segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

A crise da democracia liberal-burguesa [Zeitgeist 2033]

Repentinamente o mídia internacional se interessou pela democracia na República Democrática do Congo, no centro da África - assim como se preocupou com a democracia venezuelana na América do Sul (por sorte, o Brasil passou ileso das atenções internacionais, apesar de suas eleições suspeitas desde o início). Se a Venezuela possui petróleo, o Congo tem enormes jazidas minerais, em especial de cobre o cobalto, essenciais para smartphones e carros elétricos. Em comum nas admoestações do "Ocidente", o discurso de preocupação com direitos humanos, pobreza e democracia - não sei se é relevante, porém é comum também o fato de que os vencedores dos pleitos congolês e venezuelano não agradarem ao capital internacional (por mais que a Venezuela faça negócios com os EUA, não entrega suas reservas a preço de banana de xepa, como certo país tropical). No caso do país africano, não deixa de ser significativo que o candidato declarado vencedor por observadores internacionais - Martin Fayulu - seja ex-executivo de uma petroleira, a Exxon Mobil (parênteses: vale também ressaltar que a tentativa de pintá-lo como um líder abnegado, alguém que se guia apenas por interesses comuns, nunca individuais, raro em qualquer parte do mundo [https://on.ft.com/2FNPo40], é de um farsesco ridículo, mas que tem marcado a mídia nestes tempos de ascensão neofascista, vide o "Mito" que ocupa o Palácio do Planalto, ou mesmo antes dele, a ridícula "necessidade" de Willian Corrêa provar que Michel Temer "é gente como a gente, o senhor existe realmente" [http://bit.ly/2HowEdL], na grotesca tentativa de criar uma mitologia para o golpista, reedição pós-moderna de "Carlos Magno e a Távola Redonda").
Contextualizando rapidamente para quem não tem tido tempo para acompanhar o que acontece além-mar, sufocado por Ibamas, carros, laranjas, milhões em nota de cinco, azuis e rosas, índios mortos, Lula preso, Moro solto e análises de Marx sobre a primeira guerra mundial: Congo era antigamente o Zaire, controlado por Mobutu, deposto por Laurente-Désiré Kabila, em 1997. Em 2001, Laurente-Désiré é morto e assume seu filho, Joseph Kabila, no poder desde então. Em 2016, acuado, Kabila convoca eleições, que são adiadas constantemente. O pleito se realiza, finalmente, em dezembro de 2018. O candidato do governo, Sharaday fica em terceiro; o oposicionista Fayulu, nos resultados oficiais, em segundo, e o oposicionista Félix Tshisekedi, filho do histórico líder oposicionista Etienne Tshisekedi, falecido em 2017, é declarado o vencedor. Observadores da igreja católica e vazamento de dados de urnas apontam vitória de de Fayulu com cerca de 60% dos votos. Tshisekedi, logo após o resultado, se encontra com Kabila, e isso é lido como um acordo entre o atual mandatário e o oposicionista conhecido do status quo do país, mais confiável para garantir uma transição "tranquila" - nem que se use de fraude nas urnas -, a entregar o poder a um outsider aventureiro. É de se acreditar que deveras houve fraude.
Vários questionamentos surgem a partir desse imbróglio, ressalto dois. O primeiro e mais óbvio: por que dois pesos duas medidas? Ainda que fraude no Congo seja grosseira - alteração dos votos -, a fraude na eleição brasileira, não é por ser mais sofisticada que deixa de ser fraude: o principal candidato ao governo é condenado e preso por "crimes" - sem se especificar qual, quando, como, por que: "atos de ofício indeterminado" ou "por causa de umas paradas aí, tá ligado?", para usar uma linguagem mais jovem. Com base em uma lei que não valeu para 1400 outros candidatos, é impedido de concorrer [http://bit.ly/2U9KWjQ]. Vence o candidato neofascista, e o articulador do impedimento de Lula, que tentou interferir na disputa também durante o pleito, assume cargo no novo governo como recompensa pelo bom serviço - causas e efeitos todos muito bem determinados. Outro questionamento nessa linha: por que toda essa atenção ao Congo e nenhuma ao Gabão, país rico em petróleo, onde houve uma tentativa de golpe de estado há duas semanas - será por que o presidente gabonês, Ali Bongo, é moço de recados da França na África enquanto sua família é a dona do petróleo do país (e da cadeira presidencial desde 1967)?

O segundo ponto é um pouco mais estrutural: das promessas do sistema liberal-burguês e sua impossibilidade de entregá-las. Na verdade, ele sequer é capaz (ou tem interesse) de oferecer o mínimo: informações suficientes para uma decisão racional por parte dos cidadãos - isso se é possível uma decisão racional ao molde do que defende a teoria liberal, o que temos visto cada vez mais são escolhas passionais e irrefletidas, mesmo por parte de gente tida por intelectualizada.
E o que promete o sistema democrático liberal-burguês? Basicamente liberdade política para os cidadãos se expressarem e escolherem seus representantes, os quais, durante a corrida eleitoral, apresentam suas propostas do que irão mudar ou manter no funcionamento da máquina pública e na sua relação com a sociedade civil.
Vale questionar o quão limitada é essa "liberdade política": o que pode ser dito, quem tem direito a se candidatar, quem tem o direito de votar, quais as regras do processo eleitoral? Se o discurso de liberdade marca a democracia liberal desde o início, desde seu início também corre em paralelo uma série de restrições - na verdade, desde a democracia grega, quando todos os cidadãos podiam participar dos negócios da pólis, mas apenas a minoria de seus habitantes eram considerados cidadãos. As restrições, contudo, não servem para salvar a democracia liberal - de fato, elas são seu coveiro -, e sim para salvar o modo de produção, que precisa manter a fachada de liberdade (que não se sustenta na realidade, ou alguém acha que a vendinha da esquina pode disputar livremente com o Walmart?). As restrições ao poder de ação do estado que acompanham a ampliação da participação democrática (ou sua possibilidade, ao menos), tem como intuito relegar a política à irrelevância (pontuado por Debord, em 1967, e por Chico de Oliveira, no século XXI), e permitir aos agentes econômicos atuarem pensando apenas na sua maximização de utilidade no mercado - sim, esse ideal de irrelevância política (o fim da história) é acompanhando de pressões contraditórias, desde a necessidade do Estado como balcão de negócios da burguesia até a do Estado limitador da voracidade do capital contra o trabalho.

