Ao saber do anúncio de que Bolsonaro, seus filhos e alguns capangas criariam um novo partido, acreditei, ingenuamente, de que se tratava de um tiro no pé do presidente apedeuta, que perderia sua já capenga base de apoio no legislativo. Ao ver o símbolo do Aliança Pelo Brasil feito com balas lembrei que se aos Bolsonaros falta capacidade intelectual, seus mentores intelectuais - aqui e além mar - são dos mais competentes no que se propõem.
Numa situação de funcionamento normal da democracia - mesmo precária e de baixa intensidade -, Aliança seria um abraço para o fundo do poço. Como não há nada de normal nos tempos atuais - salvo a cabeça de muitos políticos de esquerda, que agem como se estivéssemos na Suécia dos 30 anos gloriosos -, o novo partido permite alguns vislumbres do seu porquê.
Primeiro, o partido mira 2022. Não necessariamente para vencer as eleições, pode ser também para acabar com elas. A articulação do governo é praticamente inexistente e pouco se tem feito desde o início do ano. O ponto onde a pauta do governo avança - o ultraliberalismo de Guedes -, o faz porque Rodrigo Maia articula e conduz. Uma situação um tanto curiosa: Bolsonaro se mantém graças a Guedes, que se mantém graças a Maia, que está onde está porque tem bons amigos nas grandes empresas, nos bancos, na mídia, no judiciário e na política. No ritmo de ditadura que as reformas ultraliberais seguem, antes do fim do terceiro ano Guedes já terá cumprido seu dever, as elites autointituladas ilustradas acharão Bolsonaro um peso desnecessário - como acharam Eduardo Cunha depois de abrir o "golpimpeachment" contra a Dilma - e a população pouco motivo encontrará para apoiá-lo, uma vez que sua penúria aumentará. Uma maior desarticulação do governo no congresso atravancaria ainda mais as propostas "bolsonaristas raiz" e forneceria a desculpa para o porquê da população não ter visto melhoria em sua vida: o congresso, os políticos que impedem ele de governar. Bolsonaro pode se utilizar do argumento por muito tempo berrado por certa "esquerda Peter Pan" (como eu dizia no Trezenhum), presa em teorias acadêmicas e descolada da realidade complexa: falta vontade política; no caso, vontade ele teve, faltou a política deixar ele agir. Solução: ou a rede de fake news garante uma vitória acachapante nas eleições, ou melhor que elas não aconteçam, para que a nação veja o triunfo da vontade.
Segundo ponto: por ter sido um fenômeno muito recente - começou a ser gestado em 2017, mas ganhou relevância mesmo em 2018 -, o fascismo bolsonarista não se enraizou. Ganhou gás eleitoral, mas falta musculatura, falta o elemento milícia de um partido fascista - conforme ressalta a ciência política clássica. Essa ausência de milícias chegou a me chamar a atenção - a intimidação pré-eleitoral não se manteve tão logo ele venceu o pleito. Por ora, o que tem são ligações com milicianos cariocas, quadrilhas de ruralistas liberadas para agir e o sopro de prepotência para os guardas da esquina darem esculacho em ppp - preto pobre periférico. As leis liberando comercialização e posse de armas visam facilitar a montagem de milícias urbanas. Luis Nassif aponta o partido como articulação dessa violência [http://bit.ly/2pL491E]. Eu tendo a crer que não há necessidade de muita articulação: a violência desarticulada, sem alvo exato, sem muito método tende a ser muito mais eficientes para promover uma sensação de caos e reiterar o discurso de ordem e de necessidade de fechamento do regime. No máximo haja a necessidade de uma milícia de luxo, para ações pontuais em casos muito específicos (como no caso de vereadoras que incomodam o detentor do poder), no resto, pode ser um pau pra todo lado.
