Em Indignação, Philip Roth
narra parte da história de vida de Marcus Messner, que para fugir do
pai repentinamente super controlador, transfere a faculdade da Robert
Treat, na sua natal Newark, próximo a Nova Iorque, para Winesburg,
localizada na área rural de Ohio, e dedicada a formar engenheiros e
profissionais liberais. De uma vida urbana, em que dividia bancos da
praça com mendigos e tinha aulas com professores vindos de NY e de
viés esquerdistas – a história se passa em 1951, a Guerra das
Coréias acontecendo e a ameaça de ser chamado para lutar, caso não
esteja cursando uma universidade é uma constante –, acaba numa
universidade em que é obrigado a freqüentar aulas de religião,
onde impera o moralismo mais tacanho e os alunos se segregam por
“fraternidades”. De um lugar onde ele estava relativamente bem
adaptado e em que o diferente era o outro, passa a ser ele o
diferente: judeu, ateu, que pretende ser um livre-pensador,
independente, que se nega a participar de uma fraternidade, a se
adequar aos moldes que todos os alunos da Winesburg seguem.
Por conta disso, fica difícil conciliar seu espírito cosmopolita
com a visão estreita dos demais alunos, e suas desavenças com
colegas de quarto surgem rapidamente. Primeiro com Flusser, num
quarto de judeus no qual lhe havia sido reservada uma cama; depois
com Elwyn, cuja frieza e distância de início pareceram positivas,
mas depois se tornaram insuportáveis. A única pessoa com quem
consegue ter uma relação mais próxima é Olivia Hutton, primeira
garota com quem tem algum tipo de relação sexual, e que fora
mandada a Winesburg pelos pais com o intuito de que se reabilitasse,
depois de, bêbada, ter tentado suicídio cortando os pulsos – com
ela, mais do que amor romântico, há um quê de identificação. Por
conta das mudanças de quarto, é chamado pelo diretor da
instituição, o dr. Caudwell, com quem acaba discutindo asperamente
desde a vigilância sobre suas mudanças de quarto até a
obrigatoriedade das aulas de religião, passando pela sua recusa em
entrar no time de beisebol ou em alguma fraternidade.
Estão postos os elementos para a crônica de um fim anunciado.
Marcus sabe – como quem lê sabe – que, na vida dele, para dar
errado, basta fazer o “certo”, basta deixar de ser diferente –
apesar que foi justo por ser diferente que ele vai se emaranhando nas
tramas em que se perde cada vez mais. É sempre pensando no seu
melhor – ou por amor –, que seu pai, sua mãe, Sonny Cottler, da
fraternidade judaica, Flusser, Caudwell, vão empurrando Marcus para
um fim que não é inexorável, mas que lhe custará abdicar da sua
independência, de ser o livre-pensador em tempo integral – por um
período, que seja. Mas parece ser justo essa liberdade o que mais o
caracteriza.
E se por um lado Marcus, na efervescência dos seus dezoito anos
ainda não é capaz de saber que suas escolhas mais banais podem
levar a resultados desproporcionais, Caudwell tem plena certeza disso
– como tem plena ciência do que está acontecendo no mundo. Porém
Caudwell é um acadêmico, cristão, moralista. Marcus Messner é
apenas outro aluno qualquer – da pior espécie, dos que não
obedecem hierarquias.
Campinas, 19 de outubro de 2011.
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