Para disputar um cargo político, além das regras explícitas que delimitam quem tem esse direito, há a necessidade de capital - econômico e social - para ter realmente chance de vitória: a mera liberdade formal é apenas um faz-de-conta sem efeitos práticos (que o digam os que votaram 54 em 2018). A internet é uma mudança não esperada nessa relação, talvez por alterar os termos do capital social, e também por movimentar de modo bastante nebuloso vultosas somas de capital econômico. Não é um efeito menor, como atestam as eleições de Trump e Bolsonaro, e o Brexit. Entretanto, como seu uso tem sido antes favorável ao sistema, promovendo "revoluções conservadoras", o ímpeto de controlá-la não se faz tão urgente - me questiono agora o quanto a internet 5G vai além de aspectos econômicos, e daí o caso Huawei.
Assim como a ampliação a quem tem direito a disputar um cargo eletivo, a ampliação do direito de voto ocorreu por conta das lutas populares, ao pressionarem as elites, os detentores do poder, a seguirem os próprios ideais que apregoavam. Cada pequeno avanço na ampliação da cidadania é acompanhado de rearranjos do Estado e das regras eleitorais, de modo a tentar garantir que nenhuma grande mudança acontecerá - como a forma de composição de governo (como na Itália pós-guerra) ou mudanças na divisão dos distritos eleitorais (como nos EUA atualmente). Se acaso vence um operário, por exemplo, uma série de salvaguardas - do "vice caução" a uma carta ao "povo" com o dinheiro da nação - são tomadas para ter certeza de que não haverá solavanco.
Porém, não apenas a democracia é limitada por suas regras e sua dinâmica de funcionamento, o próprio Estado, no seu desenho, na sua continuidade no tempo, nas suas relações internas e internacionais, nas relações de forças que o permeiam, é bastante engessado, com poucas aberturas para inovações e rupturas, mesmo que expressas em voto popular - ao menos em tempos normais, em tempos de crise, a coisa muda de figura. Não cabe aqui classificar se tais limitações são boas ou ruins - "do bem" ou "do mal" -, há aspectos positivos e negativos, como tudo. A questão é que o discurso liberal oculta essa face do Estado e da política, e segue não apenas permitindo promessas, como ele próprio reitera tal parlatório que de modo algum tem como entregar - o "tem que mudar tudo o que está aí, tá ok?", ou mesmo a construção de um muro que resolveria todos os principais problemas de um país. Manter viva a esperança de mudanças drásticas e rápidas é uma forma de forçar as pessoas a seguirem acreditando que o imobilismo amanhã vai se tornar movimento - e redenção!
Fayulu, pelo que pude acompanhar, é um outsider do establishment político com ótimas ligações com grupos internacionais. Não que Tshisekedi dê pinta de ser nacionalista, socialista, a favor das causas populares e da independência de fato do país - também ele desembarcou há pouco no Congo, mas pelos laços familiares, soa um político mais bem relacionado com o status quo local, apto a fazer essa ponte com o exterior sem excluir dos novos arranjos os que sempre lucraram com o colonialismo e seu pretenso fim. Não parece haver dúvidas quanto à fraude, porém cabe a pergunta: o país resistiria à vitória de Fayulu sem entrar em uma nova guerra civil? (ou, para usar exemplo brasileiro: o país resistiria a uma vitória de Lula sem um novo golpe militar?).
Não se trata aqui de defender ou justificar a fraude! Estou propondo dar um passo atrás e questionar por quê se chegou a esse ponto: a democracia, no mundo atual, é capaz de realizar seus ideais? Eleições livres, partidos democráticos, liberdades ampas à população, autodeterminação aos povos? Definitivamente, não. Pela democracia liberal não nos é possível alcançar o que ela própria promete de mais básico, que é respeito às suas regras.
Portanto, antes de falar em mudanças, precisamos deixar muito claro qual a situação em que vivemos, encará-la sem ilusões: democracias de fachada, tuteladas, mutiladas, com regras que só valem se o resultado for a que interessa aos donos do poder. É a partir de uma análise desapaixonada da realidade que se pode discutir e articular a construção de novas bases de luta e reivindicações, sem cair na armadilha de esperar que os entes do Estado de Direito sejam garantia dos direitos, ao mesmo tempo em que não se pode negar que a luta institucional, explorando tais contradições e cobrando suas resoluções (afinal, enquanto ideais abstratos, não há muito que se reclamar do que propõe o liberalismo), é parte imprescindível da construção de um mundo melhor.
A falta desse tipo de educação/ilustração política, deixa em aberto o caminho para o desalento com a política, uma porta fácil para apelos a ressentimentos vários - para dar um pouco mais corpo e identidade a esse ressentimento inaugural com a democracia -, culminando na adesão a políticos "antipolíticos" "sinceros": são eles que denunciam o engodo desse ideal inalcançável. Entretanto, ao invés de proporem mudanças, melhorias, apenas convidam a uma adequação radical ao que está dado, de modo a enquadrar a todos - políticos, elites, movimentos sociais - na mesma trilha de conformismo e desesperança - e garantia de lucros aos de sempre.

21 de janeiro de 2019

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

O judiciário como linha de frente no avanço neofascista [Zeitgeist 2033]

