Não
sabia perdoar. Assim como não sabia esquecer. Não sabia porque não
queria. Não queria porque apesar de passado, é dessa matéria do
tempo (ou seria da mente e dos afetos?) que se reconhece no presente.
Não queria esquecer a infância de dificuldades, do labuta árdua do
pai, do esforço da mãe, da maçã dividida entre as seis irmãs, do
trabalho de bóia-fria em plantação de batata de japoneses, nas
férias. Não esquecia também porque não eram lembranças ruins.
Não queria esquecer a ascenção social que teve, a qual foi fruto
de muito trabalho - mas também não queria esquecer que chegou aonde
chegou por sorte: metade de suas irmãs não tiveram a mesma
oportunidade, estancaram na rabeira da classe-média. Não esquecia
das ajudas recebidas, tampouco esquecia das desfeitas. Mas não é
por não esquecer que não sabia perdoar. Não perdoava porque para
perdoar é preciso se achar superior à pessoa que merece o perdão,
e ela não conseguia ver qualquer hierarquia existencial que
justificasse superioridade ou inferioridade - não havia ninguém a
perdoar, nem a pedir perdão. Não oferecia a outra face: evitava
brigas, mas se se visse compelida a entrar numa, entrava para brigar.
E passada a briga, passado o tempo - esse que pode ser cura, mas pode
ser um lento veneno -, não alimentava revanchismo, dispensava ódios
- não por perdoar, nem por esquecer, mas por saber distinguir
presente do passado, por entender que apesar do tempo que sedimenta
em nosso ser, somos dinâmicos. E num mundo onde as pessoas se vêem
como vítimas do passado, como credores do bem-estar dos próximos e
dos distantes, ela não faz esse tipo de leitura, de cálculos - e
muitas vezes se pergunta se tem algo de errado consigo, por não cair
nesse pensamento viciado de tantos que se dizem cristãos. E então
lembra que para esses, ela poderia ser taxada de otária, por deixar
o passado enquanto passado - mas prefere assim a mudar. Teimosa?
Nesse aspecto, bom que seja. E a humanistas ingênuos, como este
escriba, causa admiração: se a mão que outrora a apedrejava agora
pede ajuda, não nega nem cobra: acolhe. E nessas horas eu me
pergunto: quantos tem não apenas coragem, como dignidade de fazer
isso?
10
de maio de 2015.
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