quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Duas perdas, um livro, Joaquim [memórias feitas de saudades] [saudades feitas de afetos]

Sonhei alguma coisa hoje, não sei o que. Lembrava quando acordei para ir ao banheiro, sete da manhã - esqueci ao voltar a dormir. (Talvez devesse ter escrito). Não sei sequer se foi um sonho bom ou ruim - não havia esse retrogosto do inconsciente, que não raro é tudo o que me sobra dos embalos de Morfeu. Acordei indiferente - no embotamento dos dias que a vida tem me imposto, como recurso para viver sem capitular. Não lamento, sei que é passageiro, sei que é da vida, mas dói ausências tamanhas: quando finalmente conseguia recompor as cores perdidas com a sua partida, uma nova perda - ainda maior - empalidece tudo ao meu redor. Não tenho mais duas das pessoas mais queridas - e além do mais, meus maiores leitores, você e meu pai. (E escrever, desde então, se parece ainda mais à condenação de Sísifo, que cumpro não só por ser obrigado, mas por não vislumbrar outra alternativa para seguir vivo). Cheguei a pensar que havia sonhado contigo, por estar hoje pensando em você mais que de costume. Logo vi que era besteira: penso em você todos os dias, ainda mais nestes em que me vejo em pontos críticos da vida. Faz falta sua presença, um abraço seu; faz falta também as muitas conversas com meu pai, sobre política e sobre a vida - hoje vi que a forma como às vezes chamo Mafalda e Guile é tal qual meu pai chamava as cachorras de casa (sua Pitocuda, dado o pitoco de rabo que deixaram na Tandi). O que me faz pensar mais em você hoje não foi sonho algum, é o amanhã - dia 25 de fevereiro de 2016, uma data sem maiores significados até 2015. Amanhã talvez eu conheça, finalmente, Joaquim. Joaquim era seu colega-amigo que você lamentava ter nascido uma geração depois, pois queria ele para seu marido. Joaquim foi também o protagonista do primeiro sonho em que sonhei sua ausência - numa mistura de personagens que povoavam suas histórias e minha imaginação -, dez dias depois daquele dia em que permaneço esperando seu retorno à casa 128, na Penha. Era o fim de um mundo tal como eu conhecia (e eu não me sentia bem) - como tampouco me senti bem com o fim de toda uma via láctea da minha existência, em novembro. (E me pergunto agora: quem vai ler isto tão logo eu publique e fazer eventuais correções de português ou apontar trechos confusos num email direto e carinhoso?). Entretanto, o fim do mundo, descubro, não é a extinção de tudo, o nada - é um renascer confuso, que é acompanhado de outras perdas e novidades insondáveis até então. Conhecer Joaquim de carne e osso, nunca tinha me passado pela cabeça - ele era um personagem seu, que coloria seus dias e animava os meus por tabela. Pelo Fake, ele falou que tentaria aparecer no lançamento do livro com minhas crônicas em diálogo com você. Meu primeiro livro, por conta da minha procrastinação crônica não será Passageiro. Diário de João, e sim [memórias feitas de saudades]. De algum modo estou contente em lançá-lo, de iniciar esta nova fase com uma homenagem à você - por mais que a matéria com que foi feito ainda faça doer meu peito. Olho para aquele mundo que não existe mais, percebo o quanto ainda respiro dele (e, sim, me sinto bem). Amanhã conhecerei Joaquim e este texto não entrará no livro: porque nele não coube tudo o que você significou para mim.
(Que meu pai tenha te dado o abraço que pedi).

24 de fevereiro de 2016.


PS: sobre o lançamento: http://j.mp/livromfs

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Câmara de Deputados 2016: a casa do clichê e da desilusão

