domingo, 24 de fevereiro de 2019

Um domingo preguiçoso me leva a outras paragens

Domingo, acabamos de almoçar. A tarde está quente, em especial o sol, porém o calor não chega ser desagradável, antes um convite à preguiça. Convite reforçado pela rede e pela própria casa de Natália.
Desde que ela se mudou fico tentando imaginar como seria quando o prédio foi construído, na década de 1950. A meia quadra da Domingos de Moraes, é o primeiro da proximidade, três andares - no mais, as construções antigas, mesmo as posteriores ao edifício, são sobrados de um andar. 
Lembro de quando, fins dos anos 1980, o primeiro prédio de quatro andares despontou na quadra da casa onde morava, em Pato Branco. Meus pais reclamavam da sombra, da falta de privacidade (o fato de se limitar a quatro andares, diziam, era que isso desobrigava de elevador). Lembro do gelo das geadas que passaram a durar até próximo do meio dia, no fundo do quintal - eu gostava. Logo subiria o segundo prédio, o terceiro, o quarto - no lugar da primeira escola da cidade, expulsando a moradora, uma das pioneiras de Pato Branco, que sofria de Alzheimer e vivia no passado -, o quinto, finalmente, tinha elevador e oito andares, acabando de vez com o sol da manhã na casa. Uma década e Pato Branco se tornaria uma cidade pequena que se acha grande: vertical (porém sem elevador), congestionada, pessoas isoladas em seus caixotes e nada - sequer as fofocas nas cadeiras das calçadas - para dissipar o tédio que se renova a cada nascer do sol junto às plantações cheia de agrotóxicos - doses homeopáticas de Napalm autorizadas pelo governo e regadas alegremente pelos colonos.
Na década de 1950 São Paulo já tinha seus arranha-céus, não a Vila Mariana. Qual teria sido o impacto deste predinho, colado na calçada. O começo do fim do bairro? Ou a escassez de televisores e as forças da ordem ainda não impondo a paz de cemitérios nas ruas, por um tempo mais forçavam as pessoas a se encontrarem, não importava quão acima do chão estivessem? 
A varanda está cheia de plantas, a rede com as cores do arco-íris fica para o lado de dentro. Ainda que haja muitos prédios nas cercanias, poucos atrapalham a visão do céu dali da sala. Acompanho as nuvens desfilarem pelo céu azul, como fazia em criança, deitado na grama, olhando para o céu, para nuvens ou estrelas, sem procurar nada, formas familiares ou constelações (nunca soube identificar nenhuma constelação além do Cruzeiro do Sul), apenas observá-las - no máximo, nas noites sem nuvens, eu gostava de ver aquele borrão branco que diziam ser uma galáxia. Pelo apartamento de Natália ser no primeiro andar, colado na calçada, a rua parece seu quintal. O pouco movimento, a preguiça do calor, o balanço da rede, o azul do céu, fazem com que me sinta em alguma cidade pequena de algum tempo de antanho, de forma alguma em um bairro central da maior cidade brasileira. Pato Branco? Ou São Paulo mesmo? Ou qualquer coisa entre as cidades que já me habitaram? Presto atenção na calçada, uma pessoa passa em ritmo de domingo: mais de seis décadas atrás, o antigo morador, aproveitando a preguiça de um domingo de fevereiro, teria visto Lasar Segall passado pelo outro lado da rua?

24 de fevereiro de 2019

Sem comentários: