre entre duas construções religiosas do século XVI: uma a leste, com portas para oeste, portanto, a igreja de Santo Tomás; a outra, a oeste, com porta para o leste, a capela do Calvário, que tem missa apenas uma vez ao ano, dia primeiro de novembro. Ambas estão, separadas por pouco mais de cem metros e foram construídas sobre templos maias - por isso a precisão dos pontos cardeais.

Fora delas, muita, mas muita fumaça. Por obra do sincretismo religioso local, queima-se muita coisa em oferenda aos antepassados, e a fumaça é a forma de conduzir tais elementos ao mundo superior: velas, incensos, rum, cacao... a queima é feita do lado de fora porque a igreja tenta limitar até onde pode ir esse sincretismo, ao menos dentro de suas portas. Tenta, porque a fumaça adentra o templo de qualquer modo, fazendo dos afrescos nas paredes quase borras negras. Achei curioso que no centro das naves há elevações para se queimar velas - uma tentativa de “domesticar” os hábitos maias, substituindo toda a riqueza de oferendas e cheiros pela pasmaceira das velas? Na capela do Calvário, uma mulher reza sobre a imagem de Cristo como se fosse o próprio velório acontecendo. No convento anexo à igreja de Santo Tomás, uma placa indica que ali, no início do século XVIII, foi encontrado e traduzido o Popol Vuh, livro da cosmologia maia.

Nossa segunda parada em um taller de maíz. Uma casa simples, típica, paredes de adobe, pintadas, chão de terra batida e, o que me chamou a atenção, colunas com capitéis simples. Vimos como se mói o milho manualmente, conforme técnica ancestral, para depois preparar as tortillas, alimento típico, com uso equivalente ao pão.

Ali também fomos apresentados aos quatro tipos de milho cultivados e seus significados na cultura maia: o branco, que simboliza o ar, a pureza, os acestrais; o amarelo, que simboliza a luz, a vida; o preto, que simboliza a noite, a fertilidade; e o vermelho, que simboliza o sangue e o fogo. Por conta dessa represetanção, o milho vermelho é consumido apenas em situações rituais, sendo mais dedicado, por isso, à alimentação animal. Achei curioso, esses usos extremos do mesmo alimento: do mais elevado, o uso ritual, ao mais baixo, o uso animal, como se fosse um ciclo que se fechasse, com o ser humano no meio. 

Seguimos viagem até o lago Atitlán. Um lago vulcânico, com certa de 130 km² e 340 metros de profundidade, a 1.500 metros de altitude. Surgido de uma enorme erupção vulcânica, há 100 milhões de anos, ele hoje é circundado por alguns vulcões - há tempos inativos.

Chegamos perto do fim da tarde, uma estranha neblina cobria o lago, uma neblina que parecia feita de sol.

A visita ao lago ficaria para o dia seguinte.


30 de novembro de 2025

sábado, 29 de novembro de 2025

Merda! [Viagem à Guatemala]

Merda! No teatro de fala assim para desejar que o que é para dar errado, dê antes de entrar no palco. Merda! Eu devia ter dito isso antes de sair de casa para minha viagem de férias, não depois. 

Saí mais cedo com pegar o trem para o aeroporto de Guarulhos, justo para, na eventualidade de qualquer merda acontecer, ter tempo de resolvê-la. E assim foi. Já estava na Luz quando me dei conta de que havia esquecido a doleira. Um detalhe menor, sem dúvida, se eu não estivesse esquecido dentro os dólares que comprara para a viagem. Merda!

Volto para casa, pego a doleira (com os dólares) e vou para o aeroporto de aplicativo, mesmo. Isso dói para um mão de vaca, mas é a vida, às vezes custa um pouco mais. Ao menos minha dose de azar de viagem eu dava por resolvida. 

Ingênuo...

Na escala no Panamá, sou obrigado a despachar minha mala de mão. Faço a contragosto, mas não vai ser isso que vai estragar meu humor (depois de uma semana de extrema ansiedade por conta dessa viagem, o que pus na conta do autismo). Estou na fila para entrar no avião, vejo passar as malas e identifico a minha. Quebrada. Agora, sim: merda!

Durante o vôo ensaio um barraco em castelhano para quando chegar. Me demoram na imigração, e quando alcanço a esteira, minha mala está solitária ao lado dela. E quebrada. Ao menos vejo que foi só o casco externo, todo o resto está nos conformes. Viagem que segue, agora certo de que os deuses do teatro e da viagem já tinham me dado minha dose de merda - duas coisas menores, por sorte, que só vão me custar financeiramente.

A saída do aeroporto me chama a atenção. Na área de desembarque muitas (muitas!) pessoas esperando com balões e flores seus familiares. Muitas, mesmo! Por um instante cheguei a pensar que algum famoso iria desembacar, tal era o clima do local. O responsável da agência de viagens por me buscar, mais prático, tinha apenas uma placa com meu nome.

O hotel é próximo, mas o caminho é caótico. Ele explica que houve um aumento de 400% da frota da cidade desde a pandemia. Comenta também que cerca de 3 milhões de guatemaltecos vivem nos EUA (na internet, buscando depois achei o número de 1,5 milhões), a maioria indocumentado. Imagino que essa migração talvez explique todo o clima de festa na chegada, o que é confirmado: são os documentados voltando para as festas.

No hotel, lembro que não sou de luxo, não: prefiro as coisas mais simples. O corredor chique com cara de filme de terror, as muitas facilidades que vou ter vergonha de aproveitar e as coisas simples que não sei operar - tudo isso me intimida. Apesar de muito tentar, não consigo ligar o chuveiro - tomo banho de banheira, mesmo. Não que eu não goste de ficar na água, duro é se lavar assim.

