Ainda estou tentando imaginar o tamanho do presente que a APEOESP, o sindicato dos professores da rede pública de São Paulo, deu para a chamada direita, os tecnocratas defensores de uma ordem democrática-meritocrática darwiniana/spenceriana (falo em "chamada direita" porque esse mesmo pensamento conservador é encontrado a rodo na proclamada esquerda).
Desde a avalanche neoliberal dos anos 90 os movimentos organizados de trabalhores - representados principalmente sob a forma sindical - têm sofrido fortes e seguidos golpes. Os sindicatos, acuados, além da perda da capacidade de mobilização e pressão, paulatinamente foram abandonando o discurso político em prol de uma ação estilo lobby, feita com enorme incompetência - talvez por não se assumirem explicitamente como tal, o que levaria a perderem a aura de sindicatos. Assim, as reivindicações sindicais perderam cada vez mais o caráter universalista e assumiram a defesa corporativista dos direitos adquiridos pela classe representada (defesa justa, diga-se de passagem, inclusive dentro da lógica neoliberal, caso seus defensores não agissem de má-fé pregando o velho "dois pesos, duas medidas"). Essa defesa corporativa tem tido como resultado que nos últimos anos, não raro, os empregos dos trabalhadores sindicalizados têm sido garantidos às custas dos empregos dos tercerizados.
Esse lobby corporativo - ainda chamado de sindicalismo, para a alegria dos dirigentes sindicais e dos grupos anti-sindicais - até consegue garantir com certa facilidade a legitimidade quando representa os interesses dos empregados do setor privado. A coisa fica mais complexa e delicada quando se trata do setor público. Pois, mais do que direitos dos trabalhadores, entra em jogo o funcionamento e a própria defesa do Estado, atacado com enorme apetite pelos defensores do chamado livre-mercado. Isso é uma coisa que - por incrível que pareça - os dirigentes da APEOESP estão a anos-luz de se darem conta. Ao se levantar contra a prova para os candidatos a professor substituto, o sindicato não estava atacando essa aberração que é cem mil professores chamados para substituir não eventuais licenças ou afastamento dos professores concursados, mas a ausência de concursos para preencher o quadro mínimo de professores necessários. O que ele estava atacando era o que chamou de "prova excludente". Excludente porque excluiria professores mal preparados que há anos dão aula, assim como o concurso público que a mesma APEOESP diz defender excluiria esses mesmos professores.
Fiz as provas de sociologia e filosofia. Respondi as 50 questões em 40 minutos com 80% de acerto e admito: era uma prova fraca e mal feita, e essa opinião foi unânime entre meus colegas de faculdade. Na sala em que fiz a prova, pelo que tudo indica, das cerca de doze pessoas, eu e um outro rapaz éramos os únicos neófitos. Os demais eram todos professores com longa trajetória em sala de aula como eventuais. Uma mulher que não conseguia ficar queita comentou no meio da prova, e uma outra concordou, que a prova estava difícil e muito bem elaborada. Na hora já me perguntei como não seria a prova dessas duas professoras e, pior, o que não deveria ser a aula que elas davam. A prova para eventuais teria justamente o ponto positivo de limpar professores excessivamente mal qualificados (não falo dos tais 1500 zeros propagados pela imprensa, que, duvido muito, tenham sido tirados por mérito, mas antes por ausência ou postura política), enquanto não vem o anunciado e sempre adiado concurso público.
O sindicato dos professores fez a sua parte: defendeu concurso público, criticou a prova "excludente" - a qual, é certo, poderia ser usada para postergar ainda mais o concurso público, mas, pelo que dá para imaginar, na visão da APEOESP um concurso público não seria excludente - e conseguiu derrubá-la, fazendo com que voltasse o velho método de atribuição de aulas, onde o que vale é o tempo em que já se passou dentro das salas do Estado, excluindo assim uma série de recém formados empolgados em (tentar) dar aula e que ficaram nas posições intermediárias. Garantiu os interesses mais mesquinhos e imediatos dos seus e, o que é pior, o fez dizendo que estava defendendo a educação. O debate sobre a educação básica, que já era dominado pela visão tecnocrática dos governantes de turno (e, pelo visto, futuros governantes), dos donos do PIB nacional e da imprensa, deve perder um de seus debatadores, por falta de legitimidade. A APEOESP e sua defesa da educação não farão falta.
Campinas, 11 de fevereiro de 2009