Petra Costa, se souber aproveitar da indicação e do apoio (involuntário) dos golpistas, se habilita como figura de proa do cinema engajado nacional - mesmo que não leve a estatueta. Tem tudo para assumir o papel de “Michael Moore do Brasil”, ou seja, uma cineasta engajada à esquerda, afinada com um partido, com um ponto de vista bem marcado, e que faz filmes para atingir também um público que pode se sensibilizar com o que é apresentado - além, claro, das pessoas da bolha.
E tal como Michael Moore, Democracia em Vertigem, apesar de engajado, de ter lado, é um filme superficial, fraco, pouco político: fica antes numa chave emotiva-moralista e apresenta todo o teatro político como algo distante e em boa medida alheio ao povo: as manifestações de rua entram mais como se fossem torcidas de futebol - que em algum passado poderia ter sido o documentário a representar o Brasil -, salvo, talvez, quando fala de 2013. Até para a história que se propõe contar o filme é superficial: a falta de ênfase na trajetória de Eduardo Cunha e Sérgio Moro, por exemplo, não permite que amarre a contento esses dois personagens na história do golpe - deixar passar, no depoimento de Lula, quando Moro tenta a pegadinha de “achamos estas escrituras sem assinatura no seu apartamento”, me pareceu infeliz.
Lula, por seu turno, sai engrandecido do filme - como do golpe, como de toda a história. Os trechos de seus discursos ressalta um orador dos maiores da história; os momentos falando para a cinegrafista, sua defesa da democracia, reiteram o papel de grande líder mundial, ainda mais neste momento de ascensão da extrema direita em todo o globo e da relativização da democracia e do Estado de Direito.
Democracia em Vertigem tem também uma falha no nome - ou seria uma esperança? O que vemos ali - e fora dali também - é uma democracia em pedaços, destroçada, sem chances de voltar ao que era - e sem que consigamos encaminhar uma ação para que democracia queremos construir. Ponto positivo, que o filme antes apresenta os diversos caminhos que acabaram por nos conduzir à encruzilhada na qual estamos, deixando ao espectador juntar da forma que mais lhe faz sentido, e sem apresentar solução, apenas anunciando o problema.
Trata-se de um réquiem do pacto democrático que se extinguiu em 2015. Graças ao Oscar, o filme sai da bolha, deixa de beirar o irrelevante e, mesmo com todos seus defeitos, se torna um saudável sopro de crítica para os nacionais - para os tempos atuais, precários, necessário. Para consumo externo, um filme que desnuda de maneira simples o ponto aonde estamos e indica que o que aconteceu na maior economia e maior democracia da América Latina não é um evento normal, e há algo além, que merece atenção. Não por acaso incomodou Bolsonaro e os tucanos: vão ganhar o mundo como vilões, incapazes de uma justificativa plausível. Ao ganhar visibilidade, pode ajudar a abrir estradas para o país que buscaremos construir quando todo esse pesado for expurgado.
18 de janeiro de 2020
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