Há
quem ache que muitos policiais na rua é sinônimo de segurança.
Para quem conhece a cidade além da televisão e do preconceito
aprendido com seus âncoras – os pitbulls policiarescos ou os
pseudo-sérios que falam também de economia –, era possível
sentir, nesta sexta, a tensão nos grupos de cinco, seis, sete
policiais parados em cada esquina do centro de São Paulo. São sete
horas da noite, ouvi no rádio, pela manhã, que o Movimento Passe
Livre organizava um ato no centro de São Paulo – depois de uma
série de protestos na periferia. Partidários das táticas black
blocs, é claro, eram esperados. Estou no cruzamento da Ipiranga com
a Barão de Rio Branco, o sinal para pedestres pisca. Resolvo
esperar. Um homem termina de atravessar a primeira metade da avenida
Ipiranga. Xinga, discute com um motorista que havia parado em cima da
faixa. É um homem moreno, claramente de classe baixa – não dá
tanta impressão de morador de rua (ou de calçada, como alguns
preferem ser chamados), mas não surpreenderia se fosse. O sinal para
carros novamente fecha, o para pedestres abre. Um último apressado
fura o sinal com seu Nissan novo, quase atropela o homem, que xinga o
condutor não sei em quais termos – bem provável que se referia à
mãe do motorista, que pela sua pressa, ele estava indo buscar em
alguma casa de má fama para as famílias de bem. O carro é freado
bruscamente, a luz de ré se acende, e o motorista parte para cima do
homem na faixa, que se desvia do automóvel. Há um grupo de seis
policiais na esquina para a qual se dirige o homem. Dois saem em
direção à rua. Penso com certa alegria que a polícia fará sua
parte e o ogro ao volante, no mínimo, escutará qualquer coisa. O
carro foge, mas nem precisava. Os policiais se aproximam do pedestre,
um deles dedo em riste. “Está querendo arrumar encrenca, é?”,
“O cara tentou me atropelar”, “Você já vinha arrumando
confusão desde a outra faixa, que nós vimos”. Me afastei, a
discussão continuou. A polícia fazia seu papel, cumpria sua tarefa:
mantinha a ordem: reforçava o comportamento do motorista, fazia o
cidadão respeitar a vaca sagrada brasileira, e ainda mostrava a ele
que errado no Brasil é atentar contra o patrimônio, não contra a
pessoa. Porque assim como quebrar banco (no sentido de umas vidraças
de empresas que lucram bilhões, e não no de causar prejuízos aos
cofres públicos por fraudes ou má-gestão) é coisa de bandido, o
que autoriza a polícia a atirar (que sejam balas pretensamente
não-letais, na verdade, apenas menos letais), usar o carro como arma
para tentar ferir alguém não é problema: crime no Brasil é ser
pobre e ainda querer atrapalhar o tráfego.
São
Paulo, 25-28 de outubro de 2013.
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