segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

Quartos de motéis: sobre a falta que faz um Bandejão na vida de um empreendedor [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

Tempos atrás saí com um brotinho, um pitelzinho maroto que me fez sentir o puro tio da Suquita - referência que ela não tinha -, que me explicou que o novo cringe é não ser cringe. Ou seja, se você usa gírias supimpas atualizadas você está sendo cringe. Réchitéguificadica. As afinidades entre nós foram muitas, mas tivemos algumas dificuldades logísticas e de humor sem graça.

Após ter vindo até meu lar - cinco dias depois, para ser mais exato -, o pitelzinho me avisou que era alérgica a gatos (por mais que eu não tenha visto ela espirrar, lacrimejar, ficar com o nariz vermelho, nada, e ainda que seus avós criem coelhos em casa, para consumo próprio), e não seria de bom alvitre ir à minha residência novamente. Sugeriu que eu poderia ir até sua casa, só teria que ser mais tarde: seus avós dormem pesado e não haveria problemas. Recusei, não só por não confiar em sonos pesados alheios (já tive péssimas experiências), assim como o receio de que me confundissem com algum sobrinho deles - imagina o forféu que não seria o grupo de whats da família, os avós escandalizados que a neta está saindo com um parente, e a discussão sobre quem seria esse parente misterioso. Mas, claro, o que eu disse foi que não podia porque ficara de cuidar do sobrinho - o que era verdade [bit.ly/cG240112].

Assim, sobrou a opção motel - que não acho ruim, mas é caro, ainda mais quando tenho que soltar todo o tutu sozinho. Fui pesquisar na internet algum que fosse interessante de custo e, quem sabe, de instalações também. 

É muito evidente quando o dono do motel deve ter estudado na Universidade ou em alguma outra instituição pública ou não. E quem lia o Trezenhum. Humor Sem Graça. quando ele ia ao ar (ou leu o livro, que ainda está à venda, diga-se de passagem e não sem propósito), vai se lembrar e entender o porquê. Quem não leu eu explico logo: os nomes dos pratos do Bandejão da Universidade nunca eram “bife ao molho escuro” (salvo uma vez, quando o estagiário conseguiu um emprego e deixou o Bandejão órfão de criatividade), e sim “bife parisiense”, “bife primavera”, “bife italiano” etc, sendo que todos eram bifes no molho escuro, um com cenoura, outro com batata, outro com cenoura e milho (o primavera), mas que em nada alterava o sabor ou a apresentação do referido prato de bife ao molho escuro - isso quando achávamos uma batata ou um milho. Aos motéis, enfim.

Sim, sei que os quartos são identificados por números - e não apenas os sexuais 69, 29, 24 -, porém antes disso eles parecem ser obrigados a ter um nome fantasia. Alguns moteis se saem relativamente bem, dando a descrição do quarto como nome - não raro com um “luxo” “premium” “prime” “black” “gourmet” “vip” ou “top” para dar um ar mais high society. Vale lembrar que “não raro” quer dizer nem todos - e é aqui que se vê que faltou um estágio no Bandejão para dar um nome mais charmoso para o básico sem graça. 

Creio que não será exaustivo trezer aqui os exemplos alguns belos nomes sem sentido para suítes de moteis. 

Logo no primeiro que vi: “casual”, “louge”, “acaso”, “trip”, “tantra”, “design”, “deluxe”, “loft”. O que liga lé com cré nesses nomes, não sei. Mas uma "suíte trip" é para quê, uso de alucinógenos? "Suíte tantra" vem com massoterapeuta incluso? E a "suíte kitnet-com-nome-chique"? "Suíte louge" seria tipo uma sala de reunião refinada? Pior é a "louge com lareira": ir pra uma suíte acender fogo e ficar fedendo fumaça? Em outro, temos a "Zapt", a "Erótica" e outras, todas absolutamente iguais, salvo a posição do ar-condicionado e a cor da cabeceira da cama. 

E que tal chamar de "suíte espuma" porque tem hidro e teto de bolinhas? Outro deu nomes de frutas. Fiquei a me perguntar se seria para um casal depois de brincar de salada mista, porque, como de praxe, as suítes não tinham diferença de uma pra outra, salvo a “morango” (que não tinha na brincadeira... seria um sinal?). Um dos moteis colocou “Suíte Family” para a que tem piscina: é motel ou é clube? Suítes “selinho”, “beijo”, “beijo roubado”, “beijão” e “beijão molhado”, que tal? Senti até o cheiro de bife rolê do Bandejão ao ler esses nomes.

