terça-feira, 9 de junho de 2009

Alfabetizados que não sabem ler

Almoçar no Bandejão da Unicamp sozinho, escutando conversas alheias, de vez em quando é bom para saber a quantas anda a futura elite do país.

Conforme Dimenstein, apenas 5% dos alunos que concluem o ensino médio na rede estadual de SP dominam a escrita e a leitura. Claro, trata-se alguém que se deve ter sempre com muita cautela. Não somente por sua defesa ingênua do self-made man, como por seu anti-estatismo difuso e por sua visão precária do que é educação (agregador de “capital humano”). Cito esse dado não por duvidar dele, mas porque creio que fôssemos para a escola privada com os mesmos critérios, e os resultados não seriam muito diferentes. Mesmo na França, Foucambert apontava, em 1986, que 15% dos franceses alfabetizados viam os escritos como pictogramas – analfabetos, enfim. Na outra ponta, apenas 30% eram leitores. Porém penso que não devemos encarar leitura somente a de textos literários (ainda que isso ajude muito): já dei aula para senhoras analfabetas e que tinham uma leitura do quotidiano muito arguta.

Enfim. Dias atrás estava eu próximo a um grupo de pós-graduandos, não sei de qual área. Pelas tantas falaram de um congresso que aconteceria no Rio. Do Rio, assunto imediato, o avião da Air France. Todos por dentro das últimas notícias. “Será que alguns sobreviventes não conseguiram ir até Fernando de Noronha”, perguntava uma. “Como”, questionava o esperto do grupo. “É, acho que não. Explodiu no ar, caiu na água”, respondia o outro. Em resumo: dos quatro, três achavam que o avião havia caído nas proximidades de Fernando de Noronha. O quarto tentou argumentar contra, foi derrotado pela maioria.

A conversa prosseguiu, com relatos de corpos e pedaços do avião encontrados. Enquanto isso eu me questionava: se eles não têm capacidade de compreender um dado simples, o que esperar de quando o assunto for algo mais complexo, como política ou aborto? Admitirão, com seus títulos e certificados pendurados na parede, que devem calar e dar a vez a quem tem o que dizer, seja analfabeto ou torneiro mecânico?


Campinas, 09 de junho de 2009


Publicado em www.institutohypnos.org.br

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