sexta-feira, 24 de julho de 2009

O dia do amigo

Descobri, graças à publicidade de cerveja, que dia 20 de julho é dia do amigo. Visitei a página da Skol, e diz lá que a data foi criada em 1969. Talvez fosse coisa do momento, criar datas e datas comemorativas, na falta de uma vida que valesse a pena por ela mesma. Não que hoje o mundo esteja muito melhor, as pessoas mais felizes, mas agora as homenagens tem servido mais para justificar a atividade parlamentar do que para maquiar nossas tristezas.

Em 1966, por exemplo, Stanislaw Ponte-Preta se divertia com a instituição do dia do pobre e do dia da avó. Antes, a moda eram as datas históricas. Hoje, no quesito novas datas, me parece, têm tido visibilidade as políticas, institucionalizadas, como o dia da consciência negra; ou em vias de, como o dia do orgulho gay; ou não, como o abril vermelho.

De qualquer forma, é sintomático a publicidade sair à caça de uma data comemorativa, se deparar com esse tal de dia do amigo, e a forma que tenta se apropriar dela. Primeiro, por ser puxado por uma campanha publicitária: o que antes era da esfera política ou da sociedade civil, hoje é do mercado. O dia do amigo, se existe há 40 anos, foi só quando se vislumbrou possibilidades de lucro nele que mereceu “comemorações”. Segundo, porque esse tipo de comemoração é anacrônica: hoje datas comemorativas ou são tradicionais (tem-se tentado importar algumas tradições, por sinal), ou marcam um dia de protesto, de reivindicação de direitos, de reclamar aquilo que não se tem (talvez o dia do amigo devesse se enquadrar nesse tipo de data). Por fim, é providencial que se comemore apenas o amigo, e não a amizade. Antes de tudo, por centrar no indivíduo e não na relação entre as pessoas; mas também por permitir que a data seja comemorada, pela agitadora oficial, com uma disputa entre diversos grupos de amigos por um prêmio qualquer. Ou seja: com meus amigos eu comemoro, com os outros é guerra. Quase como briga de torcidas, mas patrocinado por cerveja. Ops! Quase como briga de torcidas, até mesmo no estímulo e no patrocínio da cerveja.

PS: Eu tinha pensado em falar da estupidez das propagandas. Por enquanto resolvi não chover no molhado. Penso que o texto “Roubada não desce redondo”, do bailarino Alysson Amancio, dá conta do recado.


Pato Branco, 24 de julho de 2009

Publicado em www.institutohypnos.org.br

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Sede de sangue

Há dificuldade por parte de muitos em aceitar minha posição: não acredito em nada do caso Nardoni, salvo que uma menina caiu do prédio. Não é nem para polemizar. Inclusive, quando alguém vem tentar me convencer da versão sacramentada pela mídia, dando os mais ínfimos detalhes do suposto assassinato que ninguém viu, trato de cortar logo a conversa: para mim, a verdade do caso está perdida, como perdidos estão a original da taça Jules Rimet ou o tigre-dente-de-sabre.

Se por certo tempo o caso Nardoni motivou homéricas e intermináveis discussões sobre todas as convergências possíveis em opiniões exatamente iguais, hoje muitos vão precisar espremer o cérebro para tentar lembrar do que se trata: a memória é curta sob o espetáculo, dura o tempo que dura o assunto na tevê.

Nardoni, portanto, já é passado, pode ser esquecida. Mas a sede de sangue, essa segue latente. Não falo da sede de pais ensandecidos assassinos de seres angelicais, mas dos espectadores ansiosos por uma fogueira, para terem a aparência de vida na sua moribunda e deprimente existência. E a temporada de caça a novos monstros está aberta.

No Rio de Janeiro houve um ensaio por estes dias. O roteiro não podia ser mais original: uma criança cai do prédio. Por sorte, ou melhor, por menos azar, houve como comprovar que não foram os pais quem a defenestraram. Não serão condenados à fogueira como o casal do ano passado. Mas o linchamento moral começou assim mesmo, com a prisão deles e sua exposição ao grande público, nesse momento de grande dor para qualquer pai ou mãe. A acusação: abandono de incapaz. Como se fosse obrigação dos pais estarem 24 horas por dia, sete dias por semana amarrados aos filhos; como se houvesse lei proibindo qualquer fatalidade, criminalizando os atingidos pelos infortúnios do destino.

E parece que essa será mesmo a tônica até que surja o próximo caso a saciar a sede de sangue da imprensa e dessas pessoas carentes de circo e de assunto para o almoço de domingo.

Os pais que se cuidem.


Campinas, 17 de julho de 2009

Publicado em www.institutohypnos.org.br