O livro é composto de duas partes. A segunda, Insurrecta, são narrativas de temáticas mais feministas, algumas abertamente militantes e que se fazem a crítica ao papel da mulher na sociedade, vão além e fazem repensar a formação da mulher para a nossa sociedade. Isso me traz questão que há cerca de dois anos me permeia: a de se cabe tentar alterar a divisão dos papéis de gênero na nossa sociedade, ou se não seria mais sensato rediscutir a própria questão de gênero e tudo o que vem implicado nela, de uma identidade una e em alguma medida heterônoma (o que me leva, inclusive, a uma crítica do "ser não-binário"), a todos os acessos ou restrições que a ideia de gêneros implica.
Se o pano de fundo nos textos colaterais é a pandemia, ela serve para ressaltar de modo bastante orgânico os diversos papéis da mulher numa sociedade estruturada a partir da exploração dos seus trabalhos e de relações desiguais e desgastadas, mantidas por convenção social.
A maternidade, a despeito de suas alegrias, desponta como um fardo (em um conto no qual haveria uma maior isonomia nas relações entre homem e mulher, a paternidade também). Se a mulher pobre tem a avó da criança para dar algum suporte, a mulher branca, classe média alta, depende do suporte da mulher pobre, desde que essa deixe o próprio filho em segundo plano para cuidar dos da patroa - e ainda ser criticada por não dar conta do jeito como ela gostaria.
E seja à mulher pobre, seja à mulher rica, a pandemia, na apresentação da Isabela, faz despontar essa sobrecarga que, via de regra, recai sobre as mulheres, deixando à vista as rachaduras há muito existentes nas relações de gênero, no trabalho e na família.
Depois de ler Colateral, pode-se dizer que o "novo normal" que no início muitos vislumbravam com a pandemia que afetaria "a todos por igual", é tão somente o velho normal engolido com feijão e aceito como sempre - mas agora com uma dose maior de cinismo, já que não se pode mais alegar que não se percebe certas obviedades desde sempre muito visíveis.
25 de dezembro de 2022
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