As temáticas BDSM também estão em alta. Via de regra, uma pior que a outra; e o nome mais comum é, preste atenção a desocupada leitora, o desocupado leitor em toda a originalidade: “50 tons”. Nenhuma suíte “120 dias”, frustrante. Um motel tenta um cafona “50 tons de amor”. Outro, que deve ter feito Universidade, meteu nessa temática o nome de “Bastilha” (vários motéis colocam nomes de cidades, principalmente europeias, principalmente dentro desse principalmente as francesas, e sinceramente espero que não seja uma referência aos hábitos de limpeza dos povos civilizados que nos colonizaram, mas tenho minhas dúvidas). Já outro, claramente não afeito ao Bandejão, colocou logo “Suíte clássica com X” - visto que é basicamente isso que há nesses quartos “sadomasoquistas”, salvo um, que parece ser o porão de uma casa velha. Destaque também para um motel que colocou o nome do quarto como “suíte 50 tons sem hidro”: não seria mais sensato destacar o que tem nos quartos, e não o que falta? Nem eu consigo ter tanto antitino comercial! (Gostei do termo antitino, além de parecer algum princípio ativo de remédio homeopático, antitino, dá uma cacofonia gostosa de falar, antitino. Experimente você aí). E é aqui que a gente vê a falta que faz ter convivido com nomes criativos para o mesmo bife ao molho escuro.

Um, em meio a suítes “luxo”, “vip” e “presidencial” (quase todo motel tem uma, deve ser uma fantasia comum se achar presidente, ainda mais depois que um apedeuta microcéfalo e micropeniano chegou ao Planalto) mete uma “suíte acessível”: é para a pessoa se sentir quase constrangida a escolher outra, ou vai ver é uma suíte BDSM com viés sociológico (escroto, mas sociológico). Outro não tem papas na língua: é “simples”, “hidro” e “temática” sem tema algum - talvez seja um convite à criatividade do casal, pensar algum tema naquelas paredes brancas e espelhos por todo lado.

Por fim, depois de muitas pesquisas e cálculos, levei meu broto no quarto “Luxo Super Premium” (que é sem hidro, apesar de não avisar), um nome de impacto (sem ser tão brega) e sem grande impacto no meu orçamento. Quatro dias depois ela me mandou mensagem, avisando que estava com micoses. Perguntei se isso não seria um sinal de afinidade extrema, pois eu também!

Casal unido, pega micose unido!

Ela não gostou da minha brincadeira e me pôs na geladeira. Próxima vez pego a suíte New York e ela que não reclame se acaso tiver ratos andando por cima de nós enquanto nos divertimos.


05 de fevereiro de 2024


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.

PS2: sim, a imagem que ilustra este texto, essa pia que parece de uma churrasqueira de república masculina, é de quarto de motel, de uma "Suíte 50 tons".


segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Goreti tenta lutar contra o destino... e perde [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor sem graça]


As artes esotéricas e sibilinas não são para qualquer um ou uma ou ume. Suas mensagens cifradas dão ensejo para compreensões dúbias, até mesmo “tríbias” - tese, antítese, destese, numa releitura pós-moderna e Hegel (não o colega de Marx, segundo o MPSP) -, que podem induzir as pessoas a tomarem decisões erradas, ao invés de ajudá-las. Por isso, todo cuidado é pouco. Ademais, defendo que as crenças esotéricas se encaixem no sincretismo que tanto marca nossa constituição enquanto povo: acredita só na medida em que o favorece. Também poderia defender um órgão de classe (estilo OAB e CRM) para esotéricos, mas isso fica para outro momento. Voltemos ao sincretismo. Foi assim com o catolicismo branco do colonizador, tem sido assim os evangélicos neopentecostais adeptos do eurocentrismo extremado neocolonizante (em especial os pastores, que falam de Jesus mas adoram os vendilhões do templo; defendem a família dita tradicional mas tem três amantes... de cada gênero), por que não poderia ser com esses bandos de esotéricos brancos mimados nos melhores bairros das cidades? 

Quem tenta seguir puro em sua crença ocidental sempre se dá mal. Goreti, por exemplo, é uma pessoa legal, mas vacila - justo por acreditar demais, e sem sincretismo.

Final do ano passado foi chamado pela chefia e designado para um congresso a beira mar em Ponta Negra, Natal - precisava ser alguém do nosso subsetor -, que foi de segunda, dia 22, à tarde, e até quinta 25 de manhã, com a fala já na terça pela manhã, pra poder estar só de corpo presente o resto do tempo nesse evento. A empresa se encarregou das passagens, da hospedagem nos dias de evento e de uma ajuda de custo considerável. Ou seja, levando em conta que 25 é feriado em Sampa, a proposta foi praticamente de férias fora de época (mas numa boa época), com passagens e 50% dos custos de hospedagem e alimentação pagos.

Ficamos todos - ele, inclusive - surpresos por ter sido ele o escolhido, e não Meirelles, a pessoa que mais manja dos paragolés e do falar em público. Vívida e escolada, não se surpreendeu, e nos lembrou que para liberais melanina demais só pega bem no fundo da foto. Enfim, tudo estava certo para o congresso, até que semana retrasada, logo na segunda pela manhã, Goreti saiu da sala do chefe com uma listinha e foi até Macedo. Antes de fazer o convite, se justificou:

“Eu realmente não posso ir, e acho que nem deveríamos mandar ninguém. Vai ser uma grande besteira. Falei para o chefe, mas ele não quis me ouvir. Por isso, nem recomendo que vá, mas ele perguntou se quer me substituir em Natal”.

