"Meu
deus, você engordou!", falou minha amiga, tão logo me viu, e
olha que eu estava de preto e havia aparado as costeletas - que me
davam cara de lua-cheia ou bolacha traquinas, segundo meus pais. Não
nos víamos há seis meses - eu havia engordado tanto, a ponto de ser
perceptível ao primeiro olhar? A exclamação dela fez com que me
lembrasse de minha avó, que não visito há um ano. Além de todo
esse tempo sem vê-la, deveria me organizar para uma visita logo,
aproveitar o aumento na balança para lhe dar uma alegria ainda
desconhecida. É que minha avó, sempre que a visito, tenta vir com
aquele papo de nona italiana: "tá bonito: gordo, forte e
corado", mas nunca conseguiu usar a frase tal qual comigo:
mantive o mesmo peso entre meus quinze e trinta anos, apesar de ter
crescido cerca de dez centímetros nesse ínterim. Ela dava uma ajustada: "parece
que você engordou um pouco desde a última vez", dizia, numa
prova ou de auto-engano ou de memória traiçoeira, e no final completava: "mas o importante é ter saúde" - coisa que eu sempre tive, até entrar no mestrado. Se eu conseguir
visitá-la em breve, vai poder, finalmente!, dizer que estou "bonito:
gordo, forte e corado" sem, com isso, estar falando uma mentira deslavada. Bonito, bem, sejamos compreensivos, apesar de todos sabermos que é mentira, senhora dona Maria, inclusive, é das mentiras que avós adoram contar pros netos, deixemos passar (mas aceito opiniões contrárias, desde que acompanhadas de segundas intenções); de corado,
às vezes ganho tons avermelhados, principalmente quando exposto ao sol (ou a situações embaraçosas com belas raparigas do sexo alheio, o que não acontece defronte minha avó, claro, e que tenho aprendido a disfarçar);
quanto ao forte, ser persistente não deixa de ser uma espécie de
força, e em algumas coisas sou bastante persistente - ou seja, forte. Já o gordo, ainda que meu acréscimo de vinte e cinco por cento
em um ano (malditos trinta anos!) seja visível, como ficou claro na
exclamação da minha amiga, gordo, gordo não sou, mas pode-se dizer
que relativamente ao que sempre fui, estou gordo. Enfim: bonito, gordo,
forte e corado. Reconheço que não me acostumei com minha cara
bochechuda, e muito incomoda minha barriga - os dois locais onde é
visível que engordei. De qualquer forma, cabe eu ir logo para
Florianópolis, dar essa alegria à matriarca da família, antes que
as correrias de dois mil e quinze façam eu voltar à minha velha
forma.
15 de janeiro de 2015
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