Há, ainda, um outro elemento a compor as milícias da Aliança - a religião. A união entre Bolsonaro e PSL se deu porque o primeiro tinha grande projeção nacional e vinha num crescendo, graças a um staff qualificado (Steve Bannon e outros que não sabemos o nome, mas conhecemos o método); enquanto o segundo era um partido fraco - mas era um partido -, que poderia crescer com um candidato forte e aumentar seus lucros - e seu poder. Com poder de barganhar na câmara e sonhando se enraizar como partido de direita - no enorme vácuo que há nessa raia no país -, o PSL passou a querer agir minimamente como partido político quando 2019 começou - e Bolsonaro seguiu agindo como sempre. Sem um conseguir garantir a ascendência sobre o outro, o jeito foi Bolsonaro lançar um partido no qual fosse o homem forte - por mais frouxo que ele seja.
O presidente tem como parte do seu capital político atual, além do "staff made in USA", o controle das instituições estatais, em especial as forças repressoras, (mal) ditas da ordem - por isso também a pressa em se lançar no mercado. O novo partido vai permitir que ele consiga barganhar e se articular com forças paraestatais: milícias, igrejas e o chamado quarto poder, a mídia - em especial Record. É conhecido a ala "Gradiadores do Altar", da Igreja Universal, jovens fanatizados nazistizados marchando para Jesus (o primeiro militarista da história, pelo visto), uma espécie de mistura de SA com Taleban cristão tropical: há, portanto, uma milícia pronta em stand by, apenas esperando o armamento chegar (quero crer). As forças da ordem podem se afinar com tais milícias, em intercâmbios "frutíferos", como no México, com a diferença que aqui as ações estariam baseadas na fé em Cristo e no líder. O que Bispo Macedo pediria em troca da adesão ao novo partido, Bolsonaro pode dar sem mexer com seus próprios interesses. Os atritos viriam no futuro, quando (se) Macedo se sentir poderoso suficiente para a IURD assumir diretamente o poder.
Claro, isso pode não acontecer. Há uma série de fatores que aos cidadãos comuns não tem acesso. Um deles é como estão os acordos entre Estado e crime organizado: o cessar fogo entre polícia e PCC, em 2006, por exemplo, como foi selado? Ou então - pode ser coincidência - quando um político e advogado acusado de ligações com certo setor do crime organizado, ao assumir o ministério da justiça viu uma violenta contraofensiva nos estado do norte e nordeste contra esse grupo ao qual teria prestado serviço indiretamente. Os crimes organizados aceitarão de boa ceder seu território conquistado a duras penas? Ou as articulações entre as diversas igrejas evangélicas, concorrentes da do Bispo Macedo: aceitarão se subordinar ao concorrente? (a igreja católica não mostra poder de reação). Mesmo que dê certo o golpe do bolsonarismo, esses fatores permitem vislumbrar uma série de problemas - os teóricos do nazifascismo sempre reiteram o quanto o regime é autoimplosivo (daí, inclusive, a diferença de um Bolsonaro para um Mourão, o vice-presidente, como o exército, parece ter um mínimo de instinto de sobrevivência).
Por ora, a resistência é tímida, quase inexistente. Alguns formadores de opinião gritam, como o próprio Nassif, assim como o Reinaldo Azevedo, um dos fomentadores da criatura e que se vê cada vez mais prestes a ser engolido por ela. Os políticos agem como se vivêssemos na normalidade democrática, e os avanços fascistas seriam apenas traquinagens do "menino Jair". Por ora, a única liderança de fato é Lula - que ganha legitimidade extra por conta dos seus 580 dias preso injustamente. Ainda assim, Lula é Lula e não deus - e depender de uma pessoa é um risco demasiado.
E se o país implodir? Para as elites, problema algum, uma vez que podem rapidamente levantar acampamento e seguir sua vida normalmente em Miami - os mais ilustrados talvez prefiram Paris. Duro para quem fica. Pior ainda para quem vive nas periferias. Talvez seja hora dos movimentos sociais e das pessoas progressistas e que se opõe ao fascismo começarem a se adaptar aos novos tempos, e agir dentro do que é permitido: tentar reverter a situação com ações políticas e pacíficas, com manifestações de rua e trabalho de base - mas estar preparados para se defender e evitar um massacre, e começar a ter aulas de tiro.
22 de novembro de 2019
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