Hoje fez um ano. Era
para ter sido ontem, talvez anteontem. Adiamos, não por esperança
de um milagre impossível, ou por uma moral
cristã-iluminista que preserva a vida a qualquer custo - da própria
humanidade, inclusive. Sofria, pedimos sedativos, mas o médico não
havia prescrito: só se autorizássemos a UTI. Depois de três dias
em que deparei com meu maior pesadelo - não ser reconhecido pelo meu
pai, carente de razão - o medo daquele sofrimento inútil se
arrastar por sabe-se lá quantos dias. Durou dois, quinta e sexta,
quando era pouco mais que um corpo sustentado por uma sinfonia
mecânica, incapaz de sentir dor ou o que fosse - melhor assim. Lembro de sexta à tarde, eu vestia camiseta do MST por baixo do paramento todo da UTI, e pouco via por conta das lágrimas, enquanto eu e mãe pedíamos para que partisse - eu me perguntava: por que toda essa merda? Pouco
antes da meia noite, eu e Phah assistíamos apáticos ao jogo entre
Brasil e Argentina, enquanto pipocavam notícias sobre ataques
terroristas na França - mãe já havia ido dormir -, quando ligaram
no seu celular - único telefone que registrado em sua ficha.
Estranhamos. Atendi na segunda vez que ligaram. Acabava. Numa sexta,
para não atrapalhar a semana útil - ele, que teimava em nunca
parar. Um mês antes havia, no hospital, finalmente, entendido que
férias eram importantes - não pôde aproveitar da sua descoberta.
Não como gostaríamos que aproveitasse. Não foi ontem, nem
anteontem. Eu gostaria que ainda não fosse, mas reconheço que poderia
ter sido há mais tempo, se ele não tivesse sido um exemplo de
afirmação da vida, se tivesse sucumbido ao medo quando soube do
diagnóstico. Foi hoje, treze de novembro, que fez um ano. Em Pato
fazia sol e calor. Em Sampa, chuva e frio. Mãe mexeu no jardim. Phah
fez concurso. Eu pouco fiz - muito lembrei, da piada do pintinho aos
elogios um pouco sem jeitos no Trezenhum e na Muda. Era dia de GP de
Interlagos. Daqui quatro meses fará vinte anos de nossa primeira
viagem de avião, na volta do GP de Interlagos de 1997. Saímos
antes, para fugir do trânsito e da chuva, a tempo de chegar no
aeroporto - eram as águas de março. Não pude conversar com você
sobre a prova, depois - ou mesmo antes, para avisar que aqui chovia e
a corrida poderia ser caótica. Natália mexe em minha barbicha,
cultivada desde o dia onze de novembro do ano passado - foi onde você
fez seu último agrado. Barbudão, disse dia oito, ao ser questionado
pela mãe se me reconhecia. Nesses dois dias havia alegria no seu
olhar ao me ver. Não sei no meu o que você viu. Choque no dia oito,
tímida alegria no dia onze - talvez. Isto que
escrevo, você não vai ler, para comentar depois, ao telefone - Dani, andei lendo sua última crônica... Em
certas situações, não faz sentido medir o ano conforme as rotações
dos dias e das estações. Não fez um ano hoje.
13 de novembro de 2016
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