Sete da noite, no
bar da esquina da rua Treze de Maio estão sentados, conversando, um
gari e um homem de calça social e camisa pólo - não que o gari não
seja homem, mas sua veste traz esse forte simbolismo, que o faz antes
ser escória social a ser humano. Na mesa ao lado, comendo batata
frita e bebendo uma cerveja, um casal. No breve tempo que os observo,
não conversam: cada um tem uma das orelhas ocupadas por seu fone de
ouvido, creio eu que escutando música - o outro ouvido desimpedido,
para caso um dos dois resolva falar algo. Eu poderia ver pelo lado
bom: não incomodam outras pessoas com música alta, e caso tenham
gostos diferentes, não se irritam com a música alheia - mas algo me
diz que esse lado bom é torto demais pra justificar o lado (que vejo
como) ruim. Na Treze de Maio, pizzarias acendem seus fornos,
vendedores de milho verde e espetinho já estão a postos, pessoas
nos bares bebem o fim do dia. Duas meninas brincam de skate: uma
sentada e a outra empurrando pela calçada pouco apta às rodas do
equipamento. Lembro de quando criança, disputávamos corrida de
skate (sentados, é claro) descendo a rua - a calçada, pra ser mais
preciso, porque a rua era de paralelepípedos -, um dos meus amigos
sempre com a proeza de atropelar os próprios dedos, a Dona Frida
como linha de chegada, ou então tomávamos bronca da pioneira da
cidade. Ontem, uma dessas meninas dirigia um carrinho elétrico - um
dos meus sonhos de consumo quando criança, mas que, vejo hoje, não
me fez falta. Em frente à calçada onde brincam as meninas, bebem os
homens, conversam as mulheres, estacionam os carros, no interior da
sala, a mulher lê um anúncio, algo parecido com informe de RH. Tem
um copo d'água na mesa, a luz da platéia está acesa. Sem uma
mudança brusca de tom, ela passa do informe à sua busca por
empregos em extinção, e dos empregos em extinção às ferramentas
do pai já falecido - trazidos em um pano bordado pela mãe.
Ferramentas de carpintaria, com ornamentos e ergonometria pouco
usuais nas ferramentas de hoje. Há uma furadeira manual entre elas.
"Bem, era isso", ela termina, a voz um pouco embargada,
como se tivesse dito pouco. Entre o animado e o comovido, nos
acercamos para ver aquelas relíquias pessoais de um tempo antigo.
Com elas nas mãos, aproximando-as dos olhos para perceber os
detalhes e as marcas que traziam, sentimos sem querer seus cheiores,
e notamos que talvez a mulher tivesse mesmo falado pouco, diante de
tudo o que aquelas ferramentas tinham para contar.
10 de março de
2015
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