Mas foi na saída do banho que descobri que os deuses da viagem estavam de mal comigo: não bastasse o pacote de dados internacional que comprei não estar funcionando, uma hora na tomada e a bateria do meu celular havia carregado 8%. Junto a isso, um aviso: carregamento lento, provavelmente causado por cabo danificado.

Bem, eu estava na Guatemala para passear, não para tirar fotos.




29 de agosto de 2025

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Metodista, o hub de informações da empresa, volta das férias [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

Metodista voltou de férias - que não são merecidas, pois se trata de direito e não de merecimento. Metodista, que foi trazida apenas rapidamente a estas paisagens textuais, é um hub de informações da empresa. Informações oficiais, extra-oficiais, oficiosas, conjugais e extra-conjugais - e algumas fofocas, de vez em quando, pois ninguém é de ferro.

Pois chegou ela, e não perdi tempo: dei as três horas regulamentares para ela se inteirar, e chamei para um café no refeitório. Como parte do cenário, Goreti preparava seu almoço. Muitas novidades acontecidas nesses vinte dias e fazia-se mister alguma explicação: velhos colegas que saíram, novos colegas que chegaram (eu queria ver o inverso), mudança no leiaute da sala, uns pepinos pra cá, uns abacaxis pra lá, e vida que segue. Ao menos assim eu acreditava.

Pois fiquei sabendo que a funcionária que entrou - já como supervisora - é, na verdade, sobrinha do diretor geral (prima do Baço, de breve passagem, difícil recordação e nenhuma falta). Sua função é pôr ordem na casa, pois pela segunda vez consecutiva não batemos nossas metas - e eu, ingênuo, que acreditava que trabalhava num setor que não possuía metas. Já duas das baixas que tivemos foram trabalhar na concorrência, que ofereceu não só melhores salários como um pouco de alívio na tensão psicológica - afinal, o espectro de um passaralho volta a rondar o setor, que poderia ser incorporado por outro. 

Goreti se aproximou da conversa, prestava atenção, mas olhava com certo olhar aparvorado. Metodista continuava:

Se com passaralho ou sem, o certo é que nosso chefe e o diretor geral entraram em rota de colisão. Ainda não consegui saber como que o chefe não perdeu o emprego.

Nessa hora Goreti interveio:

Deixa eu ver se entendi: Metodista, você está explicando para o Sérgio S. o que aconteceu na empresa nesse período em que você esteve de férias?  Você não viajou, não?

Vinte dias na praia!

E se virando pra mim:

E você, onde esteve, que não sabe nada disso?

Goreti agora tem certeza: sou uma pessoa alienada.


19 de novembro de 2025


PS: Este é um texto ficcional (a imagem também), teoricamente de humor. Não há nada para além do texto. Qualquer semelhança com a vida real é uma impressionante coincidência, ou fruto da sua mente viciada que quer pôr tudo em formas pré-definidas

segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Goreti: o homem dos infortúnios miúdos [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

 Goreti é o cara dos pequenos azares. Nunca tem um grande drama, uma questão dilacerante. É sempre white people problems e nimiedades. Quando parece que algo mais sério aconteceu, logo se mostra uma farsa - como foi o caso do berinjonha, descrito aqui há muito tempo [bit.ly/cG230102]. 

Mês passado lhe afligia suas férias: se ia para Lituânia, Tonga, Tunísia ou Belize. Convenhamos, alguém que tem entre suas opções de destino qualquer um desses países aleatórios é uma pessoa que busca algum tipo de problema - com a língua, que seja. Ou que conhece muito de geografia para saber da existência deles. Ou que paga duolingo e quer fazer uso desse dinheiro gasto.

Hoje chegou do almoço com o nariz sangrando. Ninguém teve dúvidas do que teria acontecido: um assalto, como tem sido muito comum em São Paulo, apesar de ter um polícia em cada esquina, ao qual ele deve ter tentado reagir e acabou apanhando.

O mistério foi longo: se trancou no banheiro e não saiu de lá até que estancasse o sangramento. Quando finalmente conseguiu, o cercamos, ansiosos por mais detalhes: teria sido o mesmo assaltante que passou correndo e levou a correntinha de um colega, tempos atrás? Quiseram levar o celular? O assaltante estava com arma de fogo? Ou só uma faca? Por que reagiu? A polícia conseguiu prender o bandido? Já tentou fazer arte marcial tailandesa, que seria útil nesse caso?

Goreti, como é do seu feitio, primeiro esperou todos falarem, ou melhor, todos se calarem - o que não foi simples, porque quanto mais demorava, mais a ansiedade crescia e mais se falava. Quando finalmente o silêncio se fez, ele contou em detalhes o que aconteceu, e não precisou de um minuto para tanto, mesmo esticando bastante para seu habitual:

Eu estava andando pela Boavista, nem tão distraído assim, pois digo que São Paulo não se pode dar vacilo. Páro para atravessar a rua. É quando sinto a pancada em meu nariz e o sangue jorrando de pronto. Ainda sem entender muito o que tinha acontecido, olhei para o chão e vi um galho de uns trinta centímetros. Foi isso: um galho caiu de uma árvore e conseguiu acertar bem em cheio o meu nariz.

Mas era trinta centímetro de comprimento ou de diâmetro - perguntou Bella (que não é de Isabela).

Macedo não se conteve:

Se fosse trinta centímetros de diâmetro não teríamos um sangramento no nariz, mas um nariz num sangramento.

Exato! - disse Goreti.

Eu complementei:

Convenhamos, não é algo tão difícil de acontecer: com três metros de napa, é o que você tem de mais exposto - visto de cima.

Exato! - Goreti não se abalou com a verdade sendo dita a queima roupa.

Tentei também ser otimista:

Ao menos foi um galho, não a árvore toda, como sói acontecer nesta cidade.