Leio no portal da Câmara dos Deputados entrevistas com os líderes dos partidos na casa. Nossa legislação, ao não ter uma cláusula de barreira, permite a bizarrice de partidos sem expressividade e sem qualquer ideologia tenham direito a líder de bancada e toda as vantagens com apenas cinco deputados - parece até propaganda de aparelho de exercício mágico da década de 1990. As breves entrevistas das lideranças são feitas basicamente de clichês sobre tópicos postos pelo governo e ecoados pela Grande Imprensa, já na primeira pergunta, "Quais serão as prioridades da sua bancada em 2016?": ajuste fiscal, reforma da previdência, reforma (sic) tributária, recriação da CPMF, desvinculação das receitas da união (DRU), agenda positiva, crise, impeachment da presidenta da República ou do presidente do congresso. A principal variação é se o discurso fala em "direitos" ou "impostos", o que distinguiria um partido mais à esquerda de outro, mais à direita. No fim, pobreza de idéias e a subordinação extrema ao poder executivo e à Globo e afins impera - incluo aqui o necessário impeachment de Eduardo Cunha, ele próprio já rebaixa a Câmara.
O discurso do líder do PSC, André Moura, parece ser press release da Globo, da Veja ou da Folha. O PSD, fiel à sua filosofia de não ser nem de esquerda, nem de direita, nem de centro, nem a favor, nem contra, produz três parágrafos para não dizer nada. De diferente, apenas a fala de Sarney Filho, líder do PV, sobre a prioridade do partido à caça ao Aedes aegypti; e de Ivan Valente, do PSOL, que lembrou a necessidade de reverter a marcha para o obscurantismo posta em movimento acelerado desde a eleição de Eduardo Cunha. O PPS, partido satélite do PSDB e cada vez mais próximo da extrema direita reproduz o discurso das pessoas felizes comentada pelo historiador Leandro Karnal [http://j.mp/1KEN9hl], pessoas que substituíram cultos como do Papai Noel e do Coelhinho, pelo culto da corrupção isolada: "A crise brasileira, seja econômica, política, social, tem um nome: Dilma Rousseff".

Enfim, me centro na entrevista do deputado baiano Antonio Imbassahy, líder da principal força de oposição partidária ao governo federal, o PSDB. Sem reproduzir o Febeapá dos populares socialistas, ele diz logo a que veio o partido: "trabalhar o impeachment, o afastamento da presidente Dilma a partir de uma convicção de todo o PSDB, das oposições e da maioria esmagadora da população, que com Dilma no Palácio do Planalto o Brasil só vai piorar ainda mais (...). Ela cometeu crime de responsabilidade e, portanto, numa democracia, tem que ser afastada". Mais interessante contudo, é o que ele não diz: que o que anima o partido é unicamente o poder: não possui um projeto alternativo a ser contraposto - seja econômico, político ou para a Câmara dos Deputados, já que ele fala em corrupção -, não fala em transformar o Brasil no paraíso, como Rubens Bueno, nada: fala em disputar a chave do cofre. Inclusive, diz no fim da entrevista: "não dá para o governo federal ficar com essa montanha de dinheiro e essa corrupção exagerada", sem dúvida uma idéia bastante Veja (ou rasa, se preferir) do uso do dinheiro público: ficar com o governo federal, como se esse dinheiro não fosse gasto no custeio da máquina pública, pagando professores, médicos, agentes de controle de epidemias, reforma de estradas, etc. O dinheiro público, montanha ou montinho, não deve ficar em lugar nenhum: deve voltar à população. Teria sido um ato falho, que indica a visão de partido de butim estatal que o PSDB possui?

Não há como não lembrar das manifestações de junho de 2013: grande parte dos analistas atribuiu as manifestações a uma crise de representação política. Essa crise continua e os atuais partidos nada fazem para tentar alterar sua relação com a sociedade e com os poderes. Uma parte dos desiludidos foi facilmente cooptada pelos movimentos das pessoas felizes, encabeçada pela lastimável figura de Jair Bolsonado e logo seguida pelo PSDB de Aécio Neves, José Serra, Aloysio Nunes Ferreira e Geraldo Alckmin. Outra parte segue à deriva, em busca de um modus operandi político que fuja da burocratização, do ativismo binário, da briga pelo poder ser anterior à briga pelos ideais. Essa parte aderiu ao PT na última eleição por medo de retrocesso e não por acreditar no partido: ela segue em busca e, mais importante, começa a se articular na construção de alternativas - o partido RAiZ Movimento Cidadanista, da deputada Luiza Erundina, tem se mostrado como a principal aposta daqueles que crêem em um outro mundo possível, feito de uma outra forma de política, de uma outra forma de se pôr na sociedade; todos ganhamos se a aposta se mostrar frutífera.

22 de fevereiro de 2016