Fim de semestre é sempre uma correria. Hora em que você tem todos os trabalhos para entregar, e não adianta tentar se antecipar: no fim, você vai acabar fazendo tudo em cima, por mais cedo que tenha começado. Não que seja novidade para mim, graduando de carteirinha que sou: posso dizer que já estou habituado. Fim de semestre também é a época em que costumo ter idéias mirabolantes, seja para contos, seja para jogos, seja para programas na rádio Muda. Idéias e muita vontade de pôr em prática. O duro é que falta tempo. E quando o semestre acaba e o tempo abunda, falta vontade. Vai entender. Outra coisa que sempre me bate em fins de semestre: vontade de jogar computador. Este semestre apaguei os jogos do pc: uma hora jogando equivale a três horas sem estudo: uma de jogo, outra me lamentando por estar jogando quando estou cortando horas de sono para conseguir dar conta de tudo o que tenho por fazer, outra para descansar e recuperar as energias para estudar. Isso quando nessa hora de descanso eu não acabo dormindo e acordando só quatro horas depois. Enfim, sem joguinho tenho pulado etapas e ido direto para o sono, o que não me desagrada, de forma alguma.
Porém, o pior do fim do semestre é que é fim de semestre também para quem estuda no Instituo de Artes. Isso significa que é justo nessa época, em que você não tem tempo para quase nada, que na Unicamp pipocam recitais, coreografias, encenações. Destas, admito, não sou um grande entusiasta. Nada contra o teatro, pelo contrário. Minha birra é com o curso de artes cênicas da Unicamp, mesmo. A montagem de “As rãs”, do Aristófanes é um trauma só não superior ao do professor de latim que disse que eu era um mau exemplo por ir bem na disciplina sem ir às aulas. Bem, pensando agora, se formos ver etimologicamente ele até tem razão: o que ele estava “ensinando” ali não era um saber, um conteúdo, mas disciplina – dessas que quartéis prezam tanto. Voltemos ao IA.
Semana passada, fingindo não ser fim de semestre, resolvi aproveitar os barulhos que aconteciam pela Unicamp. Recital de música barroca, de piano, apresentação de música latina e de jazz. Duas semanas antes, eu já tinha caído sem querer, quando ia para o Bandejão, em uma apresentação de dança, no teatro de Arena da universidade. Meu primeiro comentário aqui é que se a universidade está criando artistas, ela não está criando público. Não só por conta das apresentações serem no fim do semestre (quanto a isso há pouco a fazer, penso), como por serem pouco divulgadas, e por não se cobrar o respeito que uma apresentação exige. Isso é mais evidente nas apresentações de música. Já comentei rapidamente em uma crônica anterior que a música hoje tem a função de barulho: ninguém mais aprecia música. Eu mesmo, admito, escuto muito, mas sou um mau apreciador, apreciando-na geralmente em apresentações ao vivo (o que deve dar uma vez por semana ou menos) e algumas poucas vezes em gravações. Me dei conta dessa sensível e gritante diferente quando, em jantar na casa de um amigo, sugeri que ele deixasse a música rolando. Estudante de filosofia que outrora quisera ser músico, fui fuzilado pelo seu olhar. Sua irmã me explicou: ele abominava que música fosse tocada sem ser apreciada, sem a devida consideração pela obra.
Música hoje é cada vez mais só som ambiente (apesar que com a qualidade do que se toca em rádio...). Casal de amigos que passou as férias na Europa contaram que foram reprimidos em uma praça de Viena, na qual se projetava um concerto, por estarem conversando. Isso que era uma projeção e não um concerto ao vivo! Bem, os cinemas brasileiros são uma mostra do quão longe ainda estamos desse padrão de respeito pelo outro.
O ponto que eu realmente queria tratar aqui, tem a ver com a formação de público, porém está mais relacionado com a divulgação da arte. Assistia eu àquela maravilhosa apresentação de piano (e me irritava com o casal pré-adolescente de 50 anos na minha frente que não paravam de se cutucar e dar risadinhas, pais da pianista, por sinal), quando me perguntei: por que um evento como esse não pode acontecer quotidianamente nas praças do centro da cidade? Sete horas da noite, o centro já desertificando, porque as lojas fecharam e não há mais sentido para ficar nele – ainda mais que as praças de Campinas são pouco convidativas –, um piano em um caminhão-palco, uma apresentação de dança em coreto, um grupo de choro em um palquinho. Por que não? Arte gratuita, de qualidade e não esporádica, dando um pouco de vida, de música a um centro cada vez mais abandonado por todos – poder público e população. Tentar retomar um pouco o significado de cidade, de centro, de público, de aberto a todos, de democrático. Pois o que vemos hoje é um centro destratado pelo poder público, largado pelas classes média e alta, que se trancam em shopping centers; arte de qualidade restrita a teatros impeditivos à maioria da população, seja pelo preço, seja pela localização; e à população o divertimento de segunda categoria disponível na televisão (apenas para constar, a classe média tem opções, mas não se ajuda, preferindo freqüentar Teatro Tim com suas sofríveis peças com atores globais a alguma coisa diferente e de qualidade).
Quixotesco da minha parte querer isso, dirão muitos. E creio que em alguma medida estão corretos: querer um centro vivo (para além do horário comercial) e artístico é mesmo quixotesco, é realmente pouco factível, principalmente porque aqueles que seriam capazes de torná-lo factível são os primeiros a desestimular e boicotar tais iniciativas. Lembro que no início da filosofia discutia muito com um colega de classe sobre popularização da música clássica. Eu defensor dela ser tocada em ônibus, para habituar o ouvido; ele dizendo que isso não era possível, ou só seria depois de um aprendizado bastante dolorido imposto às crianças (como assistir a ensaios de orquestra. O dolorido é por minha conta). Tempos atrás houve a apresentação de uma orquestra em um programa imbecilizante de domingo. O medo dos produtores do programa era que ela fizesse com o que o ibope despencasse, afinal, sabe como é, a massa ignara só quer saber de funk, pagode e sertanejo. O resultado foi que a orquestra foi o ponto alto do ibope daquele programa. Demanda por arte de qualidade há. Cabe ao poder público oferecê-la à população. E eu prefiro ter que pedir silêncio a assistir a uma apresentação sozinho.
Em tempo: sei que caberia ao cidadão reivindicar arte nas praças. Para isso, contudo, a cidadania precisaria ser algo de que toda a população dispusesse, não somente aqueles que podem pagar por ela.
Campinas, 23 de novembro de 2008
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