Dia desses comprava algo em uma cantina da universidade, e a televisão ligada no jornal do meio dia da Rede Globo berrava a reportagem. Falava sobre o primeiro beijo, o qual hoje costuma ser dado aos cinco, sete anos de idade, dizia a repórter. Não me detive para assistir à reportagem. O tom até então era apologético dessa precocidade dos pequenos em “demonstrar o afeto” caçando o sexo oposto.
Diante desses absurdos (o assunto da matéria e o tom da reportagem), na hora me lembrei do autor situacionista Raoul Vaneigem, que na década de 1960 já escrevia em seu livro A arte de viver para as novas gerações que “a própria infância é lentamente colonizada pela sociedade de consumo. Os menores de dez anos já são uma categoria como os teenagers na grande família dos consumidores: consumindo a infância ao invés de vivê-la, a criança envelhece em tempo recorde” (p. 228). A reportagem trazia isso bastante evidente: havia ali crianças, mas não infância. Mini-adultos-adolescentes que aos dez anos terão sua primeira ruga; aos doze, cabelos brancos e aos quinze já terão experimentado (consumido) tudo o que dizem que há no mundo para experimentar (consumir), sem nenhuma vivência de fato. E que aos trinta continuarão se portando igual aos dez, mas com o próprio dinheiro.
Lembrei também de um amigo da infância. Deu seu primeiro beijo bem depois dos cinco anos, mas desde cedo aprendeu a ser um adulto responsável, cumpridor das suas tarefas. Sempre teve todos os seus horários para o dia bem estipulados pelos pais: tal a tal hora, estudar; tal a tal, brincar; depois, aula; na volta, brincar; aos doze anos, tomar Prozac; tal a tal hora, treinar caligrafia; a seguir, estudar flauta; depois, tomar banho e jantar; a tal hora, ler a Bíblia e rezar, e por aí adentrou a idade adulta, sempre eficiente (apesar de não conseguir estipular minimamente uma rotina pra si). A última vez que o encontrei estava com a vida bem encaminhada e feliz… como só o Prozac é capaz de deixar.
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