O ativista português João Bernardo, em seu Labirintos do fascismo: na encruzilhada da ordem e da revolta, se nega a apresentar uma unidade coesa nos diversos fascismos do século XX: identifica quatro eixos, que ora colaboram, ora disputam entre si pelo poder, tendo como base social um grupo bastante heterogêneo, de grandes industriais a camponeses, passando por funcionários de colarinho branco. Na página 216 ele cita que Maurice Bardèche, "o mais sábio dos fascistas franceses, prolongou a lição de Ledesma Ramos [um dos principais ideólogos do fascismo espanhol] chamando a atenção para 'a impossibilidade de o fascismo se desenvolver fora dos períodos de crise. Porque ele não tem um princípio fundamental. Porque não tem uma clientela natural. É uma solução heróica. [...] É o partido da nação em cólera. E principalmente [...] dessa camada da nação que usualmente se satisfaz com a vida burguesa, mas que as crises perturbam, que as atribulações irritam e indignam, e que intervém então brutalmente na vida política com reflexos puramente passionais, quer dizer, a classe média. Mas essa cólera da nação é indispensável ao fascismo'. É certo que aquela situação de crise colocava problemas distintos a cada uma das classes e das camadas sociais, mas o fascismo pretendia possuir uma solução comum para essa diversidade de questões". 
"Nação em cólera em período de crise". Para além do momento interno do país e suas disputas de classe, o fascismo do século XX dependeu de um contexto global - redesenho do mapa geoeconômico e geopolítico, hiperprodução e crise do capitalismo. Nesta segunda década do século XXI, novamente uma crise do capitalismo enceta soluções pela via fascista - ainda que guardadas as diferenças para as experiências do século passado, e com muitas variantes acerca de como tem despontado em cada país. A ilusão, com o colapso do socialismo real, de uma "ordem multipolar" controlada pelos Estados Unidos se vê seriamente ameaçada pela emergência chinesa, que busca redesenhar o mapa da produção mundial conforme seus interesses.
A disputa econômica entre os EUA trumpista e a China acerca de tarifas, e a prisão da executiva da Huawei, Meng Wanzhou, no Canadá, a pedido dos EUA, é apenas a face mais evidente desse rearranjo de territórios ainda em aberto. Petróleo e tecnologia 5G (que vai muito além de internet rápida, e na qual a China larga em vantagem [https://on.ft.com/2D4EPaN]) são os grandes motores do momento, e o principal veículo para consecução dos objetivos, neste estágio do conflito, está no uso aberto do judiciário como instrumento de perseguição política. Essa nova fase da guerra comercial entre Ocidente e China, atacando diretamente pessoas, não começou com a prisão de Meng Wanzhou: em dezembro, Patrick Ho Chi-ping, executivo de Hong-Kong que trabalhava para empresas chinesas,  preso desde 2017, teve sua prisão confirmada pela corte federal de Manhattan, por propinas pagas aos governos do Chade e Senegal, na África. Agora é a vez da prisão de Piotr D, um executivo da Huawei polonesa - o maior mercado da empresa chinesa no leste europeu [https://on.ft.com/2SPgYBv]. Isso para não falar nas acusações de espionagem por parte da Huawei, ou de hackers sustentados por Beijing.
A China respondeu à prisão de Meng Zanwhou detendo dois canadenses, acusados de atentarem contra a segurança nacional. O Ocidente reagiu dizendo que se tratam de prisões arbitrárias - deixando de lado a seletividade da justiça estadunidense, pois não me consta que o general Keith Alexander esteja preso por espionagem internacional -, ao que o embaixador chinês rebateu, acusando os críticos de "suprematismo branco".
Possuidora de três grandes reservas petrolíferas - México, Venezuela e Brasil -, e considerada quintal do Tio Sam, a América Latina parece ter sido o grande laboratório para novas formas de intervenção política - popularmente conhecidas como golpe de estado -, diante do fracasso da tentativa de "reformas" via "levante popular" no Oriente Médio. Essas novas formas passam pela instrumentalização aberta do judiciário na perseguição de inimigos internos e externos, atuando sob uma frágil base de ritos formais - seguidos conforme a ocasião -, e se utilizando do direito penal para produção de presos políticos - Jorge Mateluna, no Chile, Milagro Sala, na Argentina, Lula, no Brasil (Rafael Corrêa só não faz parte da lista por estar exilado na Bélgica). A atuação do judiciário tem sempre favorecido os EUA e as elites locais aliados aos interesses do Império. Nos casos em que não atua diretamente, o judiciário avaliza o desrespeito às leis e à Constituição, em nome da caça ao inimigo - como no caso dos impeachment farsescos em Honduras, Paraguai e Brasil.