Exato! - exclamou novamente Goreti, como se não tivesse nada mais para falar.

A gente achou que você tinha sido assaltado e agredido - completou Goleador.

Ah, vá, sério?! Não tinha percebido isso - respondeu sem muita paciência o (anti) herói desta crônica.

Enfim, como sempre, Goreti e seus pequenos azares - sem emoção e totalmente quebra-clima. Ao menos ele trouxe o galho como prova do seu feito e para enfeite de sua baia.


20 de outubro de 2025.

Este é um texto ficcional (a imagem também), teoricamente de humor. Não há nada para além do texto. Qualquer semelhança com a vida real é uma impressionante coincidência, ou fruto da sua mente viciada que quer pôr tudo em formas pré-definidas



segunda-feira, 22 de setembro de 2025

O dia em que Goreti aprendeu a enrolar [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

Goreti tem fama de ser um tanto seco e direto na sua comunicação dentro da empresa, em especial por e-mail - mas não só. Eu o admiro por isso: ao invés de enrolar, ir direto ao ponto me parece uma virtude. Economiza tempo dele e dos colegas. Porém, desafia as etiquetas consagradas no país, em que é preciso dar bons dias, boas tardes, boas noites, perguntar como vai e desejar os melhores votos e estimas. Foi um avanço ele fazer o cumprimento inicial nos e-mails. Contudo, querem mais. Exigem mais.

Em uma reunião de equipe, foi pedido - novamente - que ele não deixasse de se atentar ao essencial, como sempre faz, mas que discorresse um pouco mais nas suas respostas, pois estava passando a impressão de que lera apressadamente o que lhe fora pedido. 

No fundo, um pedido para que eu fique enchendo linguiça - comentou ele, depois, inconformado.

Mas Goreti é uma pessoa que sabe que não se pode afrontar muito a chefia, em certo ponto, o melhor é obedecer, ou é capaz de perder o emprego. Goreti é também uma pessoa do seu tempo.

Semana passada foi-nos repassado um relatório da doutora Sabujinha, ao qual deveríamos dar um retorno. Goreti me mostrou a resposta dele: "boa tarde, achei o relatório bom. vai direto ao ponto e não se perde em firulas. parabéns". Avisei ele que a chefia não iria gostar, e ele respondeu que sabia. 


Ao cabo, recebemos todos a seguinte devolutiva do nobre colega:

“O relatório que você escreveu é verdadeiramente louvável. Ele se destaca por sua clareza e objetividade, qualidades que nem sempre são fáceis de encontrar em documentos de análise. A sua capacidade de ir direto ao ponto, sem se perder em "firulas" ou informações irrelevantes, demonstra um domínio do assunto e um respeito pelo tempo do leitor. É uma habilidade rara, mas extremamente valiosa, especialmente no ambiente de negócios de hoje, onde a velocidade e a precisão são essenciais.

Muitos relatórios falham porque tentam impressionar com um jargão complicado ou uma quantidade excessiva de dados. Eles se assemelham a um labirinto, onde a mensagem principal fica escondida em meio a uma selva de detalhes desnecessários. O seu relatório, por outro lado, é como um mapa claro e conciso. Ele guia o leitor de forma eficiente, permitindo que a mensagem seja absorvida rapidamente e sem esforço. É como um tiro certeiro, que atinge o alvo com precisão e força.

Essa abordagem direta é um reflexo de uma mente organizada e focada. Ela indica que você não apenas compreende os fatos, mas também a hierarquia de sua importância. Você sabe o que é crucial e o que pode ser deixado de lado. Essa capacidade de discernimento é o que transforma um bom relatório em um excelente. É a diferença entre um documento que é lido e um que é de fato compreendido e utilizado.

Além disso, a concisão não significa que o relatório seja superficial. Pelo contrário, ela sugere que cada palavra foi cuidadosamente escolhida, que cada frase tem um propósito. Não há gordura, apenas músculo. Isso torna o documento mais potente e memorável. É um alívio ler algo tão direto, sem a necessidade de procurar a mensagem principal em meio a um oceano de texto.

Em um mundo onde somos bombardeados por informações o tempo todo, a capacidade de comunicar de forma direta e eficaz é uma superpotência. Você possui essa superpotência. O seu relatório não é apenas bom; ele é um exemplo de como a comunicação eficaz deve ser. Meus sinceros parabéns por um trabalho tão bem executado. Você não apenas entregou um relatório, mas também uma lição de clareza e eficiência.”

A chefia adorou. Doutora Sabujinha parecia incrédula - além de regozijar-se em júbilo. Nós, os mais chegados, ficamos em choque: como o rei do laconismo tinha conseguido se transformar em tão verborrágico lero-lerento em tão pouco tempo? Seis parágrafos para não dizer praticamente nada! Seria uma habilidade escondida que ele agora decidira revelar? Fui questioná-lo como tinha feito render tanto aquele comentário, ao que ele respondeu sem meias palavras: pedi pra inteligência artificial reescrevê-la em 500 palavras. 

Ainda não tinha usado IA para meus textos. Sinceramente, senti que minhas crônicas tendem a se tornar supérfluas - como as novas respostas de Goreti.


22 de setembro de 2025


OBS: feito com ajuda da IA.

Este é um texto ficcional (a imagem também), teoricamente de humor. Não há nada para além do texto. Qualquer semelhança com a vida real é uma impressionante coincidência, ou fruto da sua mente viciada que quer pôr tudo em formas pré-definidas


segunda-feira, 1 de setembro de 2025

Banquete de proatividade [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

Puxa-saquismo de resultado. Começou a rolar um zumzum no setor de que doutora Sabujinha teria uma proposta de emprego melhor. Sempre disposta a fazer o que os chefes mandam, sem se incomodar com o que seja, nem de passar por cima dos colegas, além de ser uma doutora em sua área, sua possível saída levantou um sinal amarelo da chefia, sempre afeita a funcionários submissos e acríticos. A suspeita ganhou mais corpo com uma série de reuniões entre a chefia e ela. Por fim, ela segue na empresa - por enquanto. 

