sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

renanrenan, o médico e o artista

Em outubro de 2011 pela primeira vez eu subia em um palco: era para apresentar uma palestra em um congresso de medicina sobre cuidados humanizados (eu fui falar sobre máscaras sociais, como filósofo, só para constar), em São Caetano do Sul [bit.ly/cG111011b]. 

Falar para mais de duzentas pessoas deu um nervoso, porém foi tranquilo. Complicado mesmo foi o depois: com minha enorme falta de jeito no trato social (então eu não tinha um diagnóstico de autismo, achava que era só fruto da minha timidez excessiva), me sentindo muito deslocado, esperava uma brecha para me despedir das organizadoras e organizadores e ir embora.

Nesse ínterim, se aproximou de mim um estudante recifense. Pediu o texto que eu havia apresentado, emendou uma conversa, foi me aproximando de outros alunos, e fui me sentindo acolhido - ao cabo, terminei dormindo no diretório acadêmico da faculdade, já que eu tinha compromisso em São Paulo no dia seguinte (na época eu morava em Campinas).

Treze anos depois, eu com meu mestrado concluído, ele médico (de saúde da família, paliativista e de saúde LGBT), mudamos de lado. Agora é ele no palco, eu na plateia. Contudo, diferente de mim, não é sua primeira vez e nem se mostra acanhado, pelo contrário: se expande junto com a banda que o acompanha, Os Amanticidas. É Renan, agora renanrenan, em show da turnê do lançamento do disco conjunto, Eu te conto tudo, no Sesc Vila Mariana.

Já havia escutado o disco, gostado muito, com destaque para as quatro primeiras músicas - “Bisha”, “Arrasta asa”, “O sonho”, “Limbo” -, uma sequência diversa e arrebatadora. Ao longo de dez faixas renanrenan e Os Amanticidas se mostram bastante versáteis, passando por vários estilos da música popular brasileira. 

Se o disco é bom, o show - apesar de não ter todos os instrumentos do estúdio - é ainda melhor! Presença de palco, simpatia da banda, e uma interpretação poderosa de renanrenan. Sem falar em um público animado - os ingressos se esgotaram em menos de quarenta minutos.

Enquanto esperava, depois do show, para dar um abraço em Renan, fiquei a me questionar o porquê de seu nome artístico. 

Um duplo de si, onde pode caber suas múltiplas e talentosas facetas? O inverso de si,  daquilo que se esperava dele em outros tempos, tempos de menino? Sua própria sombra trazida com o nome? Ou seu nome próprio trazido por o que muito tempo foi uma sombra? O médico e o monstro: ao mesmo tempo que tem a profissão de maior prestígio na nossa sociedade, acintosamente se afirma nas suas heterodoxias de gênero e sexualidade com leveza e alegria (neste nosso tempo de reacionarismo e fundamentalismo religioso isso é uma monstruosidade)?

Poderia ter perguntado ao próprio, mas preferi guardar para questioná-lo em outro momento, mais calmo, e fazer conjecturas até lá.


13 de dezembro de 2024

terça-feira, 3 de dezembro de 2024

A confraternização cheia de mistérios [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

Então é dezembro, último mês para tentar que o ano tenha sido mais que trabalhar, fazer faxina e marmita aos finais de semana (e quando falo marmita, estou sendo literal, aquela com arroz, feijão e mistura), viajar nas férias (cuidando para não gastar demais) e se queixar da vida. Mas não desanimo, vale lembrar que o Paraná Clube, em 2020, perdia de dois a zero para o Bahia de Feira de Santana até os 46 do segundo tempo e conseguiu a virada - se o Paraná consegue isso, qualquer pessoa consegue dar uma reviravolta no ano em dezembro (pedir demissão seria um exemplo, ainda que não esteja entre minhas alternativas, graças ao senhor Boleto).

Fim de ano traz, além dessa sensação de desperdício, por não ter feito quase nada, a Simone, o Roberto Carlos e agora, segundo o Brotinho, a Mariah Carrey (já não bastasse o rélouim e a bléquifraidei) e todos aqueles eventos desnecessários (os melhores), quando não desesperantes: reunião de família (a coisa boa do bolsonarismo foi acabar com esse evento de irritação e hipocrisia, como se realmente nos quiséssemos bem, quando no fundo só queremos fofocar e falar mal da vida alheia, mesmo), amigo secreto (para gastar dinheiro e ganhar algo indesejado em troca) e confraternização de fim de ano na empresa (são cerca de 1700 horas anuais em convívio com pessoas que não faço questão, por que sofreria outras quatro ou até mais?). Também é momento de rever amigos que não vimos o ano todo, em bares lotados, tentando encaixá-los numa agenda caótica por conta desses mesmos encontros.

Enfim, quase me desviava do móbil desta crônica, que é a confraternização aqui da empresa. 

Fui a uma e me arrependi - não sei onde estava com a cabeça. Decidi que nunca mais. A deste ano, menos ainda, pois terá um elemento novo: cada um paga a sua parte - e o valor é bem mais caro que um PF no centro, e eu desconfio que a comida não seja muito melhor que um por quilo daqui que se pretenda chique, que comentei alhures. Então é isso: não bastasse todo o ano junto a essa gente, ainda tem que pagar para passar um tempo a mais - e depois do expediente! 

Desculpem-me, colegas, mas um panetone caro compensa mais que sua companhia. Apesar que mesmo que fosse de graça eu não iria: ficar em casa sem fazer nada é mais interessante - e não que eu tenha uma má relação com a parte boa da equipe, digo, com boa parte da equipe.


Eu já havia avisado que não iria e dava por encerrada essa história para mim, quando o nobre colega Macedo - que também não vai porém é mais bem relacionado - me contou que havia um elemento especial, que me fez lembrar de um meme que comenta que só é a favor da escala 6x1 quem tem amante no serviço. Pois bem, a inovação maior é que será proibido celulares: eles ficarão do lado de fora. Isso mesmo: confraternização da firma virou uma reunião secreta - talvez para substituir o amigo secreto? Fosse qualquer outra festa, quero dizer, com outras pessoas, esse elemento iria me aguçar o interesse: afinal, se não é para filmar, coisas interessantes devem acontecer. Entretanto, o que me fica é a desconfiança de que algum superior, cidadão de bem e defensor da família tradicional, já esteja no modo pegação (quem sabe sem o Doutor Sabujinho as mulheres tenham baixado a guarda) e não quer que sua mulher veja o batom na cueca (ou na calcinha) em algum grupo de whatsapp - ou no Insta.

É certo que pode não haver provas materiais, contudo Macedo recordou que não tem como deixar de convidar todo o setor, por razões óbvias de criar o maior climão, fora a acusação de assédio moral. Nisso, Metodista, a pessoa que mais sabe dos subterrâneos do setor, assim como da empresa, já confirmou presença - logo ela, que nunca vai a confraternizações da firma.

Parece que só proibir celular não vai ser suficiente para manter os segredos.


03 de dezembro de 2024