Claro, a justiça sozinha não é capaz de manter o movimento, daí a necessidade de se ocupar o executivo para aplicar o receituário econômico conforme os ritos legais, e haver exército de prontidão para agir em caso de perturbação da ordem, e a mídia em permanente atuação - fator crucial para alimentar a cólera da nação e explorar bodes expiatórios.
Onde o judiciário pode ser um empecilho, intervem-se nele sem maiores pudores, como no caso da Polônia, Romênia e - exemplos bem mais complexos - Venezuela e Turquia. Aqui, Erdorgan talvez já conhecesse as novas técnicas de uso do poder via intervenção judiciária, e cumpriu a cartilha contra seus opositores antes que fosse feito contra ele - inclusive com o mesmo expediente usado por Moro contra Lula, de bloqueio/confisco de dinheiro dos "inimigos". Na Venezuela, o estado de guerra permanente não declarada contra o país, desde 2002, e intensificada nesta década, empurra o país para o colapso, e Maduro se sustenta como pode - diante de uma oposição que não merece qualquer voto de confiança (Gilberto Maringoni tem feito ótimas análises sobre o país) -, com apoio do exército e do judiciário. Isso, contudo, só é possível porque Chavez foi inteligente em repactuar os poderes do estado e desarticular as elites tradicionais, alinhadas com os EUA e o capitalismo de butim - ajudado por essas mesmas elites, de uma incompetência política invejável, talvez por nunca terem feito política -, reinstrumentalizando o judiciário dentro de sua "revolução bolivariana", o que lhe valeu, por não ser aliado dos EUA, a alcunha de "ditador" por parte de quem acha que os militares no Brasil eram um "movimento" ou uma "ditabranda". Tivesse mantido as estruturas herdadas quando assumiu o poder, teria caído há muito tempo, e seu sucessor, se viesse a assumir, já teria sofrido impeachment (não se trata de defender especificamente a reforma por ele feita, mas ressaltar que mudanças do tipo são fundamentais para garantir mudanças sociais e impedir contragolpes institucionais, feitos à revelia dos interesses do país e da maioria da população).
É para se observar como se comportará o judiciário brasileiro no governo Bolsonaro, em especial quando surgirem as crises: após intervir diretamente no resultado das eleições, com seu principal expoente integrando o governo, o judiciário deverá tentar manter a tutela do governo - como já havia ensaiado no governo Dilma. Contudo, essa mesma tutela é disputada pelo exército, que começou no julgamento de Lula e não deve ser aliviado agora que entrou de cabeça no governo fascista. Para fora das esferas de poder, o que podemos esperar é mais perseguição e sentenças arbitrárias contra opositores do governo - sejam da sociedade civil, sejam do próprio parlamento. 
A resistência, ao que tudo indica, deve vir de fora, num primeiro momento, via pressões de ONGs e da sociedade civil internacional. No plano interno, ainda carecemos de uma melhor organização - sociedade civil, movimentos sociais, partidos políticos -, e aceitar que precisamos abrir mão de purezas ideológicas em nome de acordos com aliados de momento - prontos para pular fora assim que não nos convier mais (e Rodrigo Maia não me parece um aliado de momento, diferentemente de Renan Calheiros e Gilmar Mendes). Bolsonaro já mostrou que fará um governo errático; os que se arvoram no poder já mostraram que logo começarão a disputar entre si, precisamos saber utilizar as brechas, antes que o regime se feche ainda mais.
No plano global, o judiciário deve aumentar sua atuação, não apenas arbitrando litígios econômicos, mas atuando na detenção e no indiciamento dos agentes econômicos "inimigos". Isso até o momento que não se puder mais agir apenas com essa carapuça e partirmos para conflitos abertos. A Venezuela parece ser o alvo da vez: enormes reservas petrolíferas, um governo encurralado e ampla crise econômico-social; Trump necessitado de recuperar popularidade para enfrentar a eleição ano que vem, o governo Bolsonaro precisando um bode expiatório para "calar democraticamente" as críticas e unir a nação, a China avançando sobre o petróleo venezuelano, e a Rússia pronta para fazer o que não conseguiu enquanto União Soviética - pôr os pés no quintal americano. Tudo isso, claro, em nome dos mais nobres valores dos direitos humanos, condoídos pela crise humanitária que assola os venezuelanos, como no Vietnã, no Afeganistão, no Iraque...

11 de janeiro de 2019