Fica, porém sem promoção. Diz a rádio peão que é por ter pouco tempo de casa - contudo os doutores sabujinhos que a antecederam conseguiram-na em igual tempo, ou seja, o problema de fato é ela ser mulher. Mas, para não sair de mãos abanando, ou melhor, para ficar de mãos abanando, no lugar da promoção ela ganhou uma reduflação: diminuíram as atividades e responsabilidades que ela tinha - que já eram parcas, por mais que se queixasse.

Claro, trabalhos não somem, alguém precisou ficar com a bucha. Ficou para Carnegie, que se recusou a aceitar, diante de tudo o que já tem para fazer. Sem ter como argumentar contra fatos, a chefe jogou para mim, que não tive como alegar nada e só me restou aceitar - frustrando meus planos enunciados em crônica anterior. Na disputa pelo mais vagal do setor, um a zero para a doutora Sabujinha. Fato curioso: como que esqueceram Macedo, que é quem sempre recebe as demandas sem dono, e as aceita, mesmo estando sobrecarregado?

Puxa-saquismo profissional. Tal qual o último doutor Sabujinho, doutora Sabujinha sabe que é importante fazer uma moral com os colegas - ao menos aqueles que ela ainda não enfiou uma faca nas costas.

Ela, que já era bem relacionada, desde que decidiu permanecer, passou a ser a pessoa mais simpática do setor - para grande amargor dos que já sentiram suas botas de alpinismo no lombo.

Aproveitou a deixa de um grupo para apostar na loto para, inspirada no nobre colega Goreti, organizar uma macarronada com galeto - e mostrar para a chefia proatividade e capacidade de liderar um grupo. Claro, nem todos foram convidados: aqueles que já a enfrentaram ficaram de fora - este escriba entre eles.

Dos que foram convidados, a maioria topou. A data: quinto dia útil do mês, dia em que os funcionários, alegres pelo salário que pingou na conta, saem para comer fora, como se não tivesse o mês todo pela frente.


Assim, foram para o refeitório munidos de três potes de macarrão - um de penne, um de fusilli e um de espaguete -, dois potes de molho - vermelho e branco - e quatro airfryers para o galeto. De modo que na hora de preparar o almoço coletivo eram seis micro-ondas (havia um sendo utilizado por um funcionário de outro setor) e quatro airfryers ligados simultaneamente no mesmo disjuntor. Claro, óbvio, o disjuntor caiu. Não sem antes queimar quatro dos oito micro-ondas e três airfryers.

As reações foram diversas. Alguns, que já caíram no papinho da colega, ficaram consternados por ela; os que tiveram seus eletrodomésticos queimados estão com raiva, e os demais, que não tinham nada a ver com a história, estão simplesmente revoltados - até porque a empresa já avisou que não irá comprar novos aparelhos tão cedo. Assim, as filas para esquentar a comida, que já eram grandes, aumentaram ainda mais, chegando a passar de meia hora!

E se o povo ficou emputecido com ela, por ferrar o horário de almoço, os chefes, que nunca almoçam no refeitório, devem ter achado o gesto genial. Para os colegas, ela estragou o almoço, para a chefia, serviu um banquete de proatividade.


01 de setembro de 2025

Este é um texto ficcional (a imagem também), teoricamente de humor. Não há nada para além do texto. Qualquer semelhança com a vida real é uma impressionante coincidência, ou fruto da sua mente viciada que quer pôr tudo em formas pré-definidas

segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Homenagem (atrasada) ao dia dos pais [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]


A homenagem aos pais chegou atrasada aqui na empresa. Bem que Macedo havia comentado de seu estranhamento diante da ausência de qualquer mensagem do RH sobre a data. Pelo visto, esqueceu mesmo. Para disfarçar, a chefe do RH apareceu em pessoa esta segunda-feira, depois do almoço, munida de um tocador de violão e duas funcionárias que carregavam bandejas com bombons e um bilhetinhos para os homens - e que traziam-nas com tanta solenidade e cuidado que mais pareciam duas vestais com instrumentos para uma cirurgia espiritual.

A homenagem poderia terminar por aí: um aluno de canto e violão se esforçando para não errar os acordes nem desafinar muito e um bombom com um recadinho clichê. Porém o que essa homenagem trouxe à baila foi o velho receio do passaralho. Vamos por partes.

Sim, o RH esqueceu de mandar um e-mail com um “Feliz dia dos pais” antes dos dias dos pais. Para compensar, fez o que fez. Pensamos que o chefe poderia ficar incomodado com esse gasto extra, mas quando soubemos que o cantor era outro sobrinho seu, entendemos que o esquecimento foi uma ótima ideia da chefe do RH (e os leitores do TZN. HSG. vão se lembrar que o mesmo expediente era utilizado pela chefe do Bandejão)

Antes de tocar, o moço - mais articulado que Basso, de curta passagem pelo setor - fez um breve discurso motivacional, concluído com “lembrem-se das coisas que fazem sentido, que fazem você se sentir vivo!”. Aplausos da equipe. Olhei para Goreti, ele tinha lágrimas nos olhos - eu imaginava o por quê. Depois, confirmou:

Passo oito horas por dia, quarenta e oito semanas por ano, preso neste trabalho de merda, sem sentido algum, achando Sísifo um sortudo porque ainda pode ver o horizonte quando a pedra rola morro abaixo! Isso pelo lucro do patrão! E ele me pede para lembrar das coisas que fazem sentido?!

Menos melodramático, não pude deixar de complementar o nobre colega:
A dor do chicote estalando no lombo também faz nos lembrarmos que estamos vivos.

Macedo complementou algo em ASMR que não consegui escutar e deixei passar, porque também estava preocupado com o passaralho.

Voltemos à homenagem.

Depois do discurso, a música. Fosse acordeón no lugar do violão e poderíamos nos sentir numa live do ex-presidente que trata os filhos por números, como se fossem presidiários (não que não devessem ser). Outro ponto positivo: não tocou Pais e Filhos, como temeu Macedo, e sim Anunciação, do Alceu Valença. Que sentido faz essa música com o dia dos pais? Fica a interrogação. Pensei depois: poderia ter tocado Pai, do Fábio Júnior. Seria dolorido ouvi-lo tentando imitar o galã (existe ex pra galã, ou uma vez galã, sempre galã?), mas ao menos faria sentido. Quer dizer, faria sentido com o dia dos pais, porque sentido pareceu fazer muito com o recado que vinha junto ao bombom:
“Ser pai é ter um cargo de responsabilidade que você ama e nunca será demitido”.

Seria uma indireta àqueles que não estão satisfeitos com o trabalho? Com quem a chefia acha que não se mostra à altura das suas responsabilidades? De que vai rolar, finalmente, o passaralho que nos ronda desde o fim do ano passado? 

Perturbados, escutávamos um desafinado “tu vens, tu vens, eu já escuto os teus sinais”, enquanto imaginávamos o que não trariam tais sinais.


11 de agosto de 2025


PS: Em outro departamento, a música variou, foi Pra dizer adeus, do Titãs. Mais um sinal...

Este é um texto ficcional (a imagem também), teoricamente de humor. Não há nada para além do texto. Qualquer semelhança com a vida real é uma impressionante coincidência, ou fruto da sua mente viciada que quer pôr tudo em formas pré-definidas


sexta-feira, 8 de agosto de 2025

O apagão dos dados públicos e as big techs

O neoliberalismo tinha como algumas de suas premissas o homo oeconomicus - indivíduos racionais que buscam egoisticamente a maximização de utilidades, baseados em expectativas racionais - e a perfeição do mercado - a tal “mão invisível”, que conduziria a uma alocação ótima dos recursos sociais. Disso deriva a ideia de estado mínimo, sem atuação em atividades econômicas, e com funções subsidiárias aos mercados, seja na regulação, com a garantia da propriedade privada, dos contratos, da estabilidade financeira, de evitar práticas concorrenciais desleais; seja na minoração das externalidades negativas das políticas macroeconômicas, via políticas focalizadas de mitigação da miséria; seja na produção de dados e indicativos, sobre os quais empresas e indivíduos podem melhor compreender a sociedade para atuar nos seus mercados - por exemplo, saber se o mercado de trabalho está aquecido ou não é importante para empresas na hora de negociar salários.

O ultraliberalimo, ainda que surgido dos escombros do neoliberalismo pós crise financeira de 2008, rompe com o mínimo de “civilidade” (com muitas aspas) que o neoliberalismo trazia. Saem políticas compensatórias focalizadas pelo “deixa cada um se foder do jeito que quiser”, verbalizada por Guedes; não há mais resguardo da concorrência ou regulação mínima: ao estado cabe, basicamente, a função de polícia patrimonial. É nesse contexto que o Estado tem tentado se desobrigar do levantamento de dados e produção de estatísticas e indicadores.

Durante o governo Bolsonaro, por duas vezes o censo foi adiado. Agora é a vez do governo Trump atacar Departamento de Estatísticas do Trabalho dos EUA (BLS), ao demitir sua diretora, Erika McEntarfer. O que se noticia é que quando os dados não são favoráveis, os governos de extrema-direita preferem atacar o mensageiro e destruir a mensagem. 

A recusa na produção (e divulgação) de estatísticas oficiais parece contraditório num primeiro momento: não apenas políticas públicas são prejudicadas, como a estabilidade financeira, econômica e a política monetária - afetando os mercados. A quem pode interessar o apagão dos dados públicos? 

Com a popularização da internet, o grande volume de dados gerados pelos usuários e processados pelas grandes empresas de tecnologia, o trabalho com grande volume estatístico pode deixar de ser requisitado ao estado por alguns agentes. Em um capitalismo oligopolista, sem qualquer regulação, em que dados pessoais são o novo petróleo, o desmonte de agências estatísticas oficiais atua como uma espécie de privatização dessa função do governo, deixando às grandes empresas de tecnologia um poder de controle sobre estado, sociedade e mercados ainda mais intenso - se com esses dados é possível fazer publicidade quase personalizada, qual seria a dificuldade em extrair conclusões de aspectos macroeconômicos?

Mais que a responsabilização por o que é dito em suas redes, o que as grandes empresas têm a perder é esse grande banco de dados que lhes dão uma vantagem comparativa muito grande em vários setores da economia - ainda mais com governos atuando a seu favor.


08 de agosto de 2025

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Macedo e seus colegas de almoço nas minhas férias [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça]

Voltei das férias - que não chamo de merecidas porque férias não é merecimento, é direito, conquistado com sangue e suor, mendigado por patrões (como se lhes fosse um fardo ceder esse direito) e sempre insuficiente para o tanto que trabalhamos (menos para juízes). Pois bem, voltei de férias e, diferentemente de algumas das férias passadas, ninguém perguntou se eu estava doente e estivera de atestado nos últimos dois dias. Desta feita sequer notaram que eu me ausentara, salvo o pessoal da minha equipe - o que não significa que sentiram minha falta. E isso é uma boa notícia! Sinal que estou no caminho certo - a meta é passar tão despercebido que até o trabalho passe por mim, e me reste apenas o salário (com os devidos descontos tributários, pois não sou sonegador, me opondo frontalmente ao que dizia um certo ex-presidente que usa adornos no tornozelo).