Macedo, afim à sua discrição, rejeitou. A seguir, foi a vez de perguntar para Meirelles, que se indignou de ter sido chamada só àquela hora, sem tempo de refazer a agenda programada para o feriado.

Já paguei caro para passar no Boneti! Sacanagem!

Parecia um jogo meio Jogos Vorazes, sei lá, que quem escolhesse seria morto. Ou mesmo uma rodada do campeonato brasileiro, com todos os times parecendo lutar para não ganhar o título. 

Imaginamos que Goreti iria até Carnegie, o segundo mais apto para palestrar - depois de Meireles -, sempre elogiado pelo chefe, mas o escolhido foi o Desembargador, que não teve problema em mudar sua programação para o feriado, desde que pudesse juntar com o banco de horas, que dava três dias. O chefe, para mostrar sua autoridade, permitiu, desde que fosse antes do evento, e não depois. A contragosto, aceitou, e terça, dia 16, já foi de mala para o trabalho - voltaria só dia 28. No fim, o chefe fez o melhor para ele: o noivo, nos arranjos de seu trabalho, conseguiu ir no dia seguinte, para voltar no domingo: quatro dias namorando em Natal, depois três de congresso, e concluía com quatro dias curtindo sozinho a cidade. Me pergunto se há um grande grupo de chefes, para combinarem isso e parecer que eles têm um poder de premonição que nós não sabemos - e talvez nem as sibilas, cartomantes, cassandras e afins.

Cara, se cuida! Gosto muito de você, te desejo tudo de bom!

Havia lágrimas nos olhos de Goreti ao se despedir do Desembagador, ao fim do expediente. Seguiu borocoxó, com aquele ar de peso na consciência, falando pouco durante a ausência do colega. E se recusou terminantemente a comentar o porquê de ter desistido de ir para o congresso em tão vantajosas condições.

Hoje Goreti chegou atrasado - o que é incomum. Parecia bastante preocupado. Perguntou do Desembargador, dissemos que não chegara ainda. Até sua chegada, estava visivelmente perturbado e deu pra ver o alívio quando ouvimos nosso viajado colega, ainda antes de entrar na sala, falando para Bevilacqua:

Preciso te mostrar o retoque das minhas marquinhas!

Ao entrar, Goreti foi logo perguntando se ele estava bem.

Tudo ótimo! Que viagem maravilhosa! Agradeço pela oportunidade!

Não aconteceu nenhum imprevisto?

Na viagem? Ah, ontem foi complicado. Cheguei para pegar o avião e deu overbooking - eu e uma outra mulher que tinha participado do congresso. Ao invés de embarcar às sete da noite, só fui embarcar à meia noite. Por sorte, pagaram o táxi até minha casa, mas mesmo assim, fui dormir às três da manhã. A parte boa foi que nós dois ficamos esperando numa sala vip, com tudo liberado, até uísque double label! Bebemos, viu? Por isso essa cara de ressaca. Inclusive, uma pena que você não foi, porque acho que a moça que vim conversando, você iria adorála! Eu mesmo, se não fosse noivo e, principalmente, gay, teria me interessado - e ela está solteira! Pena que estávamos tão loucos que esquecemos de trocar qualquer contato.

Goreti ainda parecia incrédulo, e ao insistir se não tinha acontecido nada demais, fomos pra cima dele:

Abre o jogo, Goreti, que que houve que você desistiu da viagem e agora está aí, com cara de cão arrependido - insistiu Meireles.

Ele tentou tergiversar, mas abriu o jogo: havia ido numa cartomante (a cartomante é por minha conta, para dar um ar mais literário, quase um neo-Machado, ele falou taróloga e sexóloga, num terreiro de umbanda, mesmo), que havia tirado as cartas e dito que havia uma viagem programada para breve que lhe traria muita dor. Ele concluiu: só podia ser a viagem para Natal, e muito provavelmente seria a queda do avião! Por conta disso, tentou convencer o chefe a não mandar ninguém, ia se sentir culpado se o colega morresse.

Muita dor? - refletiu Desembagador - ah, sim! No primeiro domingo teve um episódio assim! Fui queimado por uma água viva, já no fim da tarde! Como doeu! Você nem imagina! Nem pude aproveitar a praia direito na segunda de manhã, antes do congresso. Vai ver era isso.

É, vai ver... - respondeu Goreti, murcho.

Eu, sinceramente, achei que faltou a Goreti o sincretismo de seu guru espiritual, e me pareceu que a grande dor dessa viagem foi por ter desistido dela. Os gregos antigos - Sófocles, por exemplo - já mostravam que não adianta lutar contra o destino.


22 de janeiro de 2024


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.