A parceria da reitoria da USP com a PM pode não ser, por princípio,
nada benéfica para o ambiente acadêmico; contudo, a presença da PM
no campus tem se mostrado, na prática, de grande interesse para
sociedade, que fica conhecendo um pouco da principal universidade do
país, e para a USP, que fica conhecendo um pouco destes tristes
trópicos que a cercam. É evidente que o pretenso objetivo da PM no
campus – coibir a criminalidade – não tem sido posto em prática
– autuar estudantes com cigarro de maconha não soa inibidor de
assassinos. Isso, porém, não é extraordinário: é dever do Estado
zelar pela vida, como explicar a PM paulista ser responsável por 20%
dos assassinatos da capital paulista, conforme dados do próprio
governo [http://glo.bo/tQlaB2]? Por sinal, a morte do estudante da
FEA ainda não foi bem explicada, e a explicação oficial –
assalto – não foi bem digerida por boa parte dos estudantes –
diante dos boatos que pairam, a não-solução do caso parece ser
interessante para a reitoria.
Trato novamente das reações raivosas dos cidadãos de bem às
atitudes radicais de uma minoria dos estudantes, que resolveram
invadir primeiro o prédio da direção da FFLCH, o da reitoria da
USP, depois.
Curiosamente, uma das grandes virtudes alardeadas do sistema
democrático representativo liberal é a garantia de poder para as
minorias (minorias no sentido de classes, não de grupos étnicos,
opção sexual ou afins). O Brasil, com a necessidade de maioria
qualificada para alterações constitucionais e parlamento bicameral,
segue o melhor do receituário para a preservação da voz e dos
direitos dessas minorias. Salvo as esquerdas radicais, quase ninguém
questiona tais garantias, que no Brasil ganham o status de privilégio
– basta ver o número de grandes proprietários de terra que o país
possui e a força que eles têm no congresso.
Garantias que são ótimas no parlamento, aquele antro de corruptos,
onde são todos farinha do mesmo saco, conforme os incorruptíveis e
politizados homens de bem – muitos deles professores da USP.
Quando a questão desce para o mundo quotidiano, e as minorias deixam
de ser as endinheiradas, a reação é diametralmente diferente. No
caso motivador desta crônica, a primeira acusação – seja da
comunidade acadêmica, seja dos homens de bem de fora da academia,
seja dos meios de comunicação – costuma ser a de que se trata de
uma minoria dos estudantes. Isso é inquestionável! Mas vem a
questão: não vi o grupo que invadiu a reitoria ter dito que falava
por todos os alunos, no máximo pode ter dado a entender que defendia
os interesses da universidade e dos estudantes – isso, porém, a
imprensa faz todo santo dia: diz defender interesses gerais, sendo
que se é geral, é de todos, sem que tenha nunca consultado os todos
por quem diz falar.
E por qual motivo tal minoria, a exemplo do que ocorre nas casas
representativas, não deveria ter direito a voz e voto (que não
simbólico) na universidade? Não tendo, deveria simplesmente se
calar e aceitar o que vem de cima (bovinamente, como os cidadãos de
bem)?
Ao mesmo tempo, se a minoria radical aceitar ter voto em instâncias
representativas, implica que concordou a “ordem burguesa”: como
vai poder defender suas bandeiras? Logo, suas bandeiras são
factíveis com atos isolados, como ocupação de reitorias, ou, sem a
grande noite da revolução, se trata somente de
oba-oba-hormono-revolucionário?
E o Estado, sendo democrático e de direito, não teria a obrigação
de entrar na justiça contra aqueles que descumpriram as leis – ou,
como as manifestações são de “esquerda”, cabe o “dois pesos
duas medidas”? Por outro lado, que democracia é essa que não suporta conflitos?
(Notem que não estou falando nem de movimentos sociais, nem da
questão de sindicâncias internas da universidade).
Sem dúvida, a discussão é bem mais complexa do que simplesmente PM
ou não PM no campus, e exige reflexões mais profundas e soluções
menos simplistas. A única certeza que se pode ter é que com
cassetetes é que não se aprenderá a dialogar, e sem diálogo a
solução fica na dependência de métodos definitivamente
anti-democráticos – nada que os homens de bem e a imprensa não
tenham apoiado num passado recente e não voltariam a apoiar, caso
necessário.
Pato Branco, 07 de novembro de 2011.
1 comentário:
não acho que uma minoria, quando defende seu direito a voto em instâncias representativas, concorde com a "ordem burguesa".
primeiro, que é isso: ordem burguesa? você está dizendo que ordem burguesa significa, dentre outras coisas, uma classe minoritária ter voto? se for isso mesmo, beleza: entendo perfeitamente que a tal ordem burguesa implica classe minoritária ter voto. agora, uma classe minoritária ter voto não teria, necessariamente, nenhum sentido burguês. acho que a implicação não vale desse lado: a retórica não me pareceu forte o bastante para dar uma impressão de contradição por parte das reinvindicações estudantis.
acho que é aquilo que você falou: que é natural, na democracia representativa, uma minoria defender aquilo que lhe parece o bem geral, se apresentando, assim, como representante de todos. se essa democracia é essencialmente burguesa ou não, tenho de pensar: talvez essa concepção de democracia tenha de fato se originado juntamente da doutrina burguesa. nunca pensei nessa possibilidade antes.
agora, me parece que, no fim, você teria conseguido desqualificar, ou criticar ambos os lados, aqueles que protestaram e o Estado, sugerindo que os dois têm agido mal. mas, porque eu não tenho certeza de que a luta por ser ouvido tenha aquela contradição sobre concordar com a ordem burguesa, não acho que você tenha acertado a fraqueza dos manifestantes.
assim, pergunto: esses podem ou não ser criticados, e quanto a qual respeito? podemos criticar uma minoria por que ela não ganhou número grande o bastante para transformar-se de fato numa maioria, e assim poder dizer "sim, sou representante da maioria!"? indo mais direto ao ponto em questão, quais deveriam ser as estratégias de luta (no caso, da luta pelas universidades livres) tal que rompessem com a ordem burguesa, no mínimo, para que não se confundissem com essa?
abraço, rafael.
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