segunda-feira, 20 de maio de 2024

A Virada Cultural de sucesso

Cara aos cofres públicos e esvaziada, cheia de problemas técnicos e tida por um fiasco por muitos, reluto a usar tal terminologia para a Virada Cultural de 2024 - tal qual Jairo Malta faz na Folha, no artigo “Como Virada Cultural de São Paulo foi de uma referência a um fiasco”. Na verdade, depende de que ângulo se está vendo, com quais parâmetros se está trabalhando para definir seu sucesso ou fracasso. Para a prefeitura, foi um sucesso.

A divulgação do evento, a distribuição dos palcos pela cidade, em especial pelo centro, o Metrô só fazendo o caminho de volta do centro (após a meia noite, apenas era possível embarcar nas estações Anhangabaú e São Bento), o vale do Anhangabaú cercado, como se fosse mais um dos inúmeros eventos privados: a proposta implícita a esta virada era mesmo seu esvaziamento. Por isso ela foi um sucesso aos olhos de quem a organizou. 

E essa não é a proposta apenas para a virada, mas da prefeitura sob a gestão do atual alcaide para tudo o que é público: se não se pode privatizar, esvazia-se - e depois, privatize-se, como é o caso do próprio centro da cidade, primeiro esvaziado, e agora sendo entregue à iniciativa privada.

Por coincidência, na mesma data acontecia no parque do Ibirapuera privatizado um festival privado de música, com ingressos a R$ 660, a meia entrada (mais as taxas, em geral 20%, e esse valor não dava direito a todas as atrações). Na mídia, nenhuma alusão a falhas técnicas, atrasos ou furtos, como no evento público (nem a mortes, só para lembrar do que houve no show da Taylor Swift, privado, algo que a mídia corporativa fez questão de esquecer rapidamente; sem falar nas comuns brigas entre o público nos eventos privados, nunca noticiados). Novamente, implícito, o discurso de que o público é falho, enquanto o privado é eficiente.

Se, conforme Malta, a virada perdeu muito de seu potencial - misturar artistas consagrados com nomes que despontavam ainda em potência - e seu objetivo - ocupar o centro -, em boa medida se deu porque essa proposta estava em parte no festival privado do parque privatizado, enquanto essa forma de ocupação da região central não se faz mais necessária para os investidores - incorporadoras e especulação imobiliária. Hoje a ideia é retirar do centro a pecha de violento para tentar atrair uma classe média descolada, e os eventos privados - ou em estilo privado - no vale do Anhangabaú ajudam nessa repaginada.

E acima de tudo, nossas elites, vocalizadas pela mídia corporativa e pela direita/extrema-direita, seguem tentando moldar a percepção da população - ao menos de parte dela, a mais vulnerável a atuar contra os próprios interesses, por não se identificar como classe, a classe média - quanto à cidade, aos espaços e serviços públicos e espaços e serviços privados. E em tido sucesso.

A guerra contra o que é público segue a pleno vapor: a pausa na pandemia foi apenas isso, uma pausa. São Paulo da atual gestão é mais uma demonstração (insidiosa) dessa guerra.


20 de maio de 2024


sexta-feira, 17 de maio de 2024

Aulas de canto [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

Cansado de passar vergonha no karaokê, há dois meses decidi fazer aula de canto. O Brotinho foi contra: dizia que a graça do karaokê está justo na vergonha. Discordo veementemente dela, e acho que sua oposição à minha decisão é medo de passar vergonha sozinha, já que ela canta pior do que eu - o que ela discorda. Em tempo, também discordo veementemente de quem acha que a graça de karaokê é cantar música ruim, tipo sertanejo - e falo isso sem fazer juízo de valor, mas com a fria lente da realidade nua e crua -, e já deixei claro aos amigos que se for para ir por essas trilhas nem me chamem, que eu saio no meio e não pago minha parte! 

Karaokê é para a gente brilhar e achar que poderia ser um cantor ou cantora de sucesso - não fosse a triste realidade das quarenta horas -, assim como criança eu achava que poderia me tornar piloto de fórmula um por mandar bem no joguinho World Circuits, no PC (e ainda acredito piamente que só não fui mesmo piloto de fórmula um por falta de herança de meus pais, o que me impediu de desenvolver e mostrar meu talento).

Às aulas de canto, enfim. A professora, preparadora vocal de alguns neófitos da música brasileira que tem despontado, falou que em um mês se pega duas músicas, nos casos mais difíceis, mas em geral são quatro músicas no mês - não necessariamente uma por semana, mas treinaríamos várias músicas nas aulas e ao fim de um mês eu teria um repertório de ao menos duas.

Ela perguntou o que eu gostaria de cantar e mandei meus rockzinhos marotos, de Radiohead a Oasis, passando por Cake, Pato Fu, Fito Paez e Sheryl Crow. E as crianças do CCSP que inventem de chamar isso de música antiga, quando as cantam (menos Fito, que nunca nem devem ter ouvido falar) nos finais de tarde de domingo, em frente ao referido local: são músicas que ouvi quando adolescente/jovem adulto e não estou tão velho assim - apesar dos desmentidos do corpo, e das crianças que cantam em frente o CCSP, que me chamam de “tio irado”, a depender do modelito que estou usando. 

Começamos com três músicas nas duas primeiras semanas. E diante dos meus avanços, a professora achou por bem ficar só com uma - a que mais exige, disse ela, ainda que eu acredite que fosse a mais fácil. Aula vai, aula vem, superada a dificuldade de acompanhar a linha melódica, veio a dificuldade em achar o tom da música. Um mês nessa tarefa inglória e a professora propôs algo inovador: mudar o tom da música! Não diz o ditado que se Maomé não vai até a montanha, a montanha vai até Maomé? E assim foi feito. Já estou quase mantendo o tom na música inteira - o problema vai ser cantá-la no karaokê, já que lá é o tom original.

Em resumo, de três músicas por mês, fiz a professora assumir que será três meses por música. Mas eu sigo firme e forte! E disposto a deixar o Brotinho passar vergonha sozinha!


17 de maio de 2024.



PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.