Talvez quem tenha sentido um pouco minha falta foi Macedo, meu contumaz companheiro de almoço. Na minha ausência, ele variou os colegas com quem compartilhou esse momento - e a alta rotatividade mostra que não teve um que tocou seu coraçãozinho ou que suportou seu humor quase silencioso: tiradas mordazes em ASMR. Já comentei algures que ele é de falar pouco e bem baixo. Também já comentei algures que, pobre Macedo, aparentemente tão bom ouvinte por falar pouco e aparentemente ter uma paciência de Jó, ainda por cima é cercado por tagarelas por todos os lados de sua baia e um pouco além - sendo eu o menos parolema (habemus esperanto!) dessa lista, o que não quer dizer muita coisa.

Digo tudo isto porque foi Macedo quem me atualizou das novidades no tempo em que estive fora. Novidades que não traziam nada de novo. Salvo as do almoço, em que descobriu a face oculta de vários colegas.

Do Mello, fiquei sabendo que não oferece chocolate quando se vai almoçar com ele. Compreensível: se aceitou o convite, não precisa te convencer a escutá-lo. O chocolate é uma forma de atrair para seu lero-lero, não uma compensação por suportá-lo.

De Pacheco, a Doutora Sabujinha, nada de novo, segue a pessoa chata e aduladora de sempre (conclusão minha, a partir do que ele contou).

As novidades novidadeiras foram as da Goleador. 

A primeira foi toda uma mobilização no setor de quem estaria matando a suculenta que fica na entrada, mesmo depois do recado afixado junto a ela. Ninguém queria assumir o ato, até que a secretária bateu o martelo: era ela quem iria cuidar da planta, ninguém mais; ao que Goleador respondeu, aliviada:

Ai, que bom! Não aguentava ter mais essa responsabilidade para mim. Eu via a planta morrendo e estava tentando salvá-la. Era a única a regá-la!

Tentando salvar uma suculenta regando todos os dias... Proatividade nem sempre é algo tão positivo assim - e nem digo isso por ser uma pessoa propassiva.

Mas talvez o que mais me chamou a atenção foi quando Macedo contou que conheceu a versão silenciosa dela. Incrédulo, perguntei como aconteceu tal proeza, estaria ela deprimida, talvez por conta da planta?

Não, ela apenas não fala de boca cheia - e estávamos almoçando.


01 de agosto de 2025


Relembrando os velhos tempos de Trezenhum. Humor Sem Graça., este texto contou com contribuição do Ricardo (além, é claro, do Macedo; mas ele não é da época do TZN. HSG)


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quinta-feira, 17 de julho de 2025

Salvador tem clima mais paulistano que São Paulo

 É praxe se queixar da ex-terra da garoa, hoje terra das tormentas, como tendo as quatro estações num único dia. Passei uma semana em Salvador e digo: SP é amadora em viradas climáticas.

Acostumado que a previsão do tempo só acerta prognósticos emitidos com uma hora de atraso, sequer conferi o que me esperava para a capital baiana. Fui com base na minha intuição, retirada das aulas de geografia, século passado, que me ensinaram que no clima tropical os verões são quentes e chuvosos, e os invernos, menos quentes e secos. Já havia comprovado isso in loco, ano passado, em São Luís, no Maranhão. 

Ou ao menos assim achava. Porque este ano pus em dúvida o que os professores Jader e Wilfred me ensinaram - ou teria eu dormido na aula? Não, nessa época eu ainda tinha peso na consciência de dormir em aula. Não é possível que Salvador seja desse clima tropical ensinado! Teria o Trópico de Capricórnio um pequeno desvio, de modo a incluir Salvador no clima subtropical? Serão as mudanças climáticas? Terá sido só coincidência, mesmo? São perguntas.

O que se passou é que foram sete dias de frio e chuva e vento. Claro, há que se relativizar o que é frio na Bahia. Nada como estava em São Paulo, mas os 21ºC eram pouco convidativos para sair de bermuda à noite.

Também foram sete dias de sol e calor ameno e vento, que pouco convidavam a uma praia - menos para Lia, que fez questão de entrar na água, mais por querer muito entrar no mar, do que por estar gostoso para isso naquela ventania que esfriava qualquer 26ºC.

Já antevejo que os defensores mais radicais de São Paulo vão argumentar que aqui ainda é pior: a regularidade soteropolitana, de todas as estações em todos os dias, ainda garante que todos os apetrechos carregados consigo serão de alguma utilidade, enquanto em Éssepê você carrega tudo isso sem ter a certeza de que vai mesmo precisar - essa certeza só surge quando você esquece o guarda-chuvas pois, é claro, vai chover na hora do fim de expediente.

Da minha parte, está posto: nesse ponto, não reclamo mais do clima de São Paulo.


17 de julho de 2025




quinta-feira, 26 de junho de 2025

Ladeira General Carneiro, 26 de junho de 2025

No alto da ladeira General Carneiro, um homem oferece suas chagas em troca de moedas. Em frente à base da polícia, Testemunhas de Jeová oferecem sua versão do fim do mundo. Sigo descendo, e o que se oferece são produtos populares de um lado e do outro, réplicas de roupas e tênis de marcas e uniformes de futebol com propaganda de bets. Na rua Doutor Bittencourt Rodrigues, uma fila começa a se formar. Seria para o sopão do meio-dia? Noto movimentação bastante incomum pouco depois da entrada de ônibus do Parque Dom Pedro. Diante dessa nova figura, o fundo se destaca. Reparo no viaduto Diário Popular: se tornou a casa para muitas pessoas - as barracas improvisadas com cobertores se enfileiram na área para pedestres. Talvez os expulsos da mal chamada cracolândia. No gramado da alça do viaduto, PM e GCM dão guarida ao rapa, que recolhe restos transformados em pertences. Um homem, ora com as mãos na cabeça, ora apontando para seu colchonete e cobertor, parece negociar com dois PMs que permitam continuar com seus bens. Pouco depois os recolhe e segue acelerado rumo à movimentação incomum, meia quadra adiante. São onze horas da manhã, o frio já se dispersou sob o sol. O rapa segue fazendo seu trabalho sob o olhar vigilantes da polícia da e da guarda. Muitas pessoas, diante do olhar indiferente da cidade, saem enroladas em seus cobertores cinzas, como que tentando ganhar a invisibilidade que a sociedade quer deles.


26 de junho de 2025



segunda-feira, 9 de junho de 2025

Usos alternativos da escada de emergência [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça]

 O clima não anda muito bom na empresa. Não que isso seja novidade - e nem é culpa especificamente da empresa (mas é também). “Não há trabalho ruim, o ruim é ter que trabalhar”, já dizia o Seu Madruga. Mas sempre dá para piorar. Dunker e Safatle apresentam o neoliberalismo, no nível micropolítico, como forma de gestão do sofrimento psíquico - a tal qualidade de vida que o modelo de gestão de pessoas 4.0 apregoa é coisa do passado, se é que algum dia existiu de verdade tal preocupação por parte das empresas (eu acho que sempre foi uma mentira). Atualmente, devem seguir uma versão corrompida dos dois fatores de Herzberg, as melhores, quando não é a lógica do chicote no lombo, mesmo.

Mas por que toda essa introdução? Hoje Goreti chegou com uma garrafinha nova. Um emoji feliz e os dizeres: “Uma garrafinha feliz, porque o resto aqui é só tristeza”. Ousado. Temero. Eu receio a hora que o chefe a veja. Talvez abra um sorriso sarcástico e pense “vamos apertar a coisa, para ele ver o que é tristeza de verdade”, e use seus conhecimentos de coach para assediá-lo. Ou seja mais direto e ofereça a porta da rua, caso ele esteja descontente - com certeza não vai demiti-lo, porque vai ser difícil achar alguém para substituí-lo. Mas pode ser que nada disso aconteça: ele não veja a garrafinha e vida que segue, em doses homeopáticas de assédio e ranço. Goreti já distribuiu exemplares do Manifesto Proletário, do Capirotinho, e até agora nada aconteceu - a não ser formas difusas de boicote, apesar que eu preferiria uma revolta, com coquetéis molotov, fascistas e militares pendurados de ponta cabeça e tudo o mais. Como isso não está no horizonte, nos resta as recusas silenciosas.

Está ruim para nós, mas está ainda pior para Shôri, colega do setor ao lado, apresentada a mim e a Macedo pelo Fernandez, Colega do Topo (que anda meio sumido). Fora os assédios no trabalho, ainda tem que dividir o fumódromo com a chefe - que faz questão de ir pouco depois de ela sair -, que aproveita o momento de relaxamento para cobrá-la mais por mais resultados (não foi engano o duplo mais). Cansada disso, Shôri passou a fumar escondida na escada de emergência - onde não há câmeras nem detectores de fumaça -, ao menos algumas vezes.

Pois estava ela, semana passada, terminando seu cigarro quando escutou um barulho estranho, alguns andares abaixo. Foi até a fonte de ruído e encontrou a funcionária de algum outro setor sentada, chorando.

Aconteceu alguma coisa? Está tudo bem?

Está tudo bem - foi a resposta em meio ao choro e soluços, e Shôri decidiu não insistir: se ela disse, está dito.

Voltou para o trabalho e refletiu: eis um bom uso para as escadas de emergência, sempre vazias (ou quase): melhor que chorar no banheiro, onde tem que segurar para não fazê-lo alto. Mal terminou seu raciocínio e resolveu aceitar a realidade, não a resposta: era óbvio que a moça não estava bem. Pegou um copo d’água, algumas folhas de papel toalha, uma barra de chocolates que guarda para emergências e foi ao encontro da mulher, que seguia chorando.

Olha, não sei o que aconteceu, mas te trouxe isto.

Foi aí que a mulher desandou a chorar de vez e contou do último episódio de assédio recebido. Nada de novo sob o sol, nem sob o teto da empresa; só uma gota a mais no co(r)po cheio.

Pois hoje estávamos conversando na escada de emergência quando escutamos uma voz:

Achei mesmo que fosse te encontrar por aqui! 

Pronto, a chefe encontrou Shôri, e vai tomar um sabão por estar fugindo do trabalho - além da advertência por estar fumando em local proibido. E eu vou de carona, mesmo sendo apenas fumante passivo. Nos viramos e demos com duas mãos segurando uma caixa de bombons.

Obrigada pelos chocolates.

Shôri mal teve tempo de agradecer, a mulher saiu, quase uma assombração, assim como chegou.

Pois é... um texto sem graça, mas achei gracioso o gesto de ambas.


09 de junho de 2025


Este é um texto ficcional (a imagem também), teoricamente de humor. Não há nada para além do texto. Qualquer semelhança com a vida real é uma impressionante coincidência, ou fruto da sua mente viciada que quer pôr tudo em formas pré-definidas

segunda-feira, 2 de junho de 2025

Imprensa: a quinta-coluna do projeto autoritário da direita

De um lado, os grandes veículos de imprensa dizem defender a democracia. De outro, abrem espaço para os Bolsonaro darem sua distorção dos fatos - mesmo quando é inconteste a participação na tentativa de golpe de estado de 8 de janeiro - e fazerem política, mantendo sua relevância no cenário político nacional. Por outro lado, ainda, dia sim, outro também, apresentam Tarcísio como alguém de uma direita moderada, mesmo sabendo quem ele é - assim como sabiam quem era Bolsonaro, sendo a conversa de “uma escolha muito difícil” apenas um subterfúgio para não assumirem logo que a democracia é um detalhe irrelevante para os donos dos poderes.


O paradoxo da tolerância, de Karl Popper, é conhecido dessa imprensa, e não tem como dar a ela o benefício da dúvida, de que não saberia que tolerar (e dar voz) aos intolerantes põe em risco a própria tolerância que é um dos pilares de uma sociedade democrática e liberal.

O que essa imprensa também sabe é o modus operandi da nova extrema-direita, seja pelo que vivenciou durante a presidência de Bolsonaro, seja com o que acompanha nos EUA, com Trump: sem nenhum princípio republicano, persegue quem não se submete a seus desígnios e os adula: a única imprensa que eles aceitam é a que dá a versão oficial dos fatos. Investigação? Só se for dos adversários do governante, convertidos em inimigos.

O que a grande imprensa tem feito, portanto, é investimento futuro, sem riscos de perdas: sabendo do republicanismo de Lula e do PT (republicanismo de almanaque, de tão distante das lutas políticas que atravessam o país, diga-se de passagem), fustiga o governo sem dó nem ética, distorcendo dados e notícias favoráveis e criando factóides para desgastar o governo. Fazem-no porque tem a tranquilidade de que publicidade oficial continuará caindo na conta, apesar de fazerem mau jornalismo (se é que o que fazem é jornalismo). 

Se Lula ganhar em 2026, não tem problema, a vida segue normal, sem reação do Planalto. Se a extrema-direita ganhar, tem o cartão de visitas a apresentar ao próximo presidente: foram uma quinta-coluna no enfraquecimento da democracia e podem continuar sendo agraciados com verbas publicitárias governamentais. Isso para não falar no agrado que fazem aos donos do capital que vandaliza o país, visto que a plataforma da nova direita para países periféricos é o capitalismo de butim - vide as privatizações da era Temer/Bolsonaro, como da Petrobrás, e agora a privatização da Sabesp por Tarcísio -, sem nenhuma preocupação com desenvolvimento econômico ou social.

Há quem questione se apoiar um projeto autoritário, ainda que com verniz democrático, não seria um tiro no pé da imprensa. De modo algum! Quem sucumbiria não seria a imprensa e sim o jornalismo. As empresas seguiriam lucrando - e colaborando com a repressão -, como foi durante a ditadura militar-empresarial de 64-85.

Quem precisa estudar um pouco mais sobre o paradoxo da intolerância é o PT e o governo.


02 de junho de 2025


quarta-feira, 21 de maio de 2025

Acho que recebi um elogio [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

Acho que recebi um elogio, não sei bem.

Macedo está de férias, tem feito falta. Não apenas por saber tudo do trabalho, como por ser um bom ouvinte - ainda que involuntário. Na falta dele, os colegas tagarelas que o cercam vão atrás de novas vítimas, digo, novos interlocutores. 

Hoje fui cercado pelos indivíduos que sentam à frente e à esquerda de Macedo, Mello, o colega que oferece chocolate e depois cobra um preço por isso (escutá-lo se repetir e se repetir e se repetir várias e várias e várias vezes por dia) e Pacheco, respectivamente. Costumo estar sempre de fones de ouvido, justo para tentar evitar certos tipos de interpelação, digo, de interação, e hoje cometi a séria falha de, após responder a uma questão de trabalho, não subi-los imediatamente. Foi a deixa. Já que estavam falando de música, julgaram que nada melhor que chamar o colega sempre com fones para a conversa.

Papo vai, papo vem, eu não conseguia achar uma sobra de respiro para voltar ao trabalho - por mais que estivesse enfadonho. E lá iam eles falando sobre punk, pós-punk, new wave, skate rock, e eu só ouvindo. Se me perguntassem, capaz de eu dizer que gostava apenas de Chico, Vandré, Gil, Caetano, Arrigo, só para conseguir fugir da conversa - e quem disse que me perguntaram?

A certa altura, com uma meia hora de parlatório, entraram no assunto Iggy Pop - ambos muito fãs. O colega do chocolate-com-papo (que aceitei desta feita, porque o papo já tinha chegado, ao menos pude aproveitar o chocolate) contou que foi no show de 2009 e fora muito bom.

Eu bem queria ter ido, mas era menor de idade na época - respondeu Pacheco.


Foi quando ao menos consegui participar da conversa.

Fui em 2005 e foi muito louco! Ele pulou no meio da galera, depois chamou para subirem no palco, pegaram o microfone dele para cantar I wanna be your dog, e os seguranças totalmente perdidos.

Que idade você tinha para conseguir entrar no show em 2005? - perguntou, incrédula, Pacheco

Contei minha idade, e ela se mostrou estarrecida:

Julguei que tivesse a minha idade, entrando nos trinta.

Não, já passei dos quarenta.

Nossa, então você até que está conservado!

Fiquei tentando entender o porquê de ter me subtraído mais de dez anos. Seriam minhas roupas sem passar? Meu corte de cabelo diferentex? Não sei, e não tenho Macedo aqui para perguntar. Mas nas entrelinhas foi possível ler: se para quarenta eu estava “até conservado” (feito um picles?), para o trinta que ela (e quantos mais no setor?) achava que eu tinha, devo estar só o pó da rabiola. Não tiro a razão. 


21 de maio de 2025

 

Este é um texto ficcional (a imagem também), teoricamente de humor. Não há nada para além do texto. Qualquer semelhança com a vida real é uma impressionante coincidência, ou fruto da sua mente viciada que quer pôr tudo em formas pré-definidas