segunda-feira, 3 de abril de 2006

Farinha do mesmo saco

Escrevo isto com um dos piores sentimentos possíveis: não é raiva, não é indignação, não é surpresa, não é frustração. Talvez o mais próximo que se possa descrever seja conformismo, quem sabe pena.
Antes mesmo de renunciar à prefeitura José Serra já se desqualificava como político respeitável, junto com seu partido (que teve deprimentes demonstrações do seu conceito de “democracia” na escolha do seu candidato à presidência), e toda a classe que representa, ou seja, a dos políticos. A renúncia serviu somente para não deixar qualquer dúvida. Não que Serra fosse um paradigma de bom político. Afinal, fazer aliança com um partido do naipe do PFL, tendo como vice um ex-secretário do Pitta, com crescimento patrimonial suspeito, já não lhe dava direito a figurar no panteão dos grandes homens públicos; mas não cumprir a promessa mais elementar de campanha – promessa não só falada como assinada! – que é a de ficar até o final do mandato, o põe naquele grande grupo dos “farinhas do mesmo saco”, denominação infeliz e preguiçosa – afinal há farinhas péssimas, como Serra, Alckmin e Marta para só ficar nos mais falados hoje em dia, e há as farinhas ainda piores, como Pitta, Maluf e Collor – mas com certo fundo de verdade, se se encara essa farinha como desrespeito pelo povo (Lula, não preciso dizer, entra no mesmo saco, agora não sei em qual dos dois subgrupos especificamente).
O que me resta é torcer (até porque não voto em São Paulo) que o eleitorado do estado tenha a lucidez que tiveram os gaúchos em 2002 e 2004, quando Tarso Genro renunciou à prefeitura para disputar o governo do estado – ele também prometera ficar até o fim do mandato – e o PT perdeu tanto o estado quanto a cidade. Pior (para o PT): o atual governador pode não ser o sonho dos gaúchos, mas não é nenhum Antônio Britto ou Paulo Maluf, que deixa saudades do administrador anterior. O problema é em quem votar. O PT de Genoíno, Marta e Mercadante? O PMDB de Quércia e Temer? O PDT de Paulinho?
Mas sé é assim no principal estado da “federação”, na esfera federal as perspectivas não são muito melhores.
Primeiro tivemos o esgotamento dos anos fernandistas e sua mediocridade esclarecida. Mas em 2002 ao menos tínhamos quatro candidatos que disputavam a presidência e a nossa simpatia. Agora ainda estamos em plena ressaca petista e 2006 se desenha como a eleição da negação, do niilismo: voto em Lula porque odeio o Alckmin, voto no Alckmin porque odeio o Lula, voto nulo porque são todos farinhas do mesmo saco. Projetos de governo? Planos para o país? PSDB e PT já mostraram que a realpolitik é estreita demais para esses temas.

Campinas, 03 de abril de 2006

domingo, 26 de março de 2006

A dança

Ao ver a dancinha da deputada petista Ângela Guadagnin comemorando a absolvição do deputado João Magno, receptor de R$ 400 mil no esquema do mensalão, fiquei indignado. Porém, ao abrir o jornal no dia seguinte, a indignação foi ainda maior. Não sou nem um pouco adepto de teoria conspiratória anti-PT – apesar de reconhecer que a mídia era mais boazinha com FHC – mas a proporção dada à dança em si – chegado a cogitar a caçassão da deputada por quebra de decoro – é completamente desmedida. Além de darem essa proporção absurda os comentários, tanto de deputados quanto de jornalista, são de um preconceito e machismo injustificável.
A qualquer brasileiro sério a indignação pela dança da deputada não é pela dança, mas pelo motivo da dança. Ver deputados contentes, comemorando vitórias no plenário não é de forma nenhuma falta de decoro – é até um ótimo momento para ver o verdadeiro lado dos deputados. Ver deputados cantando o hino nacional quando aprovaram a privataria estatal tem muito mais razão para ser quebra de decoro – se não crime lesa-pátria. Não me lembro de ninguém pedindo a caçassão de uma penca de deputados que levantavam os braços e sorriam quando Severino Cavalcanti foi eleito. O problema da dança da sra. Guadagnin é que ela ilustra a degradação moral do partido que parecia ser o único arauto da moralidade pública: o partido que antes denunciava a corrupção hoje comemora a absolvição de corruptos. Mas quase tão indignante quanto é PFL e PSDB tentarem construir a imagem de partido ético, sob os escombros do petismo: seria como tentar colocar Pinochet como democrata ou Bush como pacifista.
Quanto aos comentários, o preconceito e ofensa diretamente à pessoa da deputada – devido ao seu porte físico –, mostram a falta de uma razão plausível para a dimensão dada ao fato: a “avultada parlamentar”, nas palavras do jornalista Marcos Augusto Gonçalves, como se o fato da deputada ser gorda ou magra, feia ou bonita, tivesse qualquer importância merecedora de comentário. O deputado do PSDB paulista, Alberto Goldman, foi bem mais descarado no seu machismo: “O melhor que ela faz é arrumar um emprego de dançarina do ventre”. Como disse a socióloga Maria Victoria Bernevides, o senador Arthur Virgílio, do PSDB, ter dito que ia dar uma surra no presidente se mostra muito mais grave do que uma demonstração de alegria.
Em suma, o Brasil mostra ser uma república bananeira sem perspectivas de mudança de rumo: um deputado corrupto é absolvido e as pessoas se indignam com a dança de uma outra deputada no plenário. Precisa falar mais?

Campinas, 26 de março de 2006