Sonhei
alguma coisa hoje, não sei o que. Lembrava quando acordei para ir ao
banheiro, sete da manhã - esqueci ao voltar a dormir. (Talvez
devesse ter escrito). Não sei sequer se foi um sonho bom ou ruim -
não havia esse retrogosto do inconsciente, que não raro é tudo o
que me sobra dos embalos de Morfeu. Acordei indiferente - no
embotamento dos dias que a vida tem me imposto, como recurso para
viver sem capitular. Não lamento, sei que é passageiro, sei que é
da vida, mas dói ausências tamanhas: quando finalmente conseguia
recompor as cores perdidas com a sua partida, uma nova perda - ainda
maior - empalidece tudo ao meu redor. Não tenho mais duas das
pessoas mais queridas - e além do mais, meus maiores leitores, você
e meu pai. (E escrever, desde então, se parece ainda mais à
condenação de Sísifo, que cumpro não só por ser obrigado, mas
por não vislumbrar outra alternativa para seguir vivo). Cheguei a
pensar que havia sonhado contigo, por estar hoje pensando em você
mais que de costume. Logo vi que era besteira: penso em você todos
os dias, ainda mais nestes em que me vejo em pontos críticos da
vida. Faz falta sua presença, um abraço seu; faz falta também as
muitas conversas com meu pai, sobre política e sobre a vida - hoje
vi que a forma como às vezes chamo Mafalda e Guile é tal qual meu
pai chamava as cachorras de casa (sua Pitocuda, dado o pitoco de rabo
que deixaram na Tandi). O que me faz pensar mais em você hoje não
foi sonho algum, é o amanhã - dia 25 de fevereiro de 2016, uma data
sem maiores significados até 2015. Amanhã talvez eu conheça,
finalmente, Joaquim. Joaquim era seu colega-amigo que você lamentava
ter nascido uma geração depois, pois queria ele para seu marido.
Joaquim foi também o protagonista do primeiro sonho em que sonhei
sua ausência - numa mistura de personagens que povoavam suas
histórias e minha imaginação -, dez dias depois daquele dia em que
permaneço esperando seu retorno à casa 128, na Penha. Era o fim de
um mundo tal como eu conhecia (e eu não me sentia bem) - como
tampouco me senti bem com o fim de toda uma via láctea da minha
existência, em novembro. (E me pergunto agora: quem vai ler isto tão
logo eu publique e fazer eventuais correções de português ou
apontar trechos confusos num email direto e carinhoso?). Entretanto,
o fim do mundo, descubro, não é a extinção de tudo, o nada - é
um renascer confuso, que é acompanhado de outras perdas e novidades
insondáveis até então. Conhecer Joaquim de carne e osso, nunca
tinha me passado pela cabeça - ele era um personagem seu, que
coloria seus dias e animava os meus por tabela. Pelo Fake, ele falou
que tentaria aparecer no lançamento do livro com minhas crônicas em
diálogo com você. Meu primeiro livro, por conta da minha
procrastinação crônica não será Passageiro. Diário de João,
e sim [memórias feitas de saudades].
De algum modo estou contente em lançá-lo, de iniciar esta nova fase
com uma homenagem à você - por mais que a matéria com que foi
feito ainda faça doer meu peito. Olho
para aquele mundo que não existe mais, percebo o quanto ainda
respiro dele (e, sim, me sinto bem). Amanhã conhecerei Joaquim e este texto não entrará no
livro: porque nele não coube tudo o que
você significou para mim.
24
de fevereiro de 2016.
PS: sobre o lançamento: http://j